Pele alvo - a cor que a polícia apaga (relatório)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O relatório "Pele alvo: a cor que a polícia apaga" revela que a polícia brasileira é responsável por matar pelo menos cinco pessoas negras todos os dias, com base em dados de 2021. Em sete estados monitorados, incluindo Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo, houve um total de 3.290 mortes em ações policiais, sendo 2.154 vítimas negras, evidenciando uma distribuição racial desproporcional. A Bahia apresenta o maior percentual, com 98% das vítimas sendo negras, enquanto o Rio de Janeiro tem o maior número absoluto de vítimas negras, com 1.060 casos. O relatório destaca a persistência do racismo sistêmico nas forças policiais do país.

Autoria: Rede de Observatórios da Segurança
Capa do relatório "Pele alvo: a cor que a polícia apaga".
Capa do relatório "Pele alvo: a cor que a polícia apaga".

O novo boletim Pele alvo: a cor que a polícia apaga, divulgado no dia 17 de novembro de 2022, atualiza, pelo terceiro ano consecutivo, a cor da letalidade policial. Os dados são das secretarias de segurança e foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os números mostram que a polícia é o núcleo duro do racismo no Brasil: ao menos cinco pessoas negras são mortas por policiais todos os dias.  

Foram 3.290 mortes em ações policiais em 2021 nos sete estados monitorados pela Rede de Observatórios (Bahia, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo). Dessas, 2.154 vítimas eram negras – utilizando como referência o critério do IBGE que considera como negros a soma de pardos e pretos. Mas esse número é maior porque o estado do Maranhão não acompanha a cor das vítimas e, nos demais locais, há casos que não têm classificação racial – no Ceará o percentual de não informados chega a 69%.

Levando em consideração somente os casos com informação racial, nota-se que o percentual de negros mortos pela polícia é muito maior que a presença de negros na composição populacional em todos os estados monitorados. A Bahia continua com o maior percentual com 98%, mas é o Rio de Janeiro que tem o maior número absoluto com 1.060 vítimas.

“Pode não ser surpreendente, porque os dados se alteram pouco a cada ano, mas não deixa de ser chocante ver registrado, mais uma vez, uma distribuição racial tão radical de algum fenômeno social no Brasil. A pergunta é: o que precisa ser feito para as polícias entenderem que o racismo é um mal que afeta suas corporações e que precisa ser combatido?”, explica Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios.

A cor da letalidade policial em cada estado[editar | editar código-fonte]

Bahia[editar | editar código-fonte]

Na Bahia, uma pessoa negra é morta pela polícia a cada 24h. Foram 603 mortes de pessoas negras registradas no último ano. O estado é o mais letal do nordeste, apresenta o maior número absoluto de mortes na região (nacionalmente fica atrás apenas do Rio de Janeiro) e tem o maior percentual de pessoas negras mortas pela polícia quando descartamos os não informados – 98%.

A capital baiana teve 299 mortes por agentes do estado e somente uma dessas pessoas não era negra. Dos dez bairros com os maiores índices no município, nove são majoritariamente negros. O que tem maior número de mortes é o bairro do Castelo Branco, com 14 registros. Quando olhamos para o estado, Salvador, Feira de Santana e Camaçari são os municípios em que a polícia mais mata pessoas negras.

Ceará[editar | editar código-fonte]

O governo do estado prefere esconder a cor dos mortos pela polícia e apresentar o maior número percentual de casos sem registro de raça (69%) entre os sete estados monitorados. Entre as ocorrências com identificação, 92% das pessoas mortas eram negras com uma morte a cada três dias.

Caucaia, que no último ano foi considerada a cidade mais violenta do Brasil, está no topo dos municípios onde a polícia mais mata pessoas negras no Ceará. Nos outros estados, a capital é o município com mais registros. Em Fortaleza, as três áreas integradas de segurança com mais mortes são: Cajazeiras, Parque Araxá e Benfica.

Maranhão[editar | editar código-fonte]

O estado vive um apagão de dados e não produz números sobre a cor dos mortos pela polícia. O que conseguimos mostrar é o número de pessoas mortas pelos agentes do estado, além de municípios e bairros onde mais se registram esses óbitos.

São Luís, Timon e Turilândia são os municípios mais letais do estado. Na capital, os casos se distribuem na periferia. Por mais que não existam dados oficiais, na capa dos jornais que monitoramos todos os dias se vê a cor de quem a polícia apaga.

Pernambuco[editar | editar código-fonte]

O estado tem o segundo maior percentual de negros mortos entre os sete monitorados pela rede, com 96%. A cada quatro dias, uma pessoa negra é morta pela polícia. Esses números são puxados pela situação da capital Recife, onde todos os mortos pela polícia são negros.

Recife é o município com maior registro de casos e é seguido por Caruaru, Cabo de Santo Agostinho e Paulista. Ipojuca, local da morte da menina Heloysa Gabrielle, também está entre os que mais matam pessoas negras. O estado não divulga a informação por bairro.

Piauí[editar | editar código-fonte]

No estado, o percentual de pessoas negras mortas pela polícia é de 75%, e na capital, onde se concentra essa letalidade, chega a 83%. A incidência dessas mortes é maior em Teresina porque lá existe um maior contingente policial. Dos 6 mil homens do estado, quase 2 mil estão na cidade. Os casos são mais evidentes nas periferias da capital. O bairro com maior registro é Itararé.

Rio de Janeiro[editar | editar código-fonte]

Em número absoluto é o estado que mais matou gente entre os sete monitorados pela Rede. Porém, o percentual de pessoas negras mortas é menor que em estados do Nordeste. O estado registra duas mortes de pessoas negras assassinadas pela polícia por dia.

O Rio de Janeiro é o estado com maior registro de chacina. Dos 57 registros policiais com 3 vítimas ou mais, 30 deles apresentam totalidade de vítimas negras. Ao todo, foram 155 vítimas e 138 delas eram pretas ou pardas.

Rio de Janeiro e São Gonçalo são os municípios que mais matam pessoas negras no estado. Seguidos por outros cinco da Baixada Fluminense: Duque de Caxias, Belford Roxo, São João de Meriti, Japeri e Nova Iguaçu. Na capital, as três áreas integradas de segurança mais letais para negros são Costa Barros, Jacarezinho/Méier e Realengo/Bangu.

São Paulo[editar | editar código-fonte]

O estado tem experimentado reduções seguidas nos números de letalidade policial nos últimos meses. O uso de câmeras nos uniformes dos agentes fez os números de mortes provocadas por esses profissionais despencarem, mas a cor dos mortos seguiu inalterada: 69% eram negros. Uma pessoa negra é morta a cada 72 horas.

A Capital concentra o maior registro de casos, seguida por Guarulhos e Guarujá. Os casos se concentram nas regiões periféricas. Na cidade de São Paulo, por exemplo, os locais mais letais para pessoas negras são Jardim São Luís, Guaianases, Capão Redondo, Iguatemi, Sacomã e Vila Andrade.

Relatório completo[editar | editar código-fonte]

Sobre a Rede de Observatórios

Após dois anos operando na produção cidadã de dados em cinco estados, a Rede de Observatórios, projeto do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), com apoio da Fundação Ford, chegou ao Maranhão e ao Piauí no segundo semestre deste ano. A Rede de Estudos Periféricos, da UFMA e IFMA, e o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens, da UFPI se unem a Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas (INNPD); Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop); Laboratório de Estudos da Violência (LEV/UFC) e ao Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP). O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.