Pirambu (favela): mudanças entre as edições
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Edição das 14h28min de 11 de maio de 2022
Verbete criado pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sobre
Texto extraído do jornal Diário do Nordeste. Para acessar o original, clique aqui.
Pirambu é a maior favela do Ceará e uma das maiores do Brasil. Originada a partir de migrantes fugindo da seca no Interior, a comunidade resistiu a políticas de higienização social e agora luta contra os efeitos devastadores da pandemia.
Apesar do estigma histórico do termo, elas são territórios de potencialidades: as favelas concentram uma população expressiva nas cidades brasileiras e, neste dia para celebrá-las, provocam reflexões sobre políticas de urbanização, infraestrutura e identidade. A sétima maior do País fica no Ceará: o Pirambu, em Fortaleza, cujas origens remontam há quase 100 anos.
Oficialmente, para a Prefeitura Municipal, o bairro tem 17,7 mil habitantes, segundo a plataforma Fortaleza em Mapas. Porém, o último levantamento do IBGE, com base no Censo de 2010, dá conta de pelo menos 42,6 mil moradores, porque avança sobre áreas vizinhas para formar o “Grande Pirambu”.
Historiadores explicam que a formação de favelas na Capital cearense ocorreu a partir das migrações causadas pela seca, com multidões fugindo da miséria e da fome, principalmente em 1877, 1915 e 1932. Em 1888, a planta da cidade já registrava casebres nas proximidades da orla marítima central, onde hoje fica o Arraial Moura Brasil.
Na década de 1930, a instalação de indústrias e a construção do Porto do Mucuripe impulsionaram a ocupação em outras favelas, incluindo a do Pirambu - nome de um peixe comum na área. Ela é considerada um prolongamento do Arraial e foi formada a partir do campo de concentração do Urubu.
A historiadora cearense e doutoranda em História e Espaços pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Angerlânia Barros, lembra que a orla ainda não tinha símbolo de status e funcionou como espaço de "contenção e controle dos migrantes”, justamente para impedir a proliferação de favelas.
Tentativas de extinção
Nos anos 1940, os ricos se afastaram da área da Jacarecanga e do Centro, devido à poluição e “invasão” de seus territórios por operários das fábricas, e fixaram moradia na Praia de Iracema e no Meireles. Já naquela época, a imagem do Pirambu foi atrelada a uma zona perigosa, de miséria, criminalidade e prostituição.
Nas décadas seguintes, houve sucessivas tentativas de erradicar o Pirambu, até mesmo por influência das políticas de ordenamento promovidas pela Ditadura Militar. Porém, Angerlânia explica que a própria população, em parceria com a Igreja Católica, resistiu.
O Moura Brasil foi erradicado em 1970, para a construção da Avenida Leste/Oeste, mas porque os próprios moradores queriam sair daquela realidade. Já o Pirambu era mais engajado, organizado. A Marcha do Pirambu, em 1962, foi a primeira marcha periférica da cidade, quando os moradores pediram para permanecer e dizer ao Governo: 'nós existimos’”.
Resistência organizada
Aos 68 anos, o metalúrgico Carlos Careca é um dos moradores mais antigos do bairro. Nasceu em 1953, “na beira do mar”, quando a paisagem ainda era tomada por morros e coqueiros, mas carente de eletricidade, saneamento e pavimentação.
Para ele, a comunidade só teve a crescer a partir da Marcha, quando começou um movimento reivindicatório e efervescente apoiado pelo padre Hélio Campos. “Começaram vários grupos de jovens, foram se criando associações, e o Pirambu ficou muito forte”, reconhece. Carlos, porém, não se entristece com os estigmas do bairro.
Cedo eu compreendi como esse pode ser o bairro mais importante financeiramente pra cidade, mais até do que a Aldeota. Ele é o caminho para chegar e sair da praia, e em cinco minutos você está no Centro. Tem coisa mais maravilhosa? (CARLOS CARECA - Morador)
O metalúrgico se orgulha da trajetória do bairro e comemora que, até hoje, a comunidade realize festividades comuns, como Natal e Ano Novo, e consiga conversar na calçada, mantendo viva a identidade da área.
O arte-educador Fábio Lessa, 40, também nascido e criado no Pirambu, conhece desde cedo o contraste entre a imponência do mar e a situação de vulnerabilidade da comunidade que perdurou por muitos anos.
“Antes do calçadão da Vila do Mar, só tinha areia, barracos e esgoto, que era onde a gente brincava. A minha família mesmo tinha muita dificuldade, mas tinha o mar para acalmar a nossa alma”, afirma, lembrando que ainda hoje ocorre a pesca do peixe-símbolo do bairro.
Assim como Carlos, ele não se intimida com os “Vixe!” que escuta ao contar onde mora porque conhece a potência dos movimentos sociais e da cultura tradicional da área, que mistura as influências do litoral com as raízes sertanejas.
Sou favelado com orgulho. Nasci e me criei aqui e não sou o que muitas pessoas pensam. Até porque a violência não é só aqui. Viver de forma simples não quer dizer que você não é importante” (FÁBIO LESSA - Arte-educador)
O também líder comunitário relata que a pandemia prejudicou de forma drástica o sustento de muitas famílias, muitas delas autônomas, comprometendo até mesmo a comida na mesa. A mobilização característica do bairro permitiu a arrecadação de doações para amenizar parte do problema. “A gente não perde a fé e vai trabalhando junto”, conta.