Guaraci Jorge dos Santos (entrevista): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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<p style="text-align: center;">Material de pesquisa&nbsp;do Projeto&nbsp;do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao&nbsp;'''Dicionário de Favelas Marielle Franco'''.</p>
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== Sobre o projeto ==
== Sobre o projeto ==


&nbsp; A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira. &nbsp;
A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira. &nbsp;


== Entrevista na integra ==
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Edição das 16h58min de 7 de junho de 2021

Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.

Guaraci Mestre Capoeira Jacarepaguá.jpeg

Sobre o projeto

A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistado é Guaraci Jorge dos Santos, mestre em capoeira.  

Entrevista na integra

 

 

Transcrição da entevista

  Meu nome é Guaraci Jorge dos Santos, nasci no Rio de Janeiro, em Botafogo – tenho formação técnica em contabilidade, cheguei a fazer comunicação na Estácio, mas não conclui por questões financeiras e sou Mestre e Capoeira e trabalho com crianças. 

Vim morar em Jacarepaguá em 1977 – quando Jacarepaguá era bem atrasado. Estrada dos Bandeirantes era só uma pista.

Vim pelo clima, o ar que era muito agradável na época.

Em 77, era bem atrasado. E eu não conhecia nada, nem militava, porque fui criado em Botafogo, Tijuca, era outra coisa.

Chegando aqui, até ter amizade e conhecimento com as pessoas, levou 1 ano. Aqui era muito estranho – tinha problemas de condução, não tinha hospital. Tinha para tuberculoso Santa Maria, tinha para a Colônia – tinha um postinho de saúde em Vargem Pequena, onde eu morei 15 anos, perto da Rua José Duarte.

Em 78 e que comecei a viver mais aqui. Em 80 já vi as ocupações. Vi muita confusão. Aquela coisa de terra. E eu custei a entender isto. Mas com o tempo a gente vai compreendendo. E participei de algumas.

Tive terreno no Camorim. Acabei não ficando com o terreno. Mas participei de muita coisa.

A partir da capoeira, é que comecei a entrar nas comunidades. Eu entrei na Cidade de Deus, numa época em que a Cidade de Deus era muito violenta. Época do Zé Pequeno, Mané Galinha – aquela época brava. Como eu era capoeirista, agente era respeitado, ninguém mexia com a gente. A gente tinha este aval, é como é hoje, o pessoal das igrejas que entram nas comunidades. E eu fazia um trabalho com crianças, como faço até hoje. E foi isso que fez eu entrar no movimento. O esporte, que me ajudou a compreender.

No Recreio, nesta época tinha o Terreirão – que era uma colônia de pescadores. Parque Chico Mendes surge na década de 80. A Vila Amizade foi em 1987, foi uma briga que o pessoal da Vila Recreio ocupou o terreno da Vila Amizade para a construção dos prédios para classe média. Eu não entrei porque não quis. A gente vai se envolvendo quando vê já está dentro.

Conheci muita gente, muitas lideranças por causa da capoeira, e as coisas acontecem naturalmente.

Depois veio a época do Brizola. Ele facilitou muitas coisas para a comunidade. Porque até então as comunidades eram perseguidas pela policia. Era muita pancadaria. A gente entrava numa comunidade, tinha que correr para não apanhar. Era muita covardia, muita violência.

Mas a capoeira ajudou, porque a gente era respeitado.

E por isso eu entrei em comunidades que tinha tráfico, que estavam crescendo. Eles não mexiam com a gente.

O Terreirão. Eles eram pescadores e viviam na beira da praia. Quando começaram a chegar os ricos, eles foram expulsos dali. Eles foram afastados da beira da praia pra dentro.

Depois com o tempo formou o Jardim Recreio, e depois o Chico Mendes, foi uma ocupação ali na praia.

Tiraram uma parte, mas a outra parte ficou porque eles iam da praia até o Parque Chico Mendes. Quando criaram o Parque Chico Mendes e tiraram as pessoas dali. Ai criou a Vila Amizade.

O Parque Chico Mendes é uma área fechada, foi feito pela Prefeitura. Para fazer o Parque tiraram os moradores. Eles não tinham pra onde ir e ocuparam o Canal da Tasas 1984 – criou a Vila Amizade.

Harmonia, Restinga eram próximas a praia, e eram de pescadores. Já o Rio das Pedras começou por causa das obras na Barra: Carrefour, Barra Shopping e os condomínios. Terminaram as obras – as pessoas ficavam por ali mesmo. Hoje em dia é uma coisa monstruosa, mas era uma coisa pequena.

Quando eu vim morar aqui, Rio das Pedras, era como um Sitio – uma casa aqui outra ali. Eu vi aquilo ali praticamente sem nada.

Hoje é uma das maiores comunidades do Rio de Janeiro, só perde pra Rocinha, em tamanho. E veio por causa da construção civil, a Barra começou a crescer, Jacarepaguá começou a crescer. E até hoje está crescendo, e as obras vão trazendo as pessoas pra cá – e as pessoas vão criando outras comunidades – porque facilita.

As comunidades se instalam, mas depois querem tirar – porque pra eles é uma coisa feia.

A classe média não quer o pobre perto deles. Eles querem tudo bonitinho, e o pobre é a parte feia da sociedade.

Recreio. São três comunidades No Posto 12, na Juca Machado. Ali é Jardim Recreio, Papo Amarelo e Parque Chico Mendes. São três comunidades coladas uma na outra.

Quem não conhece o Recreio, eles dão tudo como Terreirão, mas não é. Ali são essas três comunidades.

A capoeira visa à liberdade, a gente luta pela liberdade desde a época dos escravos. A gente sempre foi oprimido. Porque a raça negra no Brasil só serviu par ser escravizada. A capoeira dentro disso aí é liberdade.

E o que você quer com moradia?

Você quer ter liberdade. Você paga aluguel. Você quer se livrar disto – de ficar preso ao sistema.

Você quer ter liberdade. Então capoeira tem haver com esta luta.

A sociedade custou a ainda custa aceitar a capoeira como cultura, como arte.

Já valorizou, já somos reconhecidos, mis ainda temos que lutar. A capoeira sempre fica de lado.

Assim como o pobre das favelas, sempre é colocado de lado. A capoeira tem haver com a luta. Quando fala capoeira – está lutando por liberdade, quando fala moradia – você está lutando por liberdade. Cada um quer ter sua casa, sua vida. O pobre é sempre oprimido. A capoeira também.

Você pega a história do Rio de Janeiro, a capoeira está enfiada na história do Rio de Janeiro.

As maltas – eram grupos de capoeira antigos na fundação do Rio. Os escravos quando vieram pra trabalhar na lavoura, engenho – eles criaram a capoeira para se libertar disto.

E continua lutando por moradia.

Uma remoção, tirados a força – a luta é por quê? É por liberdade.

Você fica ali preso, por um sistema, que quer te oprimir, quer te obrigar – pagar – pagar aluguel, pagar taxas.

Aonde eu vou com a capoeira, os mestres que já formei – por onde eu fui – o trabalho é de consciência.

Fatos – Desde o inicio – quando vim morar aqui.

No Governo Brizola. Ele dizia que as pessoas eram cidadãos e tinham que ser respeitados.

Naquela época, a polícia metia o pé na porta do pobre, e entrava. E você não podia fazer nada.

Como você ai lutar com homens armados.

Então ele deu dignidade para o pobre – pra ser respeitado.

Quando ele deu esse direito – a gente começou a ver que poderia lutar.

E as comunidades começam a lutar.

E algumas que nem existiam mais como a Harmonia, a Restinga. 

Ai a gente começou a lutar.

A luta das comunidades que foram removidas – mesmo o Brizola dando o direito, o Estado ainda é contra.

E a elite só quer o pobre trabalhando prá eles.

Antigamente Jacarepaguá era lugar de pobre.

Onde é a Vila Autódromo – ali era Jacarepaguá.

Hoje é Barra da Tijuca. Porque é Barra – porque é elite.

Porque quiseram dividir a Barra como Municipio.

Porque eles queriam dividir ricos prá cá, pobres prá lá.

Vargem Pequena, Vargem Grande – quando morei ali – eram Sítios, Lavouras. Hoje ali está cheio de condomínios de classe média. E eles não querem os pobres por perto. Ou só trabalhando pra eles – é o motorista, o carpinteiro, faxineiro, eletricista – mas pra ser vizinho não serve.

Mas quem veio morar aqui primeiro foi o pobre. Aqui era um lugar complicado de se viver, complicado, com saúde, transporte.

E hoje – quanto mais condomínios, mais seremos afastados.

O Rio Centro – de 70/80 – me lembro da bomba que era pra explodir ali – no Mês de Maio. Se aquela bomba explode ia ser uma tragédia.

Ali tinham várias comunidades. A gente andava por ali – para tomar banho na Lagoa de Camorim. Ali não tinha condução. Só na Bandeirante – 1 pista só.

A gente saia de Vargem Pequena a pé, ia tomar banho naquela Lagoa ali. Pescar.

E começaram fazer um Centro ali.

E tirando vários grupos de moradores.

Inclusive a Vila Autódromo – Ela cresceu ali depois da remoção no lugar do Rio Centro.

O Brizola deu uma autorização para eles viverem ali por 100 (90) anos.

E esta autorização foi rasgada.

A Arroio Pavuna era enorme – Parte saiu e surgiu o Condomínio Rio 2.

Antes de tudo era Jacarepaguá.

Atualmente vai ser Barra e o IPTU vai ser mais caro, o nível vai ser outro.

Parte das ocupações no local do Rio Centro foi parar no Camorim, e Alto Comorim – onde mora a Maraci.

Agora estão construindo a Vila dos Atletas – vai ser muito bonito, mas o povo vai ter que ir pra fora, jogado fora.

No primeiro mandato do Brizola. 1982 – as ocupações em Jacarepaguá explodiram.

Cresceu o Rio das Pedras, Muzema, Pai João, eram comunidades pequenas que cresceram.

Na época do Moreira Franco, ele travou muita coisa. Ele era PMDB – e era Governo de Elite – o povo fica oprimido, e muita coisa trava.

Quando volta o Brizola.

Fizeram várias obras nas Comunidades.

Teve também o Favela Bairro.

Começam a urbanizar.

O Prefeito César Maia, que era do mesmo partido do Brizola, depois que brigou com ele – saiu do PDT.

Ele Prefeito, o Eduardo Paes era prefeitinho da Barra.

Ai começou a sair, Marapendi, Via Parque.

E aí começou a perseguição das Comunidades.

As mudanças de Governo, sempre atingem as comunidades.

Moradia e Saúde

Saúde está ligado a saneamento básico – se você não tem, não tem saúde.

Nas comunidades eram valas abertas, saneamento zero.

Os hospitais Cardoso Fontes – que não nos atende.

O Lourenço Jorge é de emergência.

Saúde ainda está por melhorar.

O Favela bairro, ajudou um pouco nisto.

A Cidade de Deus foi uma ocupação feita pelo Estado. O Estado fez o conjunto e veio pessoal todo de fora. Praia do Pinto – As favelas vieram não por vontade. Foram trazidas – Na praia do Pinto houve um incêndio.

Vir pra Jacarepaguá era difícil.

Ninguém queria vir pra cá - era forçado.

Já no Recreio – Vargem Pequena – já eram pescadores - Vargem Pequena – era lavoura.

Beira Rio – era comunidade de lavoura.

Eram ocupações mais naturais.

A ação dos grilheiros.

Os grilheiros eram pessoas de grilheiros

Eu fui envolvido numa ocupação na Bandeirante.

Ai apareceu muitos policiais civis armados e expulsaram a gente. E recuamos – aí os policiais entraram, lotearam e venderam as terras, como sendo deles.

Eles têm ligações e influencia, na prefeitura, no Estado. Tem advogados fortes.

Forjam documentos.

Um bom exemplo é na Taboinha. Ali apareceram 6 donos, com documentos, dizendo ser o dono, 6 donos diferentes, provando com documentos.

Eles forjam os documentos. 

Quando surgiu a Monte Serrá – eu conheci o dono.

Ele morreu. 

As pessoas ocuparam. Hoje ainda está lá. Os grilheiros não quiseram.

Eles tomam certos terrenos bem localizados. Ai vem armados, com policiais.

Ameaças.

Infelizmente a gente sempre sofre ameaças.

Quem mexe com terra – isso envolve dinheiro. Nosso interesse é ter nossa moradia, mas o grilheiro visa o dinheiro fácil.

Apropria-se de terra alheia, e vende para ter lucro.

No meu tempo – eu tive apoio na época de comerciantes. E tinha o respeito pela Capoeira.

Mas estávamos mexendo com coisa muito forte em terreno perigoso.

Quando entramos neste terreno na Bandeirantes – a noite – o terreno estava abandonado, e a gente só tinha a luta e mais nada.

Os grilheiros sempre chegavam armados.

A gente perdeu algumas lutas.

Depois houve a Mont Serrá e esta ficou e está até hoje.

Sempre fomos ameaçados.

O papel da Fiocruz.

A Fio Cruz veio pra Colônia – com o objetivo de dar curso s e fazer alguns projetos – só que eu acho que poderia fazer muito mais. É Governo Federal, é uma instituição que pode ajudar muito – e eu estou achando que está faltando coisas que poderiam fazer.

Teria que trabalhar com jovens – quando eu vim para cá – vim por causa do PROETA – para jovens e isto não foi implantado.

O que está faltando na nossa área é escola.

Em educação aqui – ainda temos muito o que fazer, muito mesmo. Tudo.

Educação, esporte, saúde – está devendo isto. 

Precisamos de uma boa escola técnica para os jovens. Hoje eles têm que ir pro Maracanã. Tem que sair de Jacarepaguá. Pode ter uma boa escola técnica aqui. E vamos lutar pra isto.

O que te move?

O que me deixa lutar – É que as comunidades são oprimidas. Aqui falta transporte, educação, saúde. Agente luta pra poder viver com dignidade – agente luta pelo bairro, pelo local para ver este bairro não ser oprimido.

Temos diretos iguais.Nós somos empurrados, tirados, para os grandes bairros Estamos sempre lutando! Sempre alerta – porque a elite sempre vai nos botar pra baixo.