Papel da Informação Científica para Democratização da Saúde no Ambiente de Atenção Primária à Saúde

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Introdução

Relembrando o discurso do Dr Prof Sérgio Arouca na abertura da 08 Conferência Nacional de Saúde (1986), exaltando a definição da OMS que saúde não é somente a ausência de doença, ela representa também acesso à educação, informação para transformar a realidade, respeito a livre opinião e a organização. Segundo Barreto (2002), a informação se constrói a partir de um fluxo, desde as ideias, produtos da sensibilidade humana, até sua consolidação como saber, como um acervo pessoal. Já o poder transformador da informação só é possível com a cidadania, capacidade conquistada por alguns indivíduos ou por todos, de se apropriarem dos bens socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização humana abertas pela vida social em cada contexto determinado historicamente (Coutinho, 2008). Sob a influência da concepção de saúde como direito humano, que só se faz possível através de uma democracia efetiva, que a Atenção Primária à Saúde (APS) é conceituada pela primeira vez, durante a Conferência de Alma-Ata em 1978. Democracia, conceituada por Coutinho (2008), como a presença efetiva das condições sociais e institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa na formação do governo e, em consequência, no controle da vida social. A Atenção Primária à Saúde (APS) é vista como fundamental para um sistema de saúde eficaz. Ela se caracteriza como o primeiro contato com o sistema nacional de saúde e a primeira etapa em uma construção contínua de atenção, baseada na longitudinalidade e integralidade da atenção, coordenação da assistência, atenção centrada na família, orientação comunitária e competência cultural, isto é, atendendo a individualidade de cada território. (STARFIELD, 1994; ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE, 2008) O sistema único de saúde brasileiro (SUS), reconhece a APS como um pilar de atenção à saúde, tendo em vista a aplicabilidade de políticas públicas de saúde e como suporte à população, levando ao hospital ou com cuidados à saúde cotidianos, por exemplo. A partir de todos os conceitos trazidos anteriormente, como a informação científica pode somar a saúde, como engrenagem social, no ambiente de APS?

Desenvolvimento

A primeira definição de APS foi apresentada na Conferência Internacional Sobre Cuidados Primários de Saúde, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (2008), que foi realizada em Alma-Ata em 1978. Na conferência, foram usadas 100 palavras para descrever a APS, entre elas: essencial; prático; cientificamente sólido; socialmente, universalmente e de custo acessível; função central; foco principal de desenvolvimento social, econômico geral e de primeiro nível de contato; primeiros elementos de um cuidado continuado de saúde. A partir da declaração de Alma-Ata, a APS passou a representar os cuidados essenciais à saúde, respaldados em tecnologias acessíveis, fazendo com que os serviços de saúde chegassem mais próximos da vida e do trabalho das pessoas (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE, 2008). Segundo Andrade (2012), foi observado que para atingirem seus objetivos os “sistemas de APS devem ser baseados em conhecimento científico acumulado e devem utilizar métodos social e culturalmente aceitos, que possam estar disponíveis para os indivíduos e as famílias nas comunidades onde elas residem”. É notório que, no contexto da APS, a atuação dos profissionais de saúde é respaldada com o objetivo de tornar possível o planejamento de ações de prevenção de doenças e promoção à saúde, tornando essencial a busca de métodos inovadores de atuação frente às necessidades da população (GONÇALVES, 2016). Takeda (2013, p.22) pontua que “um serviço dessa natureza precisa impulsionar ações intersetoriais com abordagem de outros determinantes de saúde e equidade”. Hoje nos sistemas de saúde, profissionais tomam decisões respaldadas em sua experiência e formação, que podem ser fundamentais para a resposta clínica do paciente. O processo de decisão clínica exige observação cautelosa e, no limite do possível, imparcial dos resultados de pesquisas científicas. Envolve, pelo menos num plano retórico, o respeito às escolhas do usuário do serviço de saúde. Preferências e escolhas deverão estar esclarecidas de forma adequada, bem como as condições em que o usuário será atendido, por meio da verificação do nível da doença e dos recursos disponíveis no local de atendimento, a fim de garantir-lhe maior probabilidade de benefícios (Savi, Silva, 2009). O profissional de saúde precisa ter incentivo, portanto, ser capaz de tomar decisões a respeito da aplicabilidade do conhecimento científico a um paciente individual ou a um dado quadro clínico, para conduzir intervenções e buscar resultados eficientes e efetivos. Tratando-se das práticas, a qualidade da evidência, a ser identificada, avaliada, interpretada e integrada a realidade do paciente, é essencial na clínica, em especial, a evidência sobre validade de testes diagnósticos, poder preditivo de marcadores prognósticos e efetividade de procedimentos terapêuticos e preventivos. Nessa perspectiva, senso crítico, vivência profissional e expertise clínica do profissional de saúde também são importantes. O enfrentamento dos problemas de saúde que atingem populações faz necessário a formação de profissionais socialmente responsáveis, politicamente conscientes e prontos a se engajar num processo permanente de informação/educação (Faria, 2021). Esse processo educação/informação necessita ser eficaz não apenas do ponto de vista tecnológico, mas no desenvolvimento de competências interpessoais, embasados em valores humanitários e éticos, com a finalidade de responder às inúmeras questões geradas pela transição do padrão de doenças, pelas mudanças demográficas e pelos problemas causados pela pobreza e desigualdades sociais (Faria, 2021). A partir do cenário do que se apresenta dos sistemas de saúde, hoje, junto o que se considera essencial para uma Atenção Primária à Saúde efetiva, a prática baseada em evidência (PBE) se apresenta como uma boa escolha de conduta para os profissionais de saúde em sua prática clínica, já que apresenta em sua base o estímulo do olhar sensível para o paciente e suas necessidades. A PBE é uma conduta que permite ao profissional de saúde a aproximação com resultados das pesquisas clínicas, assim como com as evidências científicas, o que gera um maior arcabouço para o profissional no atendimento a seu paciente, agregado a sua experiência profissional. A PBE respalda a prática do profissional, reafirma que seu uso é fundamental para alcançar a eficácia, a confiança e segurança nas práticas em saúde, além da possibilidade de melhora nos cuidados e resultados clínicos dos pacientes. A PBE ainda auxilia na redução de custo por paciente ao evitar o investimento financeiro em tratamentos não efetivos, mesmo que os profissionais apresentem limitações na implementação da PBE em sua prática clínica (DANSKI, 2017).

Conclusão

Segundo Murtinho e Stevanim (2021), o direito à comunicação como princípio para democratização da sociedade e do sistema de saúde, possibilita o amplo acesso à informação e participação social. O que é evidenciado na trajetória do SUS marcada pelo desenvolvimento de iniciativas de alcance local e nacional, associadas ao controle social, às secretarias e ao Ministério da Saúde, além de instituições de pesquisa, organizações não governamentais (ONGs) e movimentos sociais (Murtinho e Stevanim, 2021). Essa realidade no ambiente de APS, que é considerada pelo SUS como sua porta de entrada ao serviço de saúde, com uma conduta de PBE estruturada e apoiada pela gestão do serviço de saúde, daria robustez para o sistema de saúde. Destacando o texto, se pode considerar o papel da PBE na democratização da saúde, através da aplicabilidade das políticas públicas em saúde, garantindo à equidade o acesso aos serviços de saúde e atendendo as necessidades da sociedade. Isso porque a PBE tem em seus princípios um olhar também social para saúde, uma vez que coloca o paciente no centro de suas discussões, com participação ativa, sobre diagnóstico, prevenção e tratamento de acordo com suas necessidades, junto a um profissional de saúde com acesso à informação científica, trazendo evidências que auxiliem em sua prática clínica.

Referências

ANDRADE, L.O.M. et al. Atenção Primária à Saúde e Estratégia da Família. In: CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa (org.) et al. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Huitec, 2012. p. 845-902.

BARRETO, A A. A Condição da Informação. São Paulo Perspec., v.16, n.3.,2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-88392002000300010&script=sci_arttext>. DANSKI, M. T. et al. OLIVEIRA (2017). Importância da prática baseada em evidências nos processos de trabalho do enfermeiro. Ciência, Cuidado E Saúde, 16(2). Disponível em: https://doi.org/10.4025/ciencuidsaude.v16i2.36304

FARIA, L; OLIVEIRA-LIMA, J. A; ALMEIDA-FILHO, N. Medicina baseada em evidências: breve aporte histórico sobre marcos conceituais e objetivos práticos do cuidado. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.28, n.1, jan.-mar. 2021, p.59-78.

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STARFIELD, B. Atenção primária: equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Tradução de Fidelity Translations. BrasÌlia: Unesco, Ministério da Saúde, 2002.

TAKEDA, Silva. A Organização dos Serviços de Atenção Primária à Saúde. IN DUNCAN, Bruce Bartholow et al. Medicina ambulatorial: condutas de atenção primária baseadas em evidências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. P 19-32