Redes de Favelas em articulação

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

De acordo com a pesquisa intitulada “As mídias digitais e o uso das redes sociais na produção de novos formatos de discurso e atuação nas favelas cariocas[1] , da mestre em Culturas e Territorialidades Thamyra Thâmara de Araújo, a utilização da internet e das novas tecnologias não se limita apenas à apropriação e consumo por parte dos jovens das favelas, mas também abre caminho para uma ressignificação do seu lugar de moradia. Isso acontece ao fortalecer e dar visibilidade às suas práticas culturais. Por meio dessas ferramentas, a juventude favelada tem a oportunidade de se expressar, compartilhar suas histórias e tradições, além de promover suas produções artísticas e manifestações culturais.

Além de fornecer acesso à internet dentro da favela, as novas mídias têm revelado outras formas de comunicação, reivindicação de direitos e conexão entre jovens de diferentes favelas no Brasil e ao redor do mundo. Uma vez que a comunicação não é neutra, ela reflete escolhas, visão de mundo e denota comportamentos culturais. Isso é importante para destacar que as relações humanas, cada vez mais, se darão em um ambiente multimídia, cujos impactos ainda estão por serem estudados (Araújo, 2018; Castells, 1996, p. 40). [2]

Como a favela está inserida?[editar | editar código-fonte]

Se a internet proporciona a possibilidade da construção de novos discursos, por outro lado grandes empresas de mídia buscam disputar as versões dos fatos que se desenrolam em nosso cotidiano (Ferreira, 2014). Em sua monografia “Admirável Muf Novo: A Ativação Digital do Museu de Favela do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo[3] , a comunicadora social Isis Reis Ferreira enfatiza que embora no contexto brasileiro existam diversas barreiras para o acesso à internet, especialmente devido à desigualdade social, que afasta as classes mais baixas da pirâmide econômica da opção de serviços particulares de transmissão oferecidos pelas operadoras ou da obtenção de dispositivos, o que se percebe é que alguns cidadãos que realmente têm acesso à rede mostram descontentamento com o poder político estabelecido.

Segundo a autora, enquanto não houver leis que favoreçam a democratização da comunicação no Brasil, a internet se mostra como uma ferramenta alternativa para promover a democratização governamental. Ela possibilita a construção de um discurso mais representativo dos moradores de favelas, ao mesmo tempo em que desconstrói os estereótipos presentes em setores certos da população, que associam as favelas exclusivamente ao tráfico de drogas e à violência urbana.

Assim, a internet transcende a mera divulgação da existência das organizações, tornando-se uma poderosa ferramenta de interação. Através de sites e, principalmente, redes sociais, a web possibilita a expansão do diálogo entre as organizações e seus diversos públicos, promovendo uma maior participação daqueles que se interessam por suas ações. Essa interação facilita o engajamento e a conexão entre as instituições e o público, fortalecendo o impacto e o alcance das iniciativas adotadas por essas organizações.

A organização de novas sociabilidades[editar | editar código-fonte]

A visibilidade é uma das principais ferramentas para a transformação de uma realidade e as favelas foram, historicamente, invisibilizadas. As redes sociais proporcionam espaço para muitas vozes antes silenciadas por conta das desigualdades e da criminalização da pobreza, vozes que vêm ganhando espaço e poder, ecoando vigorosamente. Segundo o ativista Raull Santiago, esse clamor é essencial para que as políticas públicas abracem as demandas das favelas e de seus moradores, proporcionando, assim, as transformações necessárias. Na última década, tem havido um aumento significativo no número de comunicadores populares nas favelas do Rio de Janeiro. São favelados que se autodenominam como tais e expressam vivências, perspectivas e visões sobre seu local de moradia de forma autônoma e única. Eles usam diferentes meios de comunicação, como jornais, rádios comunitárias e perfis em redes sociais, para compartilhar suas histórias de acordo com sua própria linguagem e estilo. (Araújo, 2018).

De acordo com Milton Santos (2006) [4] , a adoção das tecnologias de comunicação pelas classes populares, que antes pertenciam apenas às classes dominantes, e que, no contexto da globalização, estão sendo democratizadas por necessidade do próprio capital, transcendem o mero âmbito de inclusão ou entretenimento. Essa apropriação das tecnologias representa, igualmente, uma produção de significado e uma disputa pela narrativa em relação a si mesmos, aos outros e ao lugar onde vivem. Em outras palavras, a utilização dessas ferramentas permite que as classes populares construam e expressem suas próprias histórias e perspectivas, desafiando narrativas protegidas e reivindicando sua voz no cenário comunicativo contemporâneo.

Por muito tempo, os moradores das favelas foram subjugados por uma imagem imposta por atores autorizados, como o Estado, a mídia e a elite. Essa imagem frequentemente associava as favelas ao estigma de marginalidade, vinculando-as à guerra do tráfico de drogas ou à falta de infraestrutura básica. Apesar de sempre ter vivido uma disputa em torno dessa narrativa única, por meio de expressões culturais como a música (funk, samba, rap), crônicas e poesias criadas por artistas e moradores locais, foi somente nesta década que o avanço tecnológico e o maior acesso às classes populares abriram possibilidades para uma maior visibilidade de outras imagens e discursos sobre as favelas. (Araújo, 2018).

Redes Empreendedoras: explorando as interconexões[editar | editar código-fonte]

No ano de 2022, uma pesquisa [5] encomendada pelo Digital Favela ao Data Favela buscou investigar o ecossistema de empreendedorismo nas favelas brasileiras e as condições para sua existência. A pesquisa revelou que a internet desempenha um papel fundamental nesse contexto, sendo considerada um meio importante por 58% dos empreendedores, que a utilizam como fonte de informações sobre suas atividades. Para 76% das pessoas, especialmente por meio das redes sociais, a internet é o principal canal para divulgar seus produtos e serviços. A pesquisa ouviu 1.250 moradores de favelas em todo o Brasil, abrangendo faixas etárias entre 16 e 78 anos.

De acordo com Guilherme Pierri, co-CEO da Digital Favela, esse dado revela como as favelas estão conectadas, engajadas e se tornaram uma importante fonte de influência interna. Os próprios moradores compreendem melhor do que ninguém a linguagem ideal para atrair seus clientes e o tipo de conteúdo necessário para cada assunto específico. Essa habilidade de conexão dentro da comunidade impulsionou a criação de influenciadores digitais locais, capazes de representar marcas e estabelecer diálogos autênticos com as favelas. Esses desempenham um papel significativo na construção de relações genuínas com suas comunidades.

A análise é suportada por outros cenários apresentados na pesquisa. Entre eles, o tradicional boca a boca é citado como fonte de divulgação por 56% dos proprietários de negócios. Além disso, impressionantes 88% dos moradores das favelas afirmam que depositam mais confiança nas recomendações de influenciadores locais, pertencentes à própria comunidade, em comparação com as indicações feitas por celebridades, que representam apenas 12% das preferidas. Esses dados enfatizaram e apoiaram os influenciadores locais como agentes-chave para a divulgação e a construção de confiança dentro das comunidades faveladas.

O estudo também revela que a necessidade e a escassez de oportunidades de emprego formal são os principais motivos que impulsionam o empreendedorismo nas favelas. Dos aspirantes, 41% possuem seus empreendimentos próprios, dos quais 22% dependem de iniciativas como sua principal fonte de renda.

  1. ARAÚJO, Thamyra Thâmara de. As mídias digitais e o uso das redes sociais na produção de novos formatos de discurso e atuação nas favelas cariocas. Lugar Comum - Estudos de mídia, cultura e democracia, Rio de Janeiro, nº 52, p 135-145, 2018.
  2. CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e terra, 1996, vol. 1.
  3. FERREIRA, Isis Reis. Admirável MUF novo: a ativação digital do museu de favela do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social) - Escola de Comunicação - UFRJ.
  4. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo, Razão e Emoção. 4. ed. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006, Coleção Milton Santos; 1.
  5. Verificar reportagem produzida pelo jornal do mercado da comunicação, PROPMARK (Jornal Propaganda & Marketing), em: <https://propmark.com.br/empreendedores-das-favelas-76-usam-internet-e-redes-sociais-para-divulgar-servicos/>. Acesso em 11 de abr. de 2024.