Sebastião Bonifácio

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Autoria: Diego Francisco.

Introdução[editar | editar código-fonte]

Sebastião Bonifácio em festa na Associação de Moradores

“Muito amor pelo Borel e uma memória enorme. Meu pai amava trabalhar na Associação de Moradores e, pra ele, a solidariedade era o que fazia uma favela exsitir”, é nas palavras de Demilde Ferreira que nós conhecemos um pouco da personalidade de Sebastião José Bonifácio, um pioneiro nas lutas dos trabalhadores do Morro do Borel. Para ir a fundo na história de seu Bonifácio, como foi chamado por muitos anos nos becos e vielas do Borel, foi preciso ir até os filhos, moradores do Borel, que guardam muitas lembranças do pai, falecido em 2011. 

Avesso às homenagens, chegou até a declinar a proposta de nomear o posto de saúde instalado no Borel nos anos 2000. Sendo um dos fundadores da primeira associação de moradores de favela do Rio de Janeiro, a união dos Trabalhadores Favelados do Borel, é de se espantar que nenhum espaço no Borel leve o seu nome, pelo menos por enquanto. “Ele não gostava de homenagens, tanta gente já tentou fazer coisas e ele sempre dizia que era só mais um”, conta Demilde dizendo ainda que o que seu Bonifácio gostava mesmo de ver era as pessoas do Borel felizes e tudo funcionando. “Se pudesse, ele teria trabalhado ajudando as pessoas até o fim da vida, estava sempre querendo saber de tudo que acontecia”, lembra. 

Tanta dedicação tem justificativa na participação intensa que teve na história do Borel, quando, literalmente, “era tudo mato”. José Bonifácio não foi apenas presidente da Associação de Moradores por sete vezes, somando mais de vinte anos apenas nesta função, mas preparou sucessores, viu as transformações acontecerem na favela e pode se orgulhar de ter construído uma bonita história de resiliência e perseverança. 

 gente acredita que é importante registrar e documentar. As pessoas que moram hoje no Borel precisam saber que muitas pessoas dedicaram a vida para que esta favela existisse. Lembrar nunca é demais", disse Demilde quando se dispôs a colaborar com este verbete.

Uma história de lutas [editar | editar código-fonte]

Sebastião José Bonifácio, nasceu em 1930 no estado de Minas Gerais e veio para o Rio de Janeiro ainda jovem, em busca de uma vida melhor. Quando chegou na cidade, soube por meio de amigos da possibilidade de se instalar nas terras de um morro na Tijuca. O processo de ocupação no Borel já estava em expansão e muitos lotes eram ainda arrendados por proprietários que cobravam aluguéis para que fosse possível se estabelecer ali. Ainda não havia estrutura de água e esgoto e mesmo de energia.   

Essas lutas marcaram a memória dos moradores e das moradoras, que se organizaram em resistência às políticas de remoção de favelas que começaram a ser implementadas no Rio de Janeiro, a partir da década de 1950. Moradores e moradoras mais antigos se lembram de que, nesse período, começaria a repressão contra a ocupação da área porque a empresa Seda Moderna havia decidido reivindicar na justiça a posse do terreno ocupado pelas famílias. O processo, na verdade, foi movido pela empresa Borel Meuron, uma imobiliária da qual a Seda Moderna era uma das subsidiárias 

É neste contexto de luta pela permanência dos moradores e pela garantia de mínima estrutura para a vida de quem residia no Borel e também de quem chegava que o nome de Sebastião Bonifácio começa a aparecer como participante ativo dos processos de organização comunitária.  

Todos/as aqueles/as que se interessam pela história de lutas do Borel deve tentar passar pelo livro de Manoel Gomes, outro pioneiro do Borel, que registrou a luta pelas terras do Borel em seu As lutas do povo do Borel, lançado em 1980 pela editora Muro, do Partido Comunista do Brasil. O livro apresenta um relato bastante marcante sobre a organização da União dos Trabalhadores Favelados, com depoimentos testemunhais de Manoel Gomes e apresenta um rol bastante repleto das figuras envolvidas neste processo de luta. 

Um desses personagens é Sebastião Bonifácio. 

A Célula Comunista do Borel [editar | editar código-fonte]

De acordo com o historiador Mauro Amoroso, durante as décadas de 1970 e 1980, as disputas sobre a favela estavam muito ligadas aos movimentos revolucionários e comunistas, representados sobretudo pelo Movimento Revolucionário 8 de outubro, o MR-8) e o Partido Comunista do Brasil, o PCB, que disputavam o controle da Federação de Favelas do Rio de Janeiro, a Faferj. No Borel, os militantes ligados à União dos Trabalhadores Favelados, a UTF, eram conhecidos como integrantes da Célula comunista do Borel” e entre eles, estava Sebastião Bonifácio. 

O núcleo era bastante atuante nas lutas das favelas, tendo marcado as mobilizações de forma bastante significativa. Eram muitos os projetos ligados à educação popular e na garantia de acesso aos direitos da população favelada. Muitos dos integrantes, como o próprio José Bonifácio, fizeram parte das diretorias das associações e federações de favelas e trabalhadores favelados. O movimento levaria também seu Bonifácio à presidência da Associação de Moradores do Borel logo após a abertura democrática. 

Uma associação de moradores no Borel [editar | editar código-fonte]

Reunião para escolha da diretoria da Associação de Moradores do Borel

“A luta do Borel é longa e dela eu participo há 46 anos. Participando e trabalhando. As lutas são mais antigas que a associação [...]. Eu fui um dos fundadores da associação que, naquele tempo, era União dos Trabalhadores Favelados. Eu acredito que seja uma das mais antigas do Rio de Janeiro. Mas, com o golpe militar de 1964, fomos obrigados a mudar o nome. Aí ela passou a se chamar União dos Moradores do Morro do Borel”, declarou José Bonifácio e está registrado no livro Histórias das Favelas da Grande Tijuca, editado pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) em 2006. 

 Embora tenha sido criada no Borel, a associação apoiou e ajudou a organizar a luta de outras comunidades de favela, acolhendo moradores e moradoras de outros morros que sofriam as mesmas ameaças. Esse foi um período de grande resistência, em que as comunidades se uniram contra uma política de remoção de favelas que começava a ser efetivamente implementada pelo poder público. Essa experiência ensinou a todas essas pessoas o valor da solidariedade, apontando o caminho da união como única estratégia de luta pela moradia e pela permanência no espaço da cidade.   

Amoroso mostra que “ao relatar a história da UTF a partir de seus membros ligados ao PCB, o livro de Manoel Gomes promove a valorização da memória de um grupo político específico dentro do Borel, em um contexto de reconstrução da democracia no Brasil(p.240) Ele também diz, que durante sua pesquisa foi possível perceber o orgulho de moradores/as com o fato de que ali, no Borel, o que tinham feito era exemplo para outras favelas.  

O nome da primeira associação de moradores tinha objetivo estratégico e, de acordo com Bonifácio, a inclusão de trabalhadores no nome servia para rebater uma visão do senso comum de que os moradores de favela eram marginais. Para ele, “o favelado sempre foi visto como marginal. Botou o nome de trabalhador para dizer que defendia o trabalhador”. (entrevista com Sebastião Bonifácio, Borel, outubro de 1985). 

O Borel foi a primeira favela do Rio de Janeiro a criar uma associação de moradores, revelando uma antiga tradição de luta e associativismo. A União dos Trabalhadores Favelados foi criada em 1952 e, por meio dela, moradores e moradoras da comunidade conquistaram o direito de permanecer no espaço que ocupavam. Esse foi um período de grande resistência, em que as favelas se uniram contra uma política de remoção de favelas que começava a ser efetivamente implementada pelo poder público. Essa experiência ensinou a todas essas pessoas o valor da solidariedade, apontando o caminho da união como única estratégia de luta pela moradia e pela permanência no espaço da cidade.  

Um trabalho ao longo de muitos anos [editar | editar código-fonte]

Muitas conquistas para os/as moradores/as do Morro do Borel foram vivenciadas durante os mandatos de Sebastião Bonifácio, uma delas foi a reforma do prédio da Associação, com a adição de mais dois pavimentos, ainda em 1964. O prédio é utilizado até hoje como sede da Associação de Moradores, na Rua São Miguel, 500. Este endereço é o mais conhecido do Borel, pois é utilizado pelos moradores para recebimento de cartas e encomendas. 

Em 1999, o Borel ganhou um Posto de Saúde, demanda antiga da comunidade. O equipamento foi construído nos fundos do CIEP Dr. Antoine Magarinos Torres Filho, que fica na Rua São Miguel e, como forma de homenagem, se chamaria José Bonifácio. Mas o ex-presidente, responsável por uma trajetória de lutas no Borel, escolheu homenagear o médico Carlos de Oliveira Filho, antigo morador do Borel. 

Alguns anos depois, Jonas Gonçalves de Lima Filho e Felipe Vieira dos Santos foram também presidentes da Associação de Moradores do Borel, os dois, muito influenciados pelo que aprenderam e viram do trabalho de Bonifácio. Para o historiador Mauro Amoroso (2012), Sebastião Bonifácio era uma das figuras mais importantes do Borel, tendo registros em diferentes momentos da história da favela, com papel bastante relevante.  

Em 2006, em entrevista ao site “Favela tem Memória”, Sebastião Bonifácio dizia que “na minha época o povo era mais unido, pareciam irmãos. Hoje ninguém mais se interessa por nada, nem lembra de nada. A luta do Borel quase já não faz mais sentido. Tudo aquilo que se fez já foi por água abaixo. Hoje as crianças não sabem, os jovens não sabem. É uma pena”, declarou. 

Referências Bibliográficas[editar | editar código-fonte]

INSTITUTO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS. Histórias de favelas da Grande Tijuca contadas por quem faz parte delas / Projeto Condutores(as)de Memória. Rio de Janeiro : IBASE : Agenda Social Rio, 2006.

AMOROSO, Mauro. Caminhos do lembrar: a construção e os usos políticos da memória no Morro do Borel. FGV, 2012. 265 f. Tese.

Ver também[editar | editar código-fonte]