O Movimento Revolucionário 8 de Outubro e as favelas no Rio de Janeiro

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O objetivo deste verbete é contribuir de forma sucinta para um tema ainda pouco explorado por pesquisadores da ditadura-civil militar: a relação entre os grupos revolucionários que empreenderam, a luta armada e os movimentos sociais de favelas no processo de oposição ao regime ditatorial. Nesse sentido, vamos nos debruçar sobre a atuação do Movimento Revolucionário 8 de Outubro ( DI-GB/ MR-8).

Autor: Matheus de Carvalho Barros

Ditadura civil - militar e as favelas[editar | editar código-fonte]

Na década de 1960, a política de segregação espacial da cidade do Rio de Janeiro promovida pelos governos Federal e do antigo estado da Guanabara tomou proporções inéditas, com a remoção de favelados das áreas centrais da cidade, e a consequente transferência desses para terrenos vazios na periferia. Esse período trouxe uma mudança drástica na relação entre Estado e favelas: a partir de 1969, no contexto ditatorial, a remoção, ameaça sempre presente na vida das favelas, pôde ser executada com força total, garantida por uma repressão nunca vista antes (BRUM, 2012).

O “problema-favela” clamava, segundo autoridades e setores da sociedade, por uma solução urgente, tendo o número de habitantes destas praticamente dobrado entre 1950 e 1960, passando de cerca de 170 mil moradores, correspondendo a 7,2% do total da população da cidade, para 335 mil, 10% da população total, cifras que alarmavam os que viam a favela como uma infestação urbana que crescia sem controle (BRUM, 2012).

Nesse contexto, segundo Lucas Pedretti (2016), entre 1962 e 1974, mais de 140,000 pessoas foram removidas de suas casas, sobretudo nos bairros que se tornavam mais atrativos para o mercado imobiliário, como a Lagoa Rodrigo de Freitas e o Leblon, por exemplo. O autor nos aponta que, se a política de remoções sistemáticas foi iniciada com o então Governador Carlos Lacerda ainda antes do período ditatorial, foi em 1968, com a criação da Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana do Rio de Janeiro (CHISAM), que a ditadura passou a dirigir o processo com uma maior disponibilidade de recursos técnicos e financeiros, executados, sobretudo, através da violência.

Entretanto, apesar das dificuldades impostas pelo fechamento do regime, as remoções não ocorreram sem a resistência dos moradores e dos movimentos sociais. A Comissão da Verdade do Rio de Janeiro (CEV-RIO) localizou documentos inéditos que comprovam a prisão de lideranças da Federação de Associações de Favelas do Estado da Guanabara (FAFEG) que se articularam para combater o processo. Como nos demonstra Pedretti (2016), um caso emblemático que ilustra bem essa situação aconteceu na extinta Favela do Esqueleto. Ameaçada de remoção poucos meses após o golpe, os moradores da favela organizaram um plebiscito na comunidade a fim de mostrar às autoridades que não queriam sair dali. Nesse cenário, o então presidente da FAFEG, Etevaldo Justino, foi preso acusado de fazer “ativismo subversivo” entre os favelados. A mobilização, no entanto, não surgiu efeito. A remoção foi realizada e milhares de pessoas tiveram que deixar o local que hoje é a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Como base nesses documentos produzidos pelas forças repressivas da ditadura militar e localizados pela Comissão da Verdade, a Federação das Associações de Favelas do Rio de Janeiro (Faferj), que sucedeu a Fafeg, após o fim do estado da Guanabara, em 1975, demanda que o Estado brasileiro reconheça e repare a perseguição sofrida pela entidade naquele período. A Federação busca o reconhecimento de que as graves violações aos direitos humanos promovidas pelos militares não se restringiram a casos individuais e de que violências também foram movidas contra a federação, com base em recortes de raça, classe e território (PEDRETTI; OLIVERIA, 2023).

O MR-8 na luta armada[editar | editar código-fonte]

O Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) constituiu-se como uma das diversas dissidências estudantis que surgiram no seio do Partido Comunista Brasileiro (PCB), por consequência dos inúmeros conflitos que afetaram o partido no início dos anos 1960 e que iriam se intensificar após o golpe civil-militar. Formada ainda no período pré-64, o grupo surgiu da aproximação, ainda molecular, de alguns estudantes da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e da Faculdade Nacional de Direito, ambas integradas à Universidade do Brasil (atual UFRJ).

Segundo Higor Codarin (2020), entre 1967 e 1969 foi sendo consolidada a visão de que só a luta armada derruba a ditadura, conforme slogan dos protestos estudantis deste período. De início com muitas nuances e dúvidas, a luta armada como estratégia revolucionária foi concretizada na nova linha política da organização, resultado das discussões na III Conferência da organização, em abril de 1969. É importante destacar que essa perspectiva de ruptura com a tradição e as formas de luta do PCB encontrava confirmação na conjuntura revolucionária internacional que aparentava inaugurar uma nova fase na “progressiva marcha para o socialismo”, como também no debate teórico que surge nesse contexto. Após a ação de sequestro do embaixador norte-americano, realizada em conjunto com a Ação Libertadora Nacional (ALN) em setembro de 1969, os órgãos repressivos fecharam, definitivamente, o cerco às organizações de esquerda armada. Imerso na clandestinidade, o MR-8 distanciava-se, gradativamente, dos setores sociais que buscava mobilizar para dar seguimento à revolução brasileira (CODARIM, 2020).

Entretanto, após os processos de mortes, prisões e exílios, algumas organizações da esquerda revolucionária decidem abandonar o enfrentamento armado e empenham-se nas lutas dos movimentos sociais. O objetivo desses grupos era acumular capital político que os credenciassem como força de peso nas disputas do cenário político nacional. No Rio de Janeiro, por exemplo, o MR-8 teve um papel fundamental na reorganização dos movimentos de favelas, reativando a Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ) (SANTOS, 2010).

O MR-8 e as favelas no Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]

Atuar nos movimentos sociais não era uma exclusividade da organização MR-8. Muito pelo contrário. As relações entre as organizações da esquerda revolucionária e os movimentos sociais eram intensas no período ditatorial. Entretanto, se pegarmos a relação específica com o movimento de moradores de favelas, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se destaca.

Como mencionado anteriormente, com a volta do exílio do Chile de parte de sua cúpula, a organização se rearticula pondo fim às ações armadas e optando pelo trabalho de base em sindicatos operários, militando em ações populares, e consequentemente se fortalecendo como ator pelas lutas democráticas. A partir de uma nova análise da conjuntura nacional, verifica-se que era através da participação nos movimentos sociais que ocorreria a superação da ditadura civil-militar (AMOROSO, 2015).

Nesse cenário, o MR-8 orientava sua militância, em todos os locais onde tinha atuação, no sentido de organização dos movimentos de moradores das grandes cidades e capitais. O movimento de moradores da periferia teve a questão de moradia como demonstrador das precariedades impostas a uma grande parcela da sociedade brasileira. O direito à moradia, mais do que o direito aos serviços públicos ainda era, nas décadas de 1970 e 1980, a principal reivindicação do movimento dos moradores das grandes cidades brasileiras e áreas metropolitanas (SANTOS, 2012). Nesse contexto, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro se atentou a essas questões e se tornou, entre os militantes da esquerda revolucionária, os que mais atuaram, nas décadas de 1970 e 1980, na reorganização das comunidades faveladas em várias cidades brasileiras, com destaque para a atuação no Rio de Janeiro.

Uma figura fundamental que demonstra atuação do MR-8 nas favelas cariocas é o líder comunitário Irineu Guimarães. Morador da favela do Jacarezinho, Irineu iniciou sua participação política ainda na década de 1950 sob a influência do Partido Comunista Brasileiro. Entretanto, segundo Eladir Santos (2012), será em meados da década de 1970 que Irineu Guimarães entre em contato com os militantes do MR-8. A organização já frequentava a favela desde o início de 1971, primeiro com o objetivo de formar militantes para a luta armada e posteriormente para organizar o movimento dos moradores.

Sob a orientação do MR-8, Irineu Guimarães se aproximou da entidade federativa dos favelados do estado, a FAFERJ (antiga Fafeg), e observou, junto com outras lideranças, que a mesma não estava mais representando, efetivamente, os favelados. Na visão desses atores, a FAFERJ havia se tornado uma entidade que, temendo a repressão imposta pelos organismos da ditadura, optara por calar-se e conciliar os conflitos (ALVIM, 2014). A partir deste diagnóstico, uma tarefa se impunha naquele momento: disputar a liderança da federação e reorganizar a sua atuação política.

Em 1978, Irineu lidera um movimento formado por presidentes de associações de moradores que com o apoio da Igreja Católica – que ofereceu suporte jurídico com os advogados da Pastoral de Favelas, Sobral Pinto e Bento Rubão – tornou-se vitorioso. A vitória representava a retomada da FAFERJ como uma organização ativa na defesa dos interesses dos favelados. E como o processo de reorganização da entidade foi liderado por setores da esquerda revolucionária e parte da Igreja Católica progressista, as atividades da organização passaram a ser alvo constante dos organismos de repressão (SANTOS, 2012).

Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]

ALVIM, Mariana. As marcas da ditadura nas favelas cariocas. Viva Rio.org, 03/04/2014. Disponível em: https://vivario.org.br/as-marcas-da-ditadura-nas-favelas/#:~:text=O%20maior%20impacto%20que%20a,a%20se%20chamar%20Federa%C3%A7%C3%A3o%20das

AMOROSO, Mauro. Quando a literatura política sobre o morro: grupos de oposição, favelas e cultura a partir da análise de um livro sobre o Borel. Antíteses, v.8, n.15, 2015.

BRUM, M. S. Ditadura civil-militar e favelas: estigma e restrições ao debate sobre a cidade (1969-1973). Cadernos Metrópole, 2013.

CODARIM, Higor. O ethos revolucionário da esquerda armada brasileira: o caso do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Dimensões, 2020.

PEDRETTI, Lucas. Relatório da Comissão da Verdade do Rio Denuncia Violência nas Favelas Durante a Ditadura. RioOnWatch, 2016. Disponível em: https://rioonwatch.org.br/?p=18044

PEDRETTTI, Lucas; OLIVEIRA, Marcelo. Federação de favelas do Rio buscas reparação inédita por perseguição na ditadura. Agência Pública.org. Disponível em: https://apublica.org/2023/11/federacao-de-favelas-do-rio-busca-reparacao-inedita-por-perseguicao-na-ditadura/.

SANTOS, Eladir. Memória política e formações identitárias nas estratégias do Movimento Revolucionário 8 de Outubro. Anpuh, 2010. Disponível em: http://www.encontro2010.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1276660791_ARQUIVO_TextoAnpuh2010.pdf.

SANTOS, Eladir. Disputas de memórias: memória e identidade do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (1975-1985). Tese de doutorado em Memória Social na UNIRIO, 2012.