Maria Luísa Brandão (entrevista)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Maria Luísa Brandão é moradora da baixada fluminense do bairro Vila Operária. Oriunda da cidade de Belo Horizonte em Minas Gerais deslocou-se para o estado do Rio de Janeiro sozinha quando tinha dezessete anos. Veio ao encontro de duas irmãs e uma tia que já residiam na cidade em que recém chegara, tempos depois nossa entrevistada viria conhecer a região que se constituíra como o bairro da Vila Operária tornando-se uma moradora importante para conhecer a história desta localidade.

Autoria: Maria Luísa Brandão  (entrevistada) André Amorim (entrevistador)

Texto Principal[editar | editar código-fonte]

Maria deslocou-se para o Rio de Janeiro em busca de

Maria Luísa.
Maria Luísa.

melhores condições de vida. Relata que eram muito pobres e que suas irmãs mais velhas já haviam conseguido melhorias ao mudarem-se para este Estado. Passaram-se apenas três anos para que suas irmãs mais velhas, já instaladas e em melhores condições, a convidassem para literalmente “tentar a vida” em uma nova localidade, com mais oportunidades. Esta fragmentação da família deu-se sobretudo pelo falecimento do pai que afetou sensivelmente o sustento e a subsistência da família.

No interior havia poucas oportunidades de trabalho, quase sempre, com baixa remuneração frente à realidade observada em estados como o Rio de Janeiro. Tendo como referência a experiência de suas irmãs, e principalmente, pela necessidade de conseguir uma moradia própria, Maria desloca-se para esta região. Antes porém para conseguir o dinheiro da passagem dedicou-se a trabalhos manuais, a “lavar roupa pra fora”, como forma de juntar dinheiro para comprar a passagem de trem para vinda ao Rio de Janeiro. Por ser religiosa mantinha grande confiança que Deus a ajudaria nesta busca.

Quando chega à Central do Brasil Maria é recepcionada por um dia, já que havia escrito cartas para as irmãs informando sua data de chegada e não foi respondida. Este a coloca dentro de um trem e a adverte, cuidado na viagem! Maria começa a conversar com uma senhora no interior do trem e ao contar parte de sua história de vida, a senhora resolve ajudá-la dizendo que se não houvesse ninguém esperando por Maria na estação de destino que a mesma a levaria para casa dela. Quando chegam ao local nenhum familiar é encontrado, a senhora que decidiu ajudá-la pede um táxi e rumam para o endereço da Tia não encontrada, ao chegarem ao local finalmente Maria teve a oportunidade de reencontrar os familiares que procurava. Relata que sempre trabalhou tomando conta de crianças, e nessa ocupação como babá, passava cerca de cinco ou seis anos com as famílias que a contratavam. Disse que quando chegou ao Rio de Janeiro seu emprego já estava praticamente “garantido”. Isto porque segundo a própria, os patrões da época preferiam trabalhadores do interior, os mais novos eram ainda mais bem quistos, uma vez que poderiam ser moldados pelas famílias que os recebiam, e também pela ingenuidade que parte da população do interior comumente possui, elementos que eram bastante agradáveis aos padrões da época, sobretudo àqueles interessados em funcionários pouco questionadores e satisfeitos com o fato de estarem empregados.

Enquanto mineira que havia recém chegado ao Rio de Janeiro nossa convidada nesta entrevista revela que nunca percebeu comportamentos preconceituosos com ela em função de seu estado de origem, de seu sotaque, idiossincrasias e afins. Revela que trabalhar com crianças é um grande desafio, já que algumas vezes entrou em desavenças com os pais delas em função de problemas de comportamento e da necessidade de corrigi-los. Para Maria era importante que a mesma atuasse junto à educação dos filhos das filhas para quem trabalha, já que, em caso contrário, ela estaria sofrendo riscos de ser culpabilizada por alguma ação irresponsável da parte dela. Dessa forma, colocar castigos e agir de maneira decisiva fizeram parte de sua trajetória enquanto babá. Talvez por tal razão nossa convidada tenha, por muitas vezes, se apegado às crianças as quais participou da “criação”, manteve contado com alguma delas depois de deixar de cuidar delas. Relata que morou no bairro centenário em Duque de Caxias quando se casou com um mineiro que conheceu na Quinta da Boa Vista em São Cristóvão. Depois de casada revela que trouxe muito das tradições de Minas Gerais para o bairro em que foi morar com seu cônjuge. As comidas faziam muito sucesso e os pedidos de determinados pratos ocorriam com frequência. Passou a fazer muitos remédios caseiros usando a sabedoria dos povos do interior a respeito das ervas e afins.

Na primeira residência alugada em que Maria morou, havia espaço no quintal para que ela pudesse dedicar-se a plantação, prática pela qual tem grande estima, e que servia também a própria alimentação e de vizinhos próximos, em uma rede de aliança e ajuda, que parecia ser comum à época e a realidade da entrevistada. Após cinco anos nessa residência Maria se muda para o centro de Duque de Caxias, para uma casa muito mais espaçosa, também alugada e que foi indicada por sua cunhada.

Maria tem contato com a Vila Operária em função de sentir necessidade de livrar-se da dependência de residências alugadas, tendo já duas crianças ela soube que estavam “dando” terrenos nessa região, o que a levou a conversar com seu marido, que reagiu negativamente à ideia. Para não contrapor-se diretamente ao mesmo, nossa convidada continuou com ele na casa em que moravam e quando saia para trabalhar passava no terreno que havia conseguido e aos poucos tratava de construir uma nova residência. Maria teve uma importante parceria no processo de conhecer a vila operária e acompanhar a forma com que estava acontecendo essa onda de construções no bairro, o “Seu José Barbosa”, o barbosinha, que conseguiu o terreno para ela. Ao que parece este homem estava organizando um movimento de ocupação mesmo que informal, Maria relata que ele enfrentava a polícia, que foi preso e afins. Tão logo nossa entrevistada revela que Barbosinha tinha ligações com política partidária e que futuramente iria tornar-se vereador na cidade. Havia uma compreensão, por parte de Barbosinha, de que a ocupação desta localidade deveria ser feita com construções realizadas em alvenaria, estariam "proibidas" as construções conhecidas como `` barraco em geral feitas de pau-a-pique, estuque ou madeira descartada. Essa postura visava evitar o que se imagina um possível processo de favelização, Barbosinha entendia que se a ocupação seria feita por trabalhadores, estes teriam condições de empreende-la desta forma.

Sobre a prisão de Barbosinha nossa convidada argumenta que foi absolutamente contrária ao ocorrido, que se trava de uma grande injustiça e que graças à intervenção divina o mesmo foi posto em liberdade. Maria ao terminar sua casa no terreno ocupado chamou-o para mostrar como havia ficado a construção, ao que o mesmo elogiou a obra realizada dizendo que Maria havia feito da forma de deveria ter sido feita.

Com a ajuda de Barbosa, agora ocupante do cargo de vereador, Maria junto a outros moradores constituíram uma associação de moradores que objetiva que os mesmos pudessem ter mais acesso a serviços como saúde e comunicação. Eram recorrentes os problemas relacionados à necessidade de deslocar-se para hospitais e não haver condições práticas para tal, sobretudo em um momento em que a cidade contava com um aparato ligado à saúde pública ainda mais precário que o visto na atualidade.

As parcerias com Barbosinha permitiram a Maria conseguir também um outro imóvel, feito por ela para que seus filhos pudessem trabalhar nele, primeiro uma oficina de bonecas onde Maria trabalhou e depois uma loja que acabou sendo alugada por ela e usada como salão de beleza, e que seguiu sendo alugada por períodos de 3 ou 4 anos, atualmente (data da entrevista) uma barbearia. Nossa convidada fala também a respeito de um momento em que apareciam pessoas na região que diziam que iriam retirar as pessoas de lá. Não eram representantes do poder público em processos de reintegração ou expropriação, tratavam-se de sujeitos que pretendiam tensionar os moradores e forçá-los a sair. Conforme insiste Maria um sujeito com a alcunha de “Xandrix” entrou em contato com ela informando que iria vender os terrenos dali. Ao que a mesma respondeu com uma pergunta, o senhor já comprou algum terreno aqui? Tem os comprovantes de compra? Pagos? impedindo que o mesmo continuasse com a argumentação.

Conforme esclarece Maria após o momento inicial em que Barbosinha determinou parte do processo de ocupação, sempre foram os moradores que decidiram sobre as ocorrências na Vila Operária, as vendas, aluguéis, compras, comercializações e afins.

A entrevistada fala também sobre os aspectos religiosos da região, o fato de existirem igrejas católicas, a criação da igreja de Nossa Senhora da Aparecida de qual Maria é uma das fundadoras e também da presença e atuação do bispo Dom Mauro Morelli Maria encerra esta entrevista falando e mostrando a sua residência, a história desta construção. Inicia mostrando toda a área descoberta onde ficava a área de serviço usada para lavar e secar as roupas. Mostra as áreas em que colocou piso que substituiu o antigo “cimentado”, e o revestimento de azulejos na cozinha que inicialmente não os possuía. Falou sobre as reviravoltas em pensar a localização do banheiro para que estivesse garantida uma boa ventilação. Em seguida mostra que a casa foi crescendo para o segundo e terceiro andar, momento em que divide a casa para seus filhos, este foi um momento importante para Maria pois pôde conseguir e organizar moradias para seus descendentes ─ sua família.

Leia a entrevista na íntegra[editar | editar código-fonte]

Arquivo:Entrevista Maria Luisa Brandão.pdf