Passinho e Dancinha - episódio 16 (programa)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Papo na Laje é um programa disponível em plataformas virtuais, como o Youtube, e na TV fechada (canal 6, Claro/NET) desenvolvido pelo Brasil de Fato em parceria com a TV Comunitária do Rio de Janeiro.

Autoria: Papo na Laje
Apresentadora Dani Câmara entrevista Jeff do Amassa e RD do J2, dançarinos dos estilos Passinho e Dancinha, respectivamente.

No programa “Papo na Laje: Passinho e Dancinha”, a apresentadora Dani Câmara entrevista Jeff do Amassa e RD do J2, dançarinos dos estilos Passinho e Dancinha, respectivamente. RD do J2 é morador da favela Cerro Corá e Jeff do Amassa, artista da Rocinha, ambas favelas da da zona sul carioca.

Análise discursiva[editar | editar código-fonte]

O Grupo de Análise do Discurso do Dicionário de Favelas Marielle Franco trabalhou a análise das principais formações discursivas identificadas nesse episódio, considerando o discurso como uma prática social e não como atividade meramente individual de quem o enuncia. Assim a estrutura social se manifesta, delimita e molda o discurso, como também é por ele modificada.

Pesquisadores: Patrícia Ferreira, Clara Polycarpo, Arthur William Santos, Clara Bastos e Sonia Fleury.

Participantes: RD do J2 e Jeff do Amassa.

Local e data: Morro do Cerro Corá, 2022.

Favela sempre dança[editar | editar código-fonte]

A favela renova a ideia do Movimento Antropofágico, símbolo da Semana de Arte Moderna de 1922, ao misturar balé, samba, break, frevo, pagode e funk na inovação chamada “Passinho”. E não para por aí. Motivados pelos desafios das mídias sociais, os dançarinos criam novas variações como “Reverso” e “Macumbinha” ao ritmo acelerado do beat de 150bpm e 170bpm.

O Passinho está mais ligado ao duelo entre dois ou mais dançarinos, impondo uma dinâmica gamificada, típica da nova geração Y. As batalhas presenciais reúnem moradores de diversos territórios do Rio de Janeiro, integrando aqueles na arte aqueles separados por questões de segurança pública. O Passinho se destaca com a característica de ser um movimento no qual se juntam várias formas de manifestações artísticas do universo da dança. "Passinho é uma forma mais radical de demonstrar, uma mistura muito grande de várias culturas, ballet, molejo, swing, tudo junto.” (RD).

Desde o isolamento social durante a pandemia de Covid-19, o aprendizado dos movimentos do Passinho acontece através da própria visualização de vídeos pela internet. A divulgação de suas inovações e variações ocorre majoritariamente pelo aplicativo de vídeos curtos mais popular entre os jovens, o TikTok.

Por ser uma ferramenta fechada, o acesso a este material audiovisual acaba ficando restrito às bolhas definidas pelos algoritmos destas ferramentas digitais, impossibilitando sua indexação por ferramentas de busca como o Google. Já a “Dancinha” dialoga mais com os bailes dos anos 80 e 90 como uma dança predominantemente parada, mas com jogadas de ombro e de pé, tendo os dançarinos se apresentando em grupo.

Dança é Arte e Cultura[editar | editar código-fonte]

A dança como uma forma de arte aparece antes na comunidade, como meio de diversão e socialização e para esses jovens é uma forma de expressão que transforma a vida dos jovens. "É maneiro porque é uma parada que tu te diverte, conhece vários tipos de amizades, conhece pessoas de outros lugares" (Jeff do Amassa).

Segundo Jeff do Amassa, a dança causa admiração e serve de inspiração para as crianças. A dança que nasce na comunidade, agora é valorizada. Assim, Dani Câmara fala da força que o passinho tem dentro da favela, que antes não aparecia tanto porque se dançava só no baile. O passinho passa a ser reconhecido como patrimônio cultural do Rio de Janeiro. “Uma parada que é maneiro, a dança que abre portas para várias paradas, tá ligado!" (Jeff do Amassa).

A dança promove aos seus participantes um efeito de valorização, inspiração e impulsionada pelo movimento a transformar o movimento desses jovens. Há um investimento pessoal para tornar o espetáculo da Dança, que é do universo da Arte. Arte está que se faz na rua, na sua praça, na favela. Os jovens falam da força do querer aprender, o querer aprender para ser, ser pela dança, ser pela arte, ser artista. Do duelo, por exemplo, o baile e as batalhas são atos performáticos que trazem o status da Arte ao movimento de rua. A rua, a praia, os transportes públicos, os lugares de circulação de pessoas se transformam no palco para as manifestações artísticas daqueles que precisam e querem trabalhar fazendo Arte.

"Tá utilizando o transporte público para fazer tua arte. Proibiram arte no metrô. O pessoal vai tentar ganhar o pão de cada dia no metrô, dançar. Fazer Arte, tipo, não pode. Tá ligado! O segurança vai em cima: ah, não pode. Te bloqueia de tu fazer tua arte no metrô […] E tu não tá fazendo nada de errado. Tu tá indo dançar" (Jeff). Fazer Arte na rua, para eles, é "aproveitar o espaço público para ser a gente, mostrar o nosso talento". Esses artistas também falam das formas de preconceito que sofrem, às vezes o preconceito, traduzido pelo fato de serem homens que dançam - "ele é do time". O reconhecimento como arte de rua, um esforço individual e coletivo, torna-se imprescindível para enfrentar o preconceito social que associa os adeptos da manifestação artística ao indivíduo marginal, um passo importante e necessário para ultrapassar e superar essas barreiras.

Espaços públicos e circulação[editar | editar código-fonte]

A dancinha é tudo misturado, “pique baile das antigas”. Já o passinho é mais duelo. Em ambos, o corpo se movimenta em conjunto com outros corpos, movimentando também os próprios encontros pelas ruas e pela cidade. Mas dançar dentro da favela tem suas questões. A discriminação contra as juventudes periféricas e contra a estética das juventudes periféricas marca também o lugar em que se pode ou não se pode dançar.

As ruas, como toda a cidade, são territórios em disputa. Para RD do J2, a rua não é mais lugar de dança. Na favela, onde antigamente “parava maior blocão”, hoje, a polícia te barra. Desde a implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas favelas do Rio de Janeiro, em especial, a criminalização do funk e da cultura favelada tem sido rotina. Como ironia, patrimônio imaterial do Rio de Janeiro, foi o primeiro a ser reprimido nas operações de ocupação das favelas. Na atualização do controle sobre essas juventudes, desde 2019, a arte está proibida também no metrô da cidade. E, desde 2022, na praia, não se pode mais ter caixa de som. “O que tu faz?”. Os bailes se transformam em treinos, e os duelos chegam às plataformas digitais, retirando das ruas os movimentos e a dança.

O que é o espaço público, afinal? A cidade tem sido, para além de segregada, cada vez mais privatizada. Os acessos e os contatos vão sendo cerceados por interesses de mercado que não apenas impedem o movimento de diferentes corpos pela cidade, mas que, com isso, retiram sua própria vitalidade. O que resta às juventudes são as plataformas digitais.

Corpo e linguagem[editar | editar código-fonte]

Ao longo deste episódio, vimos como a questão do corpo e da arte estão presentes na vida dos entrevistados, transformando suas jornadas e ressignificando suas vivências. A arte é significada na vida deles como uma perspectiva de melhora de vida, e com isso, como uma possibilidade de não apenas valorizar um nome e/ou potencial individual, mas também uma arte e cultura coletiva. Começamos a perceber todas as significações que giram em torno da questão da dança, constituída historicamente como uma forma outra de funcionamento da linguagem. O corpo não apenas dança, como também fala: fala de uma vivência que circula pela favela, que abre portas e cria novos modos de socializar.

Retomamos aqui a definição proposta de passinho como uma dança que envolve mistura de culturas e propõe um duelo. A noção de duelo é comumente definida como um embate, um conflito entre duas partes. Através dos discursos e da contextualização do episódio, o duelo proposto pelo passinho não tem conotação negativa, mas se trata de um duelo simbólico, um duelo no qual dois dançarinos se enfrentam a fim de se conectar numa intervenção cultural periférica. Esta ressignificação constitui uma movência de sentidos, visto que o sentido historicamente estabilizado desta palavra começa a apontar para uma conotação outra, que engloba uma coletividade favorável aos sujeitos periféricos e à cultura dos bailes. Assim, o sentido de duelo é atualizado no momento da enunciação.

Linguisticamente, diremos que o passinho e a dancinha são duas materialidades discursivas distintas que unem a comunidade, ressignificam histórias e afetam toda uma rede discursiva do que é arte/cultura na favela. Em um momento do episódio, o entrevistado retoma a questão da colonização e fala da importância de “pessoas que falam como ele". Aqui, “falar como” retoma um senso de comunidade que ressoa historicamente, não apenas entre os dançarinos que fazem parte dessa constituição social, mas também entre todos os moradores da favela envolvidos naquela vivência. “Falar como” pode ser lido como “dançar como”, e assim, vemos como os corpos não apenas dançam, como também contam uma história e ousam falar por si mesmos.

Trabalhar Dançando: Não ser Escravo[editar | editar código-fonte]

A noção de trabalho associado à dança aparece inicialmente como esforço individual para o aprendizado e aperfeiçoamento. O aspecto lúdico, no entanto, sempre está presente, desde a fase inicial de treinamento, passando pelos encontros em desafios que geram uma comunidade, até a profissionalização, onde se assume o projeto de “ganhar o pão de cada dia” com a dança.

Do enfrentamento das interdições com a ocupação dos espaços públicos à participação nas batalhas é uma trajetória impulsionada pelo desejo de mostrar o potencial artístico da cultura que nasce nas favelas, bebendo na inspiração e legado dos mais antigos.

A dança também é vista como uma possibilidade de ascensão, capaz de abrir várias portas, desde o tutorial para turistas estrangeiras até a monetização dos conteúdos nas redes sociais. Passam a usar a internet como uma ferramenta, mas é preciso dominar a tecnologia para ter sucesso no mercado. Viver da dança, trabalhar dançando, trabalhar no que gosta, não ser escravo! Nem todos, no entanto, chegam a poder viver da dança, que fica como um momento lúdico da juventude.

O episódio[editar | editar código-fonte]

Ficha Técnica[editar | editar código-fonte]

Direção Colegiada: Moysés Corrêa

Sistema Brasil de Fato RJ - Coordenação Geral: Rodrigo Marcelino

Coordenadora Editorial: Mariana Pitasse

Produção Executiva: Amanda dos Santos Costa

Direção: Dieymes Pechincha

Roteiro: Dieymes Pechincha

Apresentadora: Dani Câmara

Convidados: Jeff do Amassa e RD do J2

Produtora de Conteúdo: Sintropia Produções

Direção de Fotografia, Montagem, Correção de cor, e Designer de Som: Chico Brum

Edição: Tuany Zanini

Som e Trilha Sonora: Chico Brun

Still: Stefano Figalo

Programação visual: Giulia Santos e Juliana Braga

Pesquisa: Clivia Mesquita

Reportagem: Jéssica Rodrigues

Operadores de câmera: Chico Brum e Tuany Zanini

Operador de Drone: Gabriel Moncada

Assistência de câmera: Rafaela Miranda

Produção de locação: Amanda dos Santos Costa

Conselho Político: Amanda dos Santos Costa, Breno Rodrigues, Caroline Barbosa Rufino, Otavio Cleverson Portilho, Dieymes Pechincha, Dulce Pandolfi, Fernando Veloso, Itamar Silva, Leonardo Nogueira, Nilza Valéria, Ricardo Pinheiro, Rodrigo Marcelino, Taiso Motta, Tayane Cardoso e Tuany Zanini

Associação Lima Barreto Educação e Comunicação - Captação de projetos: Fernando Veloso

Coordenação Administrativa: Aline Bernardino

Agradecimentos: Levante Popular da Juventude e Janderson Dias

Ligações externas[editar | editar código-fonte]

Brasil de Fato

Ver também[editar | editar código-fonte]