População indígena em favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo
Matérias jornalísticas que abordam a moradia de populações indígenas em contexto urbano, mais especificamente em favelas e periferias do Rio de Janeiro e de São Paulo. A primeira matéria mostra que o Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, tem a maior concentração de indígenas do estado e a segunda reportagem coloca São Paulo como o quarto estado de maior número de indígenas no Brasil.
Autoria: Matérias: Lucas Feitoza[1] e Thiago Borges[2]. Verbete: Reprodução.
Maré indígena (RJ)[editar | editar código-fonte]
Autoria: Lucas Feitoza.
A Maré concentra a maior parte da população indígena do município do Rio de Janeiro. É o que apontam os dados do Censo Populacional da Maré. Realizada entre os anos de 2012 e 2014, a pesquisa identificou que 0,6% da população da Maré se declarou indígena, o que equivale a 12,5% da população indígena registrada pelo Censo do IBGE de 2010.
Com coleta de dados durante os anos de 2012 e 2013, o Censo Populacional da Maré verificou que, entre as 16 favelas que compõem a Maré, é no Parque Maré onde a maioria das pessoas indígenas vivem. Das 845 que se declararam indígenas, 229 têm endereço na comunidade.
É o caso de Valdir Custódio, de 56 anos. Com origens em Itabaiana, município de 23 mil habitantes localizado no interior da Paraíba, sua jornada na Maré começou na infância quando, aos 1 ano de idade, ele chegou no território em 1969. Acompanhado de seu pai, Severino Custódio, de ascendência indígena, e sua mãe, Marieta Rodrigues, branca. Valdir conta que o pai decidiu migrar na expectativa de trabalhar na construção da Ponte Rio-Niterói, porém o sonho de Seu Severino não se concretizou, visto que ele não sabia nadar. Para sustentar a família, conseguiu emprego num mercado, onde trabalhou até se aposentar. Severino faleceu aos 76 anos.
Valdir lembra que morou por cerca de quatro anos em uma casa de palafita, até que a família conseguiu se mudar para uma casa de alvenaria. Durante a infância, via sua mãe pegar água nas bicas da rua, já que não havia encanamento na casa.
Seis a cada dez indígenas não vive em terras indígenas[editar | editar código-fonte]
O processo migratório experimentado pela família de Valdir é uma realidade para outros milhares de brasileiros. O Censo 2022 revelou que seis a cada dez pessoas indígenas vivem fora das terras indígenas. De acordo com a Constituição Federal de 1988, as terras indígenas são “territórios de ocupação tradicional”, cabendo à população indígena habitá-las de forma permanente e usufruir de seus bens, a fim de preservar suas atividades produtivas, seu bem-estar e sua reprodução física e cultural.
A demarcação de terras indígenas, no entanto, é um processo que enfrenta muitos obstáculos, como a ação de garimpeiros e grileiros e a pressão do agronegócio, como ocorreu em 2023, quando Câmara e Senado aprovaram o Marco Temporal, que busca restringir o direito à terra à população indígena. Sem acesso à moradia e a outros direitos básicos, a população indígena é pressionada a migrar para outros territórios, inclusive áreas urbanas.
Valdir acredita que um dos motivos de não ter a memória da família preservada, pode ter sido a xenofobia, isto é, o preconceito pela origem, prática que era comum principalmente com pessoas nordestinas.
"Ele [Severino] nunca contou nenhuma experiência que mostrasse a etnia, de onde a gente veio, passou só as comidas nordestinas: cuscuz amarelo, aipim, inhame cará. [Os pais] vieram para cá pro Sudeste e acho que, para ele [Severino], essa cultura não era incentivada”. Valdir também acredita que o apagamento da cultura indígena também é percebida na região Nordeste: “a gente na mídia vê muito do movimento negro, mas dos indigenas não".
O senso comum relaciona territórios indígenas apenas à Região Norte, mas o Brasil concentra diversos povos originários em todas as regiões do país. Embora a maior parte da população indigena de fato viva no Norte – são 753.357 habitantes, o que equivale a 44,5% do total, o Nordeste detém a segunda maior quantidade, com 528,8 mil, o que representa 31,2% de toda a população indígena registrada no Censo do IBGE de 2022.
População indígena cresceu cerca de 88% em 2022[editar | editar código-fonte]
O Censo 2022 registrou 1.693.535 indígenas, um aumento de 88,8% em comparação aos números coletados em 2010, quando o Censo identificou uma população de 896.917 indígenas.
A quantidade de habitantes indígenas já apresentava aumento ao longo das edições do Censo por diversos fatores, como reconhecimento de identidade e melhoria na metodologia de coleta de dados desde a primeira realização da pesquisa, em 1872. A categoria indígena passou a ser utilizada somente em 1991, superando termos como “caboclo” e “mestiça”.
Valdir Custódio acredita que possa haver mais pessoas indígenas na Maré, que assim como ele não conhecem a sua origem.
"Não me perguntaram sobre etnia no Censo, mas tenho outros parentes que também vieram nessa época e que ainda hoje moram na Maré”.
Você sabia?[editar | editar código-fonte]
A Escola Municipal Erpídio Cabral de Souza homenageia o “Índio da Maré”, famoso morador do Parque Maré e lembrado com frequência pelas pessoas entrevistadas para esta reportagem. Segundo informações da Secretaria Municipal de Educação, Erpídio é neto de indígenas. Nasceu em 11 de abril de 1948, em uma zona rural, e chegou à Maré ainda criança. Casou-se com Ana Paula de Souza (que ainda reside na Maré) em nove de novembro de 1979, e da união nasceram Geison Paula de Souza e Gláucia Paula de Souza. O “Índio da Maré” foi membro da Associação dos Moradores da Maré e ainda atuou como ator na TV Globo em episódios da série “Sítio do Picapau Amarelo”. Faleceu aos 61 anos em 1° de março de 2009, deixando um legado de lutas e conquistas para o Conjunto de Favelas da Maré.
12 mil indígenas vivem nas favelas e bairros periféricos (SP)[editar | editar código-fonte]
Autoria: Thiago Borges.
São Paulo tem a quarta maior população indígena do Brasil: há 13.000 índios morando na cidade, que fica atrás apenas de municípios do estado do Amazonas.
Se considerarmos apenas a população indígena urbana, São Paulo salta para o primeiro lugar com 11.900 pessoas vivendo longe das aldeias, segundo o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em todo País, as cidades abrigam 315.180 dos 817.963 indígenas brasileiros.
“O cenário que se encontra em São Paulo é semelhante ao das outras cidades: tem muitos indígenas, reconhecidos ou não nas pesquisas, morando especialmente nas periferias e lugares mais pobres”, diz Marcos Aguiar, coordenador do programa Índios na Cidade da ONG Opção Brasil.
Aguiar questiona os dados do IBGE e estima que 50.000 índios estariam vivendo na capital paulista. Em toda a Grande São Paulo, seriam 90.000 pessoas de 53 etnias diferentes.
Entre os povos que habitam a metrópole, estão o guarani (de toda América do Sul), o pankararu, o fulni-ô e o atikum (Pernambuco), o kariri-xocó (Alagoas), o pankararé (Bahia) e o potiguara (Paraíba), entre outros.
Resultado da migração e do crescimento das cidades, que alcançam as terras indígenas, o fenômeno acontece em todo mundo. Na América Latina, por exemplo, 12 milhões dos 30 milhões de índios residem nas cidades.
Em países como Austrália, Canadá, Chile, Estados Unidos, Noruega, Quênia e Nova Zelândia, mais da metade da população indígena já vive em áreas urbanas, segundo o Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos (ONU-Habitat).
Aos primeiros habitantes do Brasil, a constituição garante direitos como atendimento diferenciado à saúde, entre outros. Porém, ao mudar para as cidades, é como se eles deixassem de ser índios.
“Uma indígena foi ao posto de saúde do seu bairro para receber a vacina contra a gripe suína, mas foi impedida pois a atendente alegou que ela não era indígena”, conta Chirley Pankará, coordenadora pedagógica dos Centros de Educação e Cultura Indígena (CECI) localizados nas aldeias de São Paulo.
Mas, na prática, não existe política pública para índios nas cidades. As ações são marcadas pelo atendimento parcial de questões que dependem de uma atuação sistêmica, segundo Carolina Bellinger, assistente de projetos da ONG Comissão Pró-Índio de São Paulo (CPISP).
“Outra noção de ‘cultura’ é condição para que se enxergue o espaço urbano como um local de afirmação e de perpetuação das culturas indígenas”, diz Carolina.
Nem mesmo organizações indigenistas estão voltadas a essas questões. Apesar de São Paulo 40 dessas entidades, poucas delas trabalham com indígenas que vivem na área urbana.
“A cidade não reconhece o indígena que vive nela e nem sua cultura. Por isso dizemos que ele sofre diversos tipos de exclusão, inclusive a cultural”, completa Aguiar, da Opção Brasil.
Poder público[editar | editar código-fonte]
Responsável pelas políticas indigenistas, a Fundação Nacional do Índio (Funai) informa que tem proposto adequações de políticas públicas para atender os indígenas urbanos nos âmbitos federal, estadual e municipal, mas não enumera quais são essas ações.
No ABC paulista, o consórcio formado por sete municípios formulou políticas públicas voltadas aos indígenas em contexto urbano que devem ser implementadas até 2020.
Já na capital paulista, em 2013 foi criada a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (Sepir), que negocia espaços para comercialização de artesanatos, ampliação de bibliotecas com temática indígena, criação de um Centro de Assistência Social exclusivo a essa população, projetos de conjuntos habitacionais para índios e instalação de novos CECIs.
Ver também[editar | editar código-fonte]
- Representatividade Indígena no Brasil - Episódio 3 (podcast)
- Rapper indígena cria da Maré - Kaê Guajajara - critica o apagamento dos povos originários na cultura brasileira
- Meu Sangue É Vermelho (documentário)
Notas e referências
- ↑ FEITOZA, Lucas. MARÉ INDÍGENA. data_labe.org.
- ↑ BORGES, Thiago. 12 mil indígenas vivem nas favelas e bairros periféricos. Periferia em Movimento.