Perspectivas do Centro-Oeste - as mulheres de Campo Grande
Mulheres em Campo Grande, predominantemente em favelas, enfrentam desafios como mães solteiras ou viúvas, lidando com dificuldades financeiras e psicológicas. A realidade de criar filhos e netos com recursos limitados destaca a importância da solidariedade e enfrenta as adversidades diárias, evidenciando a complexidade das vidas dessas mulheres. Campo Grande tem ao menos 38 favelas, 80% dos moradores são mulheres, maioria negras, solteiras ou viúvas.
Autoria: Caroline Maldonado e Bruna Marques[1].
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Em comunidades carentes de Campo Grande o que não falta são histórias de mulheres criando filhos e netos com pouco ou quase nada. Abandonadas pelos companheiros, buscando uma saída para as dificuldades financeiras e psicológicas que a rotina diária traz quando não há o amparo necessário.
Gente como Lucimar Mendes, de 50 anos, moradora da Favela Homex, no Jardim Centro Oeste. Ela viu a filha ser presa em 2019, por isso, cria os cinco netos. O mais novo tem 4 anos e o mais velho 13. A família recebe R$ 900 reais de benefício social, mas a conta não fecha. Apesar disso "todas as crianças têm creme para arrumar o cabelo e irem à escola cheirosas", conta Lucimar, que recebe ajuda da irmã para comprar comida e material escolar.
A mãe das crianças foi acusada de homicídio e o pai é ausente: “Ele rouba de manhã para gastar à noite”, diz Lucimar.
Quando fala da vida, os relatos são quase todos voltados à educação dos netos. Ela se orgulha ao dizer que às 18h todo mundo entra, toma banho e não sai mais, porque a prioridade é estudar e não ficar na rua, onde está “o mau caminho”. Lucimar acredita que a filha, em algum momento, encontrou e “escolheu esse caminho ruim das ruas”.
Pra mim, o dia da mulher é tudo, significa minha mãe, meus netos, minha irmã que é guerreira, eu nem penso em mim nessa data, mas nas mulheres fortes que me cercam”, resume Lucimar. Campo Grande tem ao menos 38 favelas, 80% dos moradores são mulheres, maioria delas negras, solteiras ou viúvas e com filhos.
Os dados vieram de um levantamento feito pela Cufa (Central Única de Favelas de Mato Grosso do Sul). Em cada barraco, tragédias familiares, comuns em diferentes classes sociais, mas que em comunidades carentes acabam agravadas pelo abandono.
Ana Carolina da Silva, de 33 anos, também faz parte das estatísticas. Com auxílios que recebe cria quatro filhos, o mais novo tem 9 e o mais velho, 17 anos.
O pai das crianças está preso, pelos crimes de porte de arma, roubo e tentativa de homicídio. Os três filhos menores foram gerados enquanto ela visitava o marido na prisão. Sobre a data de hoje, ela diz:
O dia da mulher é todo dia, principalmente nós, mulheres negras, pobres e de periferia com filhos pra criar. Tem dias que eu penso que deveria ter feito melhor. Parei de estudar, engravidei muito cedo. Parei tudo, vivi a vida dele e não a minha. Não me arrependo dos meus filhos, mas me arrependo de não ter estudado, porque hoje a realidade seria outra. Poderia estar passando uma realidade totalmente diferente pra eles. Me arrependo de não ter escutado minha mãe. Meus filhos são tudo pra mim, minha vida, minha razão, o ar que respiro”, desabafa Ana Carolina.
Ainda na mesma favela, encontramos outra mulher cuja história é marcada pela maternidade. Desta vez, o pai de um dos três filhos está presente, mas nem tanto, porque é caminhoneiro e tem ainda outros quatro filhos do casamento anterior aos quais paga pensão. Na casa da manicure Aloma Francielly, de 29 anos, surgem relatos sobre a parceria com a mãe dela e o enfrentamento “a uma situação crítica” que a levou a tentar tirar a própria vida. Ela conta que ficou internada para recuperação psiquiátrica, quando aprendeu que tudo o que se faz se paga algum dia e, por isso, cobra bastante dos filhos.
Às vezes, não tenho alguma coisa, a gente colabora. Questão de saúde, somos muito parceiras. A gente olha as crianças quando precisa. Uma ajuda a outra até em questões de saúde. Pra mim, o dia da mulher é comum, só lembro que sou mulher e sou frágil em alguns momentos, quando estou menstruada, porque todos os dias eu sou obrigada ser forte”, desabafa Aloma.
A coordenadora da Cufa em Campo Grande, Letícia Polidorio, lembra não ser apenas nas favelas que encontramos pessoas vivendo situações semelhantes, com poucos motivos para comemorar o Dia da Mulher.
Além das favelas, nos bairros, em casas de alvenaria também há, cada vez mais, mães solo, que ganham apenas um salário mínimo, sem condições de pagar aluguel, água, energia e fazer compras para casa”, finaliza Letícia.
Nada de café da manhã, flores ou outros presentes neste dia da mulher para quem vive uma rotina de necessidades, com pouco dinheiro e sem perspectiva. É assim neste 8 de março, ao menos em parte de Campo Grande.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Mulheres faveladas, entre a luta e o abandono (entrevista)
- Mulheres da Parada (coletivo)
- Fortaleza das Mulheres: relatos sobre a militarização da vida
- Censo Populacional da Maré (2012-2014)
Notas e referências[editar | editar código-fonte]
- ↑ Publicado originalmente no portal Campo Grande News.