Xica Manicongo: Memória e Resistência Trans no Brasil Colonial
Autoria: Gleyce Apolinario dos Santos
Palavras-chave: Xica Manicongo, transfeminismo, memória social, resistência, Carnaval, Paraíso do Tuiuti, necropolítica, Brasil colonial.
Introdução
O Carnaval de 2025 da escola de samba Paraíso do Tuiuti trouxe à tona a figura histórica de Xica Manicongo, a primeira travesti negra registrada no Brasil. Nascida no Congo e escravizada, Xica desafiou as normas de gênero da sociedade colonial do século XVI, sendo perseguida pela Inquisição. Seu nome, resgatado do silêncio da história, tornou-se um símbolo de resistência e luta contra a transfobia e o racismo estrutural no Brasil.
Xica Manicongo: Uma História de Resistência
Xica Manicongo viveu em Salvador, no início da colonização portuguesa, e foi denunciada por se recusar a usar "roupas de homem" e por viver sua identidade de gênero. Sua existência desafia a narrativa de que a diversidade de gênero seria um fenômeno recente, revelando a violência e o apagamento histórico sofridos por pessoas trans e negras no Brasil colonial.
A história de Xica, embora com poucas referências históricas, foi resgatada por ativistas LGBTQIAPN+, pesquisadoras transfeministas e movimentos negros. O enredo da Paraíso do Tuiuti, "Quem tem medo de Xica Manicongo?", provocou um debate necessário sobre os preconceitos contemporâneos contra pessoas trans e negras, evidenciando o medo enraizado em estruturas de poder que buscam controlar corpos dissidentes.
Transfeminismo e a Luta por Memória e Justiça
O resgate da história de Xica Manicongo se conecta com as vozes de autoras transfeministas negras que denunciam o apagamento histórico e a violência contra pessoas trans no Brasil.
Viviane Vergueiro Simakawa (2015) analisa a cisgeneridade como norma de poder, que marginaliza corpos oprimidos. Letícia Nascimento (2021) defende a inclusão de corpos trans na luta feminista e antirracista, descolonizando narrativas de gênero e raça. Megg Rayara Gomes de Oliveira (2018) denuncia a exclusão de travestis negras nos movimentos sociais negros, evidenciando a dupla opressão de transfobia e racismo.
A teoria da necropolítica de Achille Mbembe (2021) ajuda a compreender como a violência contra corpos dissidentes, como o de Xica Manicongo, se mantém presente na estrutura do Estado e nas políticas de extermínio contra populações racializadas e trans. A expectativa de vida de pessoas trans no Brasil, de apenas 35 anos (BENEVIDES, 2025), é um exemplo da necropolítica em ação.
O Carnaval como Plataforma de Conscientização Social
Considerações Finais
O desfile da Paraíso do Tuiuti foi um ato de resistência contra a necropolítica, reescrevendo a história e reivindicando um futuro onde corpos marginalizados possam existir sem medo. A homenagem a Xica Manicongo gerou debates importantes sobre diversidade e inclusão, demonstrando o poder do Carnaval como ferramenta de conscientização social.
Xica Manicongo, ao atravessar a Sapucaí, não apenas resgatou sua história, mas também confrontou os medos que sustentam a transfobia e o racismo no Brasil. Seu legado nos convida a lutar por uma sociedade mais justa e inclusiva, onde a liberdade de existir seja um direito de todos.
Referências Bibliográficas:
BENEVIDES, Bruna G. Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2024. Brasília, DF: ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 2025. Disponível em: <https://antrabrasil.org/wp-content/uploads/2025/01/dossie-antra-2025.pdf>. Acesso em: 10 mar. 2025.
GOMES, Oliveira, Megg Rayara. Por que não me abraça? Revista Internacional dos Direitos Humanos – SUR, v. 28, n. 15, p. 167-179, 2018. Disponível em: <https://sur.conectas.org/wp-content/uploads/2019/05/sur-28-portugues-megg-rayara-gomes-de-oliveira.pdf>. Acesso em: 12 mar. 2025.
MBEMBE, Achille. Necropolítica. São Paulo: n-1 edições, 2021.
NASCIMENTO, Letícia Carolina do. Transfeminismo. São Paulo: Jandaíra, 2021.
OLIVEIRA, Isabela Ruth Martins. A construção histórica do conceito de mulher brasileira e a violência de gênero. Revista O Manguezal – Revista de Filosofia, v. 2, n. 19, jul./dez. 2024. Disponível em: <https://periodicos.ufs.br/omanguezal/article/view/21511/16001>. Acesso em: 11 mar. 2025.
RODRIGUES, Jessyka da Silva; NASCIMENTO, Elaine Ferreira do. Transfeminismo em Rede: Os nossos movimentos vêm da ancestralidade. REBEH - Revista Brasileira de Estudos da Homocultura, vol. 07, e15964, 2024. Disponível em: <https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/rebeh/article/download/15964/13866/79874>. Acesso em: 14 mar. 2025.
VERGUEIRO, Viviane Simakawa. Por inflexões decoloniais de corpos e identidades de gênero inconformes: uma análise autoetnográfica da cisgeneridade como normatividade. 2015. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2015. Disponível em: <https://repositorio.ufba.br/handle/ri/19685>. Acesso em: 15 mar. 2025.