Revista Brejeiras

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

Revista Brejeiras Mais que uma revista, um movimento cooperativo

Logomarca Revista Brejeiras por Ju Gama

Lançada em abril de 2018, a Revista Brejeiras é uma publicação feita por e para lésbicas formada, inicialmente, por cinco mulheres lésbicas: Camila Marins, Cristiane Furtado, Laila Maria, Luísa Tapajós e Roberta Cassiano. Elas contam com o trabalho da designer Renata Coutinho (responsável pelo projeto gráfico e pela diagramação), Angélica Lourenço (responsável pela capa da última edição) e da ilustradora Ju Gama (autora da logomarca). A publicação, esgotada em sua primeira edição, surgiu a partir do afeto entre mulheres e é resultado de um movimento cooperativo que procura ampliar os espaços de fala das mulheres lésbicas, trazendo-as para o centro do debate.

Lançamento da Revista Brejeiras na Lapa, Rio de Janeiro

Um movimento cooperativo. Também é desta forma que as editoras se descrevem no editorial da Revista Brejeiras. Isso porque também atuam ativamente nos movimentos sociais e defendem que a revista surgiu a partir de um movimento político de foi de crítica ao 8M e de afirmação das lésbicas nesta construção. Um dos exemplos foi a atuação da Revista Brejeiras para a construção do projeto de Lei Luana Barbosa de enfrentamento ao lesbocídio, protocolado na Alerj.

“Também acreditamos em uma outra política de segurança pública comprometida com os direitos humanos e com o bem-estar da população, e não com a atual lógica profundamente militarizada”, afirmaram em entrevista ao jornal O Globo.

“Brejeiras é fruto do encontro de 5 amigas vindas de partes diferentes do Brasil — Camila Marins é mineira, Cristiane Furtado é gaúcha, Laila Maria é baiana, Luísa Tapajós é paraense e Roberta Cassiano é carioca. Somos cinco mulheres lésbicas que se conheceram na militância no PreparaNEM, curso preparatório para o vestibular voltado para pessoas trans no Rio de Janeiro”.

De acordo com as editoras, a ideia da revista surgiu no aniversário de 40 anos de Cris Furtado, quando elas se reuniram em um sítio em Rio Bonito de Lumiar, localizado na serra do Rio de Janeiro. Sem sinal de celular, com vinho e violão, Cris Furtado, Luisa Tapajós, Camila Marins e Roby Cassiano começaram a pensar em criar um veículo de comunicação para lésbicas, principalmente diante do apagamento na imprensa. “Conversamos muito sobre a falta de representatividade sapatão na mídia e como isso nos incomodava. Começamos a esboçar a ideia do que gostaríamos que fosse pautado e como seria. Desenhamos no papel o que seria uma revista lésbica. Pensamos em editorias sobre música, comida, lazer, cultura, sexualidade e história. Criamos nomes para essas sessões que falassem a partir de nossas referências”.

Até porque na adolescência de muitas mulheres lésbicas era impossível uma revista exclusivamente voltada para lésbicas. Pelo contrário, havia publicações cuja linha editorial era cisheterocentrada, como muitas ainda o são até hoje. E este fato é corroborado pelo depoimento de Cris Furtado à Agência Brasil: "Se a gente tivesse um espaço como esse, com a possibilidade de falar e ler sobre isso aos 15 anos, nossa vida seria muito diferente. Temos ouvido essa frase repetidamente", disse Cristiane, que à época tinha 40 anos, e defende a visibilidade também como forma de deixar uma referência para gerações mais novas. "Na minha adolescência, não existia nada de referência que eu consiga me lembrar e que tenha me marcado profundamente".

Para além da falta de representatividade na mídia, a Revista Brejeiras também surge como uma crítica à representação que surge na mídia hegemônica. Camila Marins afirmou em entrevista à Agência Brasil, em 2018: “A Brejeiras ocupa um espaço enorme, um vácuo que a gente sempre encontrou nos meios de comunicação de alguma forma porque, nós, lésbicas, nunca somos representadas ou somos sub-representadas, criminalizadas ou colocadas no campo do fetiche” (...) “A representação que a gente tem na mídia não é positiva, são pouquíssimos os exemplos de representação afirmativa na mídia".

Outro ponto destacado pelas editoras é a representatividade em pautas específicas que apontam o machismo e a lesbofobia. “Percebemos que mesmo em pautas específicas sobre a população LGBT, como o dia de luta contra a LGBTfobia, as mulheres lésbicas não têm voz e nem fotografia nas matérias. E mesmo no mês da visibilidade lésbica os veículos de comunicação raramente fazem cobertura. Por tudo isso, dizemos que Brejeiras surge do desejo, da luta, do afeto e da resistência”. Em relação ao marcador racial, elas afirmam: “O protagonismo de mulheres negras é um princípio para nós. Como a revista surge num contexto de 8 de março e a construção é muito permeada por racismos, este foi o centro da nossa proposta política, inclusive, no sentido de provocar os meios de comunicação que também têm uma narrativa branca.Quando olhamos as publicações de grande circulação, a maioria traz em suas capas homens brancos, o que é um retrato da vigência de uma estrutura colonial que institui uma supremacia branca que marca os processos de constituição e sociabilidade dos corpos de mulheres negras. Mulheres negras mal são tocadas pelos profissionais de saúde por racismo. Imaginem o que ocorre com uma preta sapatão”.

BREJEIRAS O nome Brejeiras em um primeiro momento remete ao brejo de sapas. E elas explicam: “Sapa é uma abreviatura de sapatão, insulto que ouvimos nas ruas e ressignificamos para nos juntar e somar potências. Sapas vivem no brejo e sinceramente lutamos para deixar tudo mais úmido (risos). Brejeiras somos nós, sapas que habitamos os brejos. Mas, brejeiras é também um trocadilho com o fato de sermos super cervejeiras. Em alguns lugares, cerveja é abreviada para breja e como com brejas viramos noites de bares, conversas, política, alegria e diversão, nos intitulamos Brejeiras”.

Comunicação lesbofeminista Ao longo da produção editorial, da curadoria e da escrita, as editoras foram desenvolvendo tecnologias e métodos editoriais lesbofeministas anticapitalistas. “Estamos experimentando e construindo uma comunicação feminista baseada em alguns princípios como cuidado, respeito, escuta, oralidade e, principalmente, consentimento”. Quando falam em consentimento, elas explicam que ao realizarem a edição de uma entrevista, sempre enviam antes às mulheres pedindo consentimento para a publicação, ao contrário dos veículos hegemônicos de comunicação que expõem e colocam mulheres em risco sob a justificativa de cliques e/ou lucro.

“O mundo patriarcal em que vivemos não ensina amar mulheres, mas sim explorar, usurpar e competir. A competição entre mulheres é incentivada nas mídias hegemônicas de forma brutal. Nossa comunicação é outra, visa formas de alianças e a possibilidade de seguirmos juntas, numa rede de afeto e apoio que constroi outras possibilidades de imaginários e uma outra realidade para nossas existências. Desta forma, escrevemos juntas, nos ouvimos, conversamos, pensamos, propomos, editamos a revistas e redigimos textos e chamadas. Às vezes nos encontramos, às vezes trabalhamos online através de ferramentas de edição, mas sempre nos ouvindo e cooperando.”

A forma de distribuição também é realizada por meio de rodas de conversas, debates e leituras coletivas nas universidades, favelas, periferias no Rio de Janeiro, em diversos estados do País (Maranhão, Brasília, Belo Horizonte, São Paulo, Maceió, Salvador, dentre outros), e até mesmo em Berlim, na Alemanha, durante do Festival Gira de Resistência. Os debates são realizados de forma a construir mobilização coletiva e um movimento cooperativo entre mulheres lésbicas.

As edições A primeira edição teve como manchete o tema: "8M: e as sapatão" cuja capa contou com uma entrevista com a atriz e cantora Ellen Oléria que afirmou: “Alguns grupos lutam para receber melhores salários, nós ainda lutamos para permanecermos vivas”, disse Ellen Oléria em entrevista na primeira edição. Uma das editorias é o ClassiSapa, específico para a publicação gratuita de trabalhos de mulheres lésbicas de modo a formar uma rede de economia solidária.

Primeira edição da Revista Brejeiras com o tema "8M: e as sapatão?"

A primeira edição teve como proposta questionar o lugar ocupado pelas lésbicas no 8 de março, dia internacional da mulher. “Em que momento gritamos juntas e quando precisamos parar para nos ouvir?” De acordo com o editorial, “Brejeiras busca, em suas páginas, trocar experiências e salivas, ampliar imaginários e contatinhos, ocupar línguas e linguagens, revisitar os becos da memória, enfrentar apagamentos, construir resistências e dar visibilidade às lutas lésbicas”. Em meio a um apagamento sistemático da existência sapatão, a revista surge como alternativa de resistência na disputa por memórias e narrativas.

Ainda nesta primeira edição, teve um bate-papo com a sambista Marina Iris, que falou sobre seu novo disco, ‘Sou Rueira’, a potência da mulher negra e os percalços de existir e resistir no mundo da música e no mundo inteiro, além de uma notícia sobre The L Vibe, um sex shop para mulher e dicas culturais e astrológicas, gastronomia, quadrinhos e poesia. Em um primeiro momento, elas imprimiram apenas 100 exemplares que esgotaram nos primeiros quinze minutos do lançamento e depois mais 500 exemplares que também esgotaram.

A segunda edição teve como capa Monica Benicio, arquiteta e viúva de Marielle Franco que fala sobre visibilidade lésbica, além de uma entrevista com Neusa das Dores, idealizadora do I Seminário Nacional de Lésbicas, que originou o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29 de agosto). Esta edição teve tiragem de 1.000 exemplares que foi esgotada também.

Segunda edição da Revista Brejeiras com Monica Benicio na capa sobre visibilidade lésbica

Já a terceira edição surge em um momento pós-golpe ao mandato da presidenta Dilma Rousseff, primeira mulher presidenta do Brasil, e ascensão do fascismo. O tema foi #ElasSim: Lésbicas na política, cuja capa estampou um mural de lésbicas que atuam na política tanto institucional quanto na rua. Há entrevistas com Jurema Werneck, diretora da Anistia Internacional; Sahar Vardi, ativista israelense contra a ocupação militar na Palestina que foi presa por se recusar a servir no Exército de Israel; a vereadora Carla Ayres; Valda Neves; Lidi de Oliveira e muitas mais. Também são impressas 1.000 revistas.

Terceira edição da Revista Brejeiras sobre "Lésbicas na Política"

A quarta edição tem o tema “Lésbicas na música” com capa das cantoras Marina Iris e Zélia Duncan, que foram entrevistadas juntas. Também há entrevistas com a cantora Bia Ferreira, autora de “Cota não é esmola”; Elza Ribeiro, cantora e militante histórica das ruas do Rio de Janeiro. Também foram impressas 1.000 revistas.

Zélia Duncan e Marina Iris estampam edição sobre lésbicas na música

"Amor em tempos de luta" foi o tema da quinta edição da Revista Brejeiras que foi lançada no Quilombo Urbano da Família Ferreira Diniz, no Rio de Janeiro. A publicação feita por e para lésbicas foi fundada em 2018 e chegou a ter tiragem de 1.000 exemplares de forma independente. No entanto, de acordo com as editoras, a pandemia e o avanço da extrema-direita dificultaram a publicação por cerca de 3 anos. Esta edição, pela primeira vez, além de ser impressa (apenas 100 unidades), terá uma versão digital e gratuita.

Amor em tempos de luta é o tema da edição que traz uma entrevista com Nicinha e Jurema da Rocinha

A capa traz uma entrevista com Nicinha e Jurema, lésbicas negras da Rocinha que foram protagonistas do documentário "Meu amor - seis histórias de amor verdadeiro", no Netflix. "O desgoverno racista de Bolsonaro e o discurso de negação da ciência produziram uma política de morte que tentava, aos poucos, nos quebrar física, emocional e politicamente. A enxurrada de fake news, desinformação e discurso de ódio atingiram principalmente as mulheres, a população negra e LGBTQIA+. Mesmo diante deste cenário, os coletivos de comunicação popular e comunitária nas favelas e periferias deram uma demonstração de ação política levando informação sobre vacina, cuidados e combate à fome. Fazer essa publicação em 2023, nos convoca a uma postura memorialista de luta por justiça e reparação. Rememorar para não repetir", afirmaram as editoras.

A publicação ainda conta com relatos de lésbicas de vários países do mundo durante a pandemia, uma matéria sobre direitos e trabalhadoras de aplicativos, poesia, contos, literatura, sexualidade, gastronomia com a chef do Labuta Bar, Laís dos Anjos, uma entrevista com a jornalista e comunicadora popular do Alemão, Daiene Mendes, um artigo da deputada estadual Bella Gonçalves com Jozeli Rosa do Brejo das Sapas-MG, uma tradução do manifesto Combahee River, além de artigos que foram enviados de maneira colaborativa.

A Revista Brejeiras é a primeira e única publicação lésbica do país a ser vendida em uma livraria que é a Blooks, do Rio de Janeiro.