Panorama dos Conflitos Fundiários no Brasil (2019 - 2020)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O Panorama dos Conflitos Fundiários no Brasil 2019-2020, lançado pelo Fórum Nacional de Reforma Urbana, destaca a persistência dos problemas de habitação e as violações aos direitos humanos. Resultado da colaboração entre diversas redes e organizações, o relatório aborda a escassez de recursos para políticas habitacionais, o aumento dos despejos e a falta de resposta adequada durante a pandemia. O documento propõe o "Despejo Zero" como uma resposta ética e urgente para garantir moradia digna e denunciar as injustiças nos conflitos fundiários urbanos no Brasil.

Autoria: Informações do verbete reproduzidas pela Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco a partir de outras fontes.

Sobre[editar | editar código-fonte]

O Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) lança o Panorama dos Conflitos Fundiários no Brasil | 2019-2020, uma ação que vem na esteira do Panorama dos Conflitos Fundiários elaborado em 2018 e, que agora ganha força com outras redes como a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU e o BR Cidades.

A necessidade de uma leitura ampla do contexto dos conflitos fundiários urbanos do país segue latente e foi o dispositivo para reunir as inúmeras iniciativas promovidas por estas redes e pela Campanha Despejo Zero, uma articulação entre movimentos sociais populares, grupos de pesquisa e organizações não governamentais, que nasceu em 2020 para lutar contra os despejos no contexto da pandemia. Este panorama é, portanto, o resultado do esforço de reunir a base de dados destas iniciativas para instrumentalizar a luta dos movimentos e incidir pela defesa da vida e contra os despejos.

O desmanche das políticas públicas, iniciado em 2016 com a Emenda Constitucional n. º 95 que congelou os gastos com as políticas públicas por vinte anos, passando pela extinção dos conselhos, do Ministério das Cidades culminando com a escassez total de recursos e investimentos em políticas de habitação, seja de produção, melhoria ou regularização fundiária.

Diante deste cenário, a luta dos movimentos sociais populares segue sendo a denúncia da especulação da terra por meio da legítima ocupação desses imóveis ociosos, para dar-lhes uma função social. Entretanto, a reação do Poder Público, especialmente do Executivo e do Judiciário, segue sendo a de reintegrações de posse com o abusivo uso da força policial. A moradia deixou de ser um problema social, para ser um “caso de polícia”. Mesmo a crise sanitária global da COVID- 19 não cessou estes processos de violência contra a vida, como nos mostram os dados coletados relativos aos anos de 2019 e 2020.

Panorama dos Conflitos Fundiários no Brasil 2019-2020[editar | editar código-fonte]

A partir da ampliação das fontes de dados, o Panorama dos Conflitos Fundiários 2019-2020 reúne os dados das Defensorias Públicas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Ceará, Pará e Amazonas. Conta ainda com os dados coletados pela Campanha Nacional Despejo Zero e das articulações locais do Fórum Nacional de Reforma Urbana nos Estados do Paraná e Rio Grande do Sul. A reunião dos dados destas distintas fontes, tem por objetivo:

  • Dar visibilidade aos dados e às informações que já existiam sobre os conflitos fundiários urbanos e que foram produzidos no ano de 2019 e 2020 através das seguintes fontes: Defensorias Públicas Estaduais, Campanha Despejo Zero, movimentos sociais populares, redes, coletivos e assessorias técnicas locais;
  • Buscar uma aproximação e um ponto de convergência metodológica de modo a poder construir de modo colaborativo um Panorama Nacional do Conflitos Fundiários Urbanos;
  • Reunir os dados já existentes sobre conflitos fundiários urbanos de modo a compor um quadro mais amplo, em termos territoriais, dos conflitos fundiários urbanos, na perspectiva de ampliar o alcance das informações para os próximos anos;
  • Dar visibilidade aos dados sobre conflitos fundiários urbanos e denunciar as violações aos direitos humanos decorridas destes conflitos;
  • Fortalecer a Rede de apoio dos assentamentos que estão inseridos em contextos de conflitos fundiários urbanos.

Notas metodológicas[editar | editar código-fonte]

O relatório “Panorama dos Conflitos Fundiários Urbanos no Brasil 2019-2020” compõe uma iniciativa metodológica de monitoramento de direitos humanos a partir do levantamento e sistematização de dados sobre despejos em cidades no Brasil. Para o FNRU, esse monitoramento é estratégico e parte dos seguintes princípios que fundamentam os processos de luta contra os despejos:

Direitos Humanos[editar | editar código-fonte]

A partir de uma visão crítica dos direitos humanos, trata-se de potencializar as denúncias a partir da visibilidade dos casos de despejos e das violações aos direitos humanos que ocorrem e que são silenciados e invisibilidades propositalmente para sonegar direitos e cidadania, na busca de criação de um quadro nacional das violações;

Cidades Justas[editar | editar código-fonte]

É uma dimensão do monitoramento de conflitos fundiários urbanos que representa a luta contra a apropriação das cidades pelo capital e pela especulação imobiliária com a tomada de territórios e espaços públicos e a consequente expulsão de moradores e comunidades através dos despejos. Denunciar os despejos também é denunciar um modo de viver nas cidades que exclui e destina seu território para o capital;

Resistência[editar | editar código-fonte]

É o compromisso ético das redes implicadas neste panorama com a luta diária de pessoas e comunidades que estão ameaçadas pelos despejos, foram despejadas de suas moradias e que, portanto, se colocam espontaneamente na linha de frente de uma resistência por um lugar na cidade, o que lhes é sonegado diariamente;

Despejo Zero[editar | editar código-fonte]

Trata-se da luta diária contra todos os despejos no Brasil e no mundo, de modo articulado e explorando todos os espaços, sejam as ruas ou as instituições públicas, para evitar os despejos e garantir moradia digna para as populações mais vulneráveis.

O Fórum Nacional de Reforma Urbana tem, historicamente, atuado e denunciado os despejos no Brasil. Nesta perspectiva, realizou diversas ações de natureza formativa, informativa e de incidência junto aos atores públicos do poder executivo, legislativo e judiciário. Desde 2018, busca consolidar um cenário nacional desta grave violação ao direito humano à moradia. Esse relatório anual dos conflitos fundiários urbanos tem a pretensão de dialogar com esse histórico de lutas e garantir o registro e a denúncia das violações para que nunca sejam esquecidas.

Longe de querer homogeneizar dados ou suas análises, a metodologia proposta busca a construção de um panorama dos conflitos a partir da aproximação entre as distintas fontes que contribuíram para a sua elaboração. Para isso, a construção deste Panorama se estruturou em três momentos: (a) aproximação; (b) a coleta de dados; (c) sistematização;

Aproximação[editar | editar código-fonte]

O Panorama dos Conflitos Fundiários, nesta edição, busca aproximar os levantamentos realizados por dois atores, sobre os conflitos fundiários urbanos: a Campanha Despejo Zero e as Defensorias Públicas. O primeiro é uma rede que reúne movimentos populares de moradia, organizações não governamentais e pesquisadores, em torno de uma campanha nacional contra os despejos, que nasce durante a pandemia. Esta campanha tem três pilares, sendo um deles o monitoramento dos despejos, o qual se dá a partir das denúncias feitas pelos movimentos populares e pelas comunidades através dos canais disponibilizados pela campanha, que tem dados registrados de 20 estados brasileiros: Amazonas, Pará, Amapá, Piauí, Maranhão, Tocantins, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Espirito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal.

O segundo ator deste processo, são as Defensorias Públicas Estaduais, a partir da sua Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP. Trata-se, também de uma rede de caráter institucional, que tem cumprido um papel estratégico na defesa das ocupações e contra os despejos em vários estados brasileiros. Em alguns estados, como o Rio de Janeiro e São Paulo, as Defensorias Públicas, através dos seus núcleos de defesa do direito à moradia, já atuam em parceria com as redes e os movimentos sociais populares locais, na defesa das ocupações e com a estruturação de dados sobre os conflitos, contribuindo inclusive, para o Panorama dos Conflitos Fundiários de 2018.

O Fórum Nacional de Reforma Urbana, a partir de uma aproximação com a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos – ANADEP, buscou envolver seus núcleos na construção do panorama dos conflitos fundiários 2019-2020. Como parte da articulação em torno da Campanha Despejo Zero, o Fórum Nacional de Reforma Urbana, também buscou a aproximação com a coordenação da Campanha e o seu GT de Monitoramento. Também integrou essa articulação em torno da construção deste panorama, o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico – IBDU. A partir de rede potente de articulação, foi possível reunir neste documento os dados sobre os conflitos fundiários urbanos de 11 estados brasileiros: Rio de Janeiro, São Paulo, Paraíba, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Espirito Santo, Amazonas, Paraná e Pará.

O esforço posto na construção deste panorama é o da coleta de dados primário, junto aos atores locais e que atuam diretamente com a pauta dos conflitos fundiários urbanos. Neste sentido, cabe destacar que, localmente, cada estado, tem as suas especificidades com relação as suas articulações locais, e que estas diferenças se fizeram presentes tanto no processo de coleta de dados, como nos seus resultados.

Em termos de base de dados, há diferenças entre os estados. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espirito Santo, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Amazonas e Ceará, foi possível realizar a coleta de dados a partir das bases das Defensorias Públicas, além daqueles já coletados no âmbito da Campanha Despejo Zero, que possuí dados relativos a estes estados. Já, nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Paraíba, os dados foram coletados junto a outros atores locais, além daqueles já coletados pela Campanha Despejo Zero. Embora os dados estejam estratificados por estado a abrangência da coleta, não seguiu uma escala estadual, sendo marcante a presença de dados das regiões metropolitanas (incluído as capitais).

Coleta de dados[editar | editar código-fonte]

A partir da aproximação entre as fontes, o esforço seguinte foi o de compreender as bases de dados e aproximar as metodologias a partir da identificação dos seus pontos de convergências. Nesse sentido, foi construída uma base de dados comum para a coleta das informações. Essa base de dados partiu daquelas existentes no Aplicativo de Mapeamento de Conflitos Fundiários do FNRU, utilizado para a coleta de dados nos estados de Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraná, no Panorama dos Conflitos Fundiários de 2018, que então incorporou as informações coletadas pela Campanha Despejo Zero e aquelas de interesse das Defensorias Públicas. A compatibilização destas bases de dados deu origem ao instrumento de coleta de dados utilizado para a construção do Panorama dos Conflitos Fundiários 2019-2020.

Sendo conhecedores das bases de dados e das suas especificidades, optou-se pela adoção de variáveis entre os estados, de modo a garantir uma leitura mais homogênea sobre o quadro dos conflitos fundiários urbanos. Foram varáveis comuns de análise: local, número de famílias, agente promotor, tipologia e situação do conflito: ameaça de remoção, remoção evitada, remoção efetivada, remoção parcial.

Sistematização[editar | editar código-fonte]

A partir da convergência de variáveis, a opção foi a de adotar uma sistematização simples que fornecesse dados diretos e claros para compor um panorama dos conflitos fundiários no Brasil. Entendendo ser a construção do panorama de conflitos fundiários urbanos, um processo progressivo de articulação de redes e coleta de dados, que parte de um alinhamento metodológico que permita a leitura em escala nacional do quadro dos conflitos fundiários no Brasil, na perspectiva de avançar no seu monitoramento.

Neste sentido, a sistematização dos dados para este panorama, adota como categorias de análise para uma leitura de escala nacional, o número de casos, o número de famílias em situação de conflito fundiário, o número de casos e famílias ameaçadas de remoção, em remoções que foram efetivadas e em remoções que foram evitadas.

Considerações[editar | editar código-fonte]

Os despejos geram inúmeras violações pois atingem um conjunto de direitos que são indispensáveis para o desenvolvimento da vida, como o direito à moradia, direito à saúde, à educação, ao trabalho, ao transporte, à alimentação, à terra e à privacidade. O direito de propriedade segue no centro das ações estatais, mesmo em um contexto de pandemia. A crise sanitária, iniciada em 2020, não freou os despejos no Brasil. Estados como o Amazonas, onde a crise sanitária foi uma das mais intensas e trágicas do país, registrou o maior número de famílias despejadas na pandemia e o maior número de famílias ameaçadas de despejo.

Nesta perspectiva, além da já conhecida denúncia da falta de política habitacional, escassez de recursos, e retrocessos significativos em termos de garantias legais, este panorama também denuncia o grave contexto político e de extermínio das populações mais vulnerabilizadas.

O fortalecimento da resistência, compromisso ético das redes que construíram o Panorama dos Conflitos Fundiários 2019-2020, com a luta diária pela exigibilidade de direitos, em especial do direito à moradia adequada, especialmente no atual contexto sanitário, é imprescindível para garantir cidades mais justas. O relatório posiciona-se, portanto, pelo DESPEJO ZERO, com a pretensão de dialogar com o histórico de lutas do FNRU, garantindo registro e denúncia das violações, a fim de que não sejam esquecidas, e de que sejam evitadas.

Reforça-se, por fim, a necessidade de que este trabalho de mapeamento dos conflitos fundiários urbanos seja constante e avance na perspectiva de um monitoramento dos casos, mantendo-se articulado com as redes e utilizando a informação coletada e analisada como instrumento de luta para a incidência em diferentes níveis, pela efetivação dos direitos humanos e garantia da dignidade humana.

Notas e referências[editar | editar código-fonte]

Por Fórum Nacional da Reforma Urbana, publicado originalmente em 3 de dezembro de 2021.