Primeiras formas de acesso à água na Chatuba de Mesquita, Baixada Fluminense

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

No bairro da Chatuba, no Município de Mesquita, desde a década de 1950, quando começou o processo de loteamento do bairro, existia canalização em parte considerável das ruas, mas isso não impedia que faltasse água na maioria das residências. Em algumas delas, não se teve sinal de água por mais de três anos. Como mostra uma notícia publicada no dia 21 de abril de 1980 pelo jornal do Brasil, a questão da água no bairro da Chatuba não passa necessariamente pela falta de conexão das casas ao sistema formal de abastecimento. O que nos parece relevante é que: mesmo com as tubulações ligadas às suas casas, os moradores enfrentam problemas para conseguir ter acesso regular à água. Nesse contexto, moradores relatam outras formas de acesso à água (Anand, 2012) experienciadas por eles no passado. Aqui nos aprofundaremos em duas delas: o bicão e a perfuração de poços artesianos.

Água só no bicão[editar | editar código-fonte]

Em subtítulo da reportagem citada anteriormente, o Jornal exclama: “água só no bicão”. O “bicão” é uma infraestrutura construída com a canalização da água nos mananciais, para o direcionamento desta água até uma bica específica em uma parte de mais fácil acesso do bairro. Esta água, às vezes era “reservada em “manilhas de poço” que serviam a todo mundo, sendo o problema maior ir até lá e pegar a água com vasilhames diversos” (Monteiro, 2007, p. 128). Com o cenário de escassez, aqueles que na época podiam pagar Cr$500,008 por semana - moeda da época - recorriam a contratação de caminhão-pipa. Porém, a grande maioria continuava dependendo da água do “bicão”. Latas e barris de água formavam, junto com os moradores, filas que podiam chegar a mais de cem pessoas para encher o recipiente que tivesse à disposição. Porém, verifica se, a partir de relatos que recebi e do depoimento de Antônio a Monteiro (2007), que com o processo de ocupação do bairro, “as áreas dos mananciais foram ocupadas, desmatadas juntamente com as fraldas da serra de Madureira e as “minas minguaram até sumir” (Monteiro, 2007, p.128). Como relata uma moradora antiga do bairro: “a gente tinha que buscar água... Até tinha um nome na época de “bicão”. Que é lá em cima na Serra. Atravessando lá… E a gente ia buscar água ali. Mas isso há muito tempo. Depois, quando eu já estava lá com meus 20 anos, foi melhorando. A gente já tinha água”. Assim, “buscar água” demonstra um cenário hídrico no qual moradores não recebiam água em casa e precisavam se deslocar até uma bica ou a um manancial natural para buscar água.

Poços artesianos[editar | editar código-fonte]

Com a dificuldade de acesso à água encanada um outra prática comum para a captação do recurso no bairro era a perfuração de poços artesianos. Estes poços são construídos através da perfuração do solo para a captação de água de uma formação aquífera subterrânea por meio de poços tubulares (Vasconcelos, 2014, p.7). Contudo, nem todos os moradores tinham recursos para arcar com os custos de uma perfuração em seu quintal. Assim, indivíduos com mais recursos econômicos, perfuravam poços e vendiam baldes d’água aos vizinhos. Um dos sujeitos que realizava tal prática nas proximidades da rua Carolina, era conhecido no bairro como “dono da água”.

Considerações[editar | editar código-fonte]

É interessante notar que a prática de buscar água, seja no bicão ou no poço artesiano do “dono da água”, era desempenhada majoritariamente por mulheres e crianças (Monteiro, 2007). Um morador do bairro que atualmente possui 65 anos, por exemplo, me conta que quando era novo, para ganhar um “dinheirinho”, ele buscava água no “bicão” para outros vizinhos da rua. Ele diz que ganhava R$17,00 reais para isso, mas depois se corrige dizendo que não lembra nem qual era a moeda da época. Portanto, na maioria das vezes, como destacaram Pierobon e Fernandes, são homens os responsáveis pelo sistema de mutirões que construíram as infraestruturas que garantem algum acesso à água” (Pierobon e Fernandes, 2023, p.128). Por sua vez, as mulheres são responsáveis por outros tipos de atividades, como fazer a gestão das águas dentro das casas ou, como faziam nos anos 1980 no bairro da Chatuba, ir buscar água no “bicão”.

Referências[editar | editar código-fonte]

Anand, N. Municipal disconnect: on abject water and its urban infrastructures. Ethnography, v. 13, n. 4, p. 487-509, 2012.

JORNAL DO BRASIL. Chatuba sofre tanto que já tem música pra reclamar. JORNAL DO BRASIL, Rio de Janeiro, n. 00013A, p. 17, 1980.

PIEROBON, C.; FERNANDES, C. Cuidar do outro, cuidar da água: gênero e raça na produção da cidade. Estudos Avançados, v. 37, p. 25-44, 2023.

MONTEIRO, L. Vida política, dinamismo popular e cidadania na Baixada Fluminense. Tese (Doutorado em História Social)-Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federação do Rio de Janeiro, 2007.

VASCONCELOS, M. B. Poços para captação de águas subterrâneas: revisão de conceitos e proposta de nomenclatura. Águas Subterrâneas, 2014.