Mapeamento das homenagens a Marielle Franco

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Trabalho realizado como desdobramento da ideia de mapear práticas culturais associadas aos modos como o luto é ressignificado em locais de memória relacionados a rupturas trágicas, como acidentes e crimes. A partir disso, observou-se que, desde o dia da morte da vereadora Marielle Franco, em 14 de março de 2018, surgiram várias manifestações artísticas ou de intervenções urbanas. Este verbete monitora esse tipo de manifestação a partir de redes sociais e hashtags na internet.

Autor: Hércules da Silva Xavier Ferreira

História[editar | editar código-fonte]

Há uma dor que não cessa na cidade carioca, ocasionada pela violência contra a democracia que afetou a muitos. Na rua cujo nome remete ao falecido líder máximo católico, João Paulo Primeiro, a vereadora Marielle Franco teve sua vida subtraída do convívio dos seus, em vil ato que buscou, sobremaneira, calar sua voz. Se na ocasião a perícia contou todas as balas possíveis que perfuraram o carro em que estava, conduzido pelo motorista Anderson Gomes que foi igualmente retirado da vida, impossível foi o cálculo de todas as pessoas atingidas e que, no comum da mesma dor, ergueram suas vozes em um só coro por justiça: quem mandou matar?

A ausência da vereadora Marielle torna-se força a partir dessa dor que ressignificou o luto em luta, pois não haverá descanso enquanto o crime não for elucidado. Em atos de memória recupera-se de alguma maneira sua presença e seus ideais. Esses atos encontram os mais diversos suportes, tanto pela intervenção urbana com grafites, lambe-lambes, colagens, estêncis, frases de efeito, placa! e estão espalhados pelo Rio de Janeiro, Brasil, América Latina, ganhando o restante do Mundo. Seu rosto, seu corpo e seu gesto (forte vereadora), estampam os mais variados murais, postes, ruas e inúmeros outros locais. Outras formas de lembrá-la foram desenvolvidas, como o biscuit, pipa, bandeiras, bloco de carnaval, enredo de escola de samba, costura, boneca de feltro, escultura, carimbo, funk, MPB, bolsa acadêmica, roupas e mesmo o nome desse Dicionário de Favelas.

É uma verdadeira memória em trânsito, avançando por vários espaços e alcançando novos entendimentos, inclusive. Sempre há o perigo, por melhor que sejam as intenções das homenagens, de ofender de alguma maneira sua imagem e história pessoal ou mesmo os ideais de sua luta política, na intransigente defesa dos direitos humanos. Como bem disse o poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Confidência do Itabirano, "Itabira é apenas uma fotografia na parede / Mas como dói!". De alguma maneira estes versos reforçam as falas da (§)ativista Indianare Siqueira, quando no lançamento do livro de Amara Moira, disse (em contexto próprio) que "não lhe quero como nome em uma placa, não quero como bottom, não quero como estêncil numa blusa, eu a quero com vida". Foi o triste "dia em que nós acordamos chorando", conforme palavras da irmã Anielle Franco, em ato após o primeiro ano de seu luto familiar.

Para melhor acompanhar essas mudanças e registrar os pontos em que surgiram os grafites e demais atos de memória, criou-se o respectivo mapa:

Mapeamento dos atos de memória[editar | editar código-fonte]

Esse trabalho surgiu como desdobramento de um outro, que mapeia as práticas culturais de cunho tanatológico, isso é, os modos como o luto é ressignificado em locais de memória na relação com a ruptura trágica (acidentes, crimes, catástrofes). A partir disso, observou-se que desde o doloroso dia 14 de março de 2018, várias manifestações artísticas ou de intervenções urbanas (dos mais variados tipos conforme já mencionados), foram aparecendo pelas ruas, dos quais categorizam-se os seguintes: pipa, brincos, tatuagens, camisetas, bandeira de bloco, escultura de madeira, costura e crochet, placa de logradoura, bonecas de feltro, bloco de carnaval, nome de dicionário, festas e propostas artísticas como performances.

A comunidade do Instagram prontamente auxilia este trabalho de mapeamento, por conta das hashtags como #mariellepresente, #mariellevive, #andersonpresente, #mariellefranco, #marielle, e muitas outras que são monitoradas. Nesse caso, uma vez que surja algo de inédito ou novo, entra-se em contato com o usuário que, geralmente, responde de bom grado e em curto espaço de tempo.

Importante dizer que tudo isso foi desenvolvido no interior do Mestrado em Patrimônio Cultural do IPHAN, o PEP-MP: http://portal.iphan.gov.br/pep.

Os devidos entendimentos para a feitura e composição do mapa deveu-se a partir das leituras que encontram-se adiante, em referências. É que conscientização e sensibilidade é um processo, espécie de despertar e estar atento, com todos os sentidos, para os sinais/signos urbanos e as práticas culturais daí advindas. Lembrar é também um gesto de memória, intencional, em sua busca para o devido testemunho.

Referências[editar | editar código-fonte]

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  • BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, 11º ed.
  • BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: Obras escolhidas I. São Paulo: Brasiliense, 1987.
  • CATROGA, Fernando José de Almeida. O culto dos mortos como uma poética da ausência. ArtCultura, Uberlândia, v. 12, n. 20, p. 163-182, jan.-jun. 2010.
  • CATROGA, Fernando José de Almeida. Uma poética da ausência. A representificação do ausente. IN.: Catroga, Fernando José de Almeida. Os passos do homem como restolho do tempo. Memória e fim do fim da história. Coimbra: Almedina, 2009, p. 33-54.
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  • FLUSSER, Vilém. Comunicologia: reflexões sobre o futuro: as conferências de Bochum. São Paulo: Martins Fontes, 2014.
  • FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007, 224p.
  • GONDAR, J. O. Quatro proposições sobre memória social. In: Gondar, Josaida; Dodebei, Vera. (Org.). O que é memória social?. 1ed. Rio de Janeiro: Contra-Capa, 2005, v. 1, p. 11-26.
  • HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. 189p.
  • POLLAK, Michael. “Memória, esquecimento, silêncio.” In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro: vol. 2, nº 3, 1989. Disponível em: http://www.uel.br/cch/cdph/arqtxt/Memoria_esquecimento_silencio.pdf. Último acesso em: 17 de jul de 2018.
  • SANTIAGO JÚNIOR, Francisco das C. F.. Dos lugares de memória ao patrimônio: emergência de transformação da 'problemática dos lugares'. Projeto História (PUCSP), v. 52, p. 245-279, 2015.
  • SELIGMANN-SILVA, Márcio. Antimonumentos: trabalho de memória e de resistência. Psicologia USP (Online), v. 27, p. 49-60, 2016.
  • SELIGMANN-SILVA, Márcio. Narrar o trauma: a questão dos testemunhos de catástrofes históricas. Psicol. clin., Rio de Janeiro , v. 20, n. 1, p. 65-82, 2008. Disponível em: <[1]>. Último acesso em 22 de out de 2019.

Ver também[editar | editar código-fonte]