Vozes periféricas - expansão, imersão e diálogo na obra dos Racionais MC's (artigo)
O artigo apresenta uma reflexão sobre a obra do grupo de rap paulistano Racionais MC's, ressaltando momentos de interlocução entre seus dois últimos álbuns de estúdio: Sobrevivendo no inferno, de 1997, e Nada como um dia após o outro, de 2002. Verificamos nesse percurso discursivo a presença de vozes que se entrelaçam e apontam para um discurso coletivizado, buscando a identificação da periferia com a retórica do grupo, mas que apontam também para uma imersão na subjetividade, para a problematização do próprio discurso, atuando como uma forma de depuração da experiência social na favela. Propomos, ainda, que Sobrevivendo no inferno compreende um momento de inflexão no pensamento do quarteto. Desse modo, temas e perspectivas presentes, ainda que embrionariamente, no primeiro álbum analisado, apontam para os dramas que ganham corpo no segundo.
Autoria: Leandro Silva de Oliveira, Marcelo Segreto e Nara Lya Simões Caetano Cabral. Originalmente publicado no Dossiê Culturas das Periferias, da Revista do Instituto de Estudos Brasileiros. Edição 56ª, de junho de 2013.
Introdução[editar | editar código-fonte]
Buscamos, neste artigo, traçar reflexões sobre a obra do grupo de rap paulistano Racionais MC’s, ressaltando pontos de contato entre seus dois últimos álbuns de estúdio: Sobrevivendo no inferno, de 1997, e Nada como um dia após o outro, de 2002. Partimos da ideia de que temas e perspectivas presentes, ainda que embrionariamente, no primeiro apontam para os dramas que ganham corpo no segundo. A temática religiosa e a relação conflituosa dos Racionais com o apelo ao consumo, por exemplo, presentes em faixas de Sobrevivendo no inferno, emergem com força na constituição discursiva das investidas densas e polêmicas do disco subsequente.
Intentamos, com esse enfoque, destacar pontos nodais do discurso engajado que permeia toda a obra do grupo. Em nossa abordagem de Sobrevivendo no inferno, privilegiamos a relação entre as vozes que extravasam os limites do grupo, coletivizando-se, mas também imergem na subjetividade do morador da periferia, com particular ênfase para a terceira e a décima primeira faixas: “Capítulo 4, versículo 3” e “Fórmula mágica da paz”, em que essas perspectivas mostram-se exemplarmente patentes.
Propomos uma abordagem dialógica, na qual, ao mesmo tempo em que as letras apontam para um discurso coletivizado, de estabelecimento de vínculos, de convergências e representatividade, buscando a identificação da periferia com a retórica profética do grupo, apontam também para uma imersão na subjetividade, vinda à tona por meio de diálogos profundos e significativos, conduzidos, sobretudo, pelas hábeis digressões de Mano Brown e atuando como uma forma de depuração da experiência social na favela.
Esse diálogo entre o coletivo e o subjetivo, que perpassa a visão de mundo apresentada na obra do grupo e ganha forma na poética das letras, deságua em vozes e sonoridades que emergem em Nada como um dia após o outro. A análise, nesse caso, terá como foco a faixa “Negro drama”, espécie de mote central do disco.
De modo correlato, buscamos mostrar que Sobrevivendo no inferno, o quarto disco na carreira dos Racionais, compreende um momento de inflexão no pensamento do quarteto. Como veremos, é em “Fórmula mágica da paz” que fica evidente, de maneira acintosa, a mudança em curso no discurso do grupo. Não se trata, contudo, de um rompimento com o discurso pregresso, mas de um aprofundamento dialógico que se revelará fundamental, posteriormente, como elemento constitutivo da narrativa de “Negro drama”
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