Desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense: mudanças entre as edições
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Artigo originalmente publicado em setembro de 2020 e escrito por pessoas fundadoras da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial. Segundo suas falas: "Aproximadamente 60% do total de pessoas desaparecidas no estado ocorrem na Baixada Fluminense. A metodologia dos dados oficiais não engloba os casos de desaparecimentos forçados dificultando ainda mais a possibilidade de quantificar o real número de pessoas vítimas da violência urbana que são executadas pelo Estado". | |||
Autores: Giselle Florentino e Fransérgio Goulart.<ref>Nota: Artigo retirado pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco de publicação realizada em 01 de setembro de 2020 no site da [https://dmjracial.com/ Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial. ]</ref> | |||
Artigo originalmente publicado no site da [[Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial - IDMJR|Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial]] (ver Referências). | |||
== Artigo == | |||
No Brasil o aprisionamento e a retirada forçosa de corpos de seus território perpassa toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. O sistema colonial deixou um rastro de extermínio de [[Instituto Hoju|povos originários,]] escravização, pilhagem, expulsões, expropriações, doutrinação cristã, violência e espoliação por onde passou as expedições ‘civilizatórias’. | |||
No Brasil o aprisionamento e a retirada forçosa de corpos de seus território perpassa toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. O sistema colonial deixou um rastro de extermínio de povos originários, escravização, pilhagem, expulsões, expropriações, doutrinação cristã, violência e espoliação por onde passou as expedições ‘civilizatórias’. | |||
Foram 12,5 milhões de africanos e africanas transportados para as Américas entre os séculos XVI ao XIX em quase 20 mil viagens, sendo 64,6% formados por homens e 35,4% por mulheres. Ademais, 2,5 milhões de pessoas morreram durante o translado. Sendo que 5,8 milhões de escravos foram enviados para o Brasil através de embarcações portuguesas, o Brasil foi o maior destino de escravos do tráfico negreiro nas Américas durante três séculos, 1560 a 1850. | Foram 12,5 milhões de africanos e africanas transportados para as Américas entre os séculos XVI ao XIX em quase 20 mil viagens, sendo 64,6% formados por homens e 35,4% por mulheres. Ademais, 2,5 milhões de pessoas morreram durante o translado. Sendo que 5,8 milhões de escravos foram enviados para o Brasil através de embarcações portuguesas, o Brasil foi o maior destino de escravos do tráfico negreiro nas Américas durante três séculos, 1560 a 1850. | ||
Ademais, o grau de violência na captura de negras e negros do continente africano e o processo de desumanização e, em seguida, a sua transformação em simples mercadorias dispostas no comércio ultramarino sendo refém dos anseios do capital, portanto, o violento nascimento do capitalismo está totalmente associado a escravidão do povo negro servindo como alavanca do processo de acumulação originária. (Wiliams, 2012)<ref>WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. Primeira edição: 1944/Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.</ref>. | Ademais, o grau de [[:Categoria:Violência|violência]] na captura de negras e negros do continente africano e o processo de desumanização e, em seguida, a sua transformação em simples mercadorias dispostas no comércio ultramarino sendo refém dos anseios do capital, portanto, o violento nascimento do capitalismo está totalmente associado a escravidão do povo negro servindo como alavanca do processo de acumulação originária. (Wiliams, 2012)<ref>WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. Primeira edição: 1944/Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.</ref>. | ||
Por conseguinte, uma das principais determinantes do período escravagista foi o caráter violento na captura do povo africano viabilizado através de mecanismo de tortura, sequestro e dominação de corpos negros. | Por conseguinte, uma das principais determinantes do período escravagista foi o caráter violento na captura do povo africano viabilizado através de mecanismo de tortura, sequestro e dominação de corpos negros. | ||
Logo, a realização de | Logo, a realização de [[Nota técnica: Desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense|desaparecimentos forçados]] não origina-se apenas no período da ditadura empresarial-militar na América Latina, e sim, ao longo de todo brutal processo de colonização do continente, marcado pelo extermínio dos povos originários, subjugação dos povos africanos, pilhagem, espoliação e destruição de recursos naturais, entre outros processos dramáticos de humilhação e subordinação das colônias para inserção subordinada do países latino-americanos na fase industrial do capitalismo mundial. | ||
Os métodos de desaparecimentos forçados de corpos foram utilizados constantemente como forma de terror do Estado em diferentes tempos históricos e sob distintas condições. Entretanto, ressalta-se que nos dramáticos anos de ditadura empresarial-militar na América Latina, o desaparecimento forçado de pessoas foi empregado como instrumento político de amplo cerceamento de liberdade e cassação de direitos políticos. | Os métodos de [[Desaparecimento forçado|desaparecimentos forçados]] de corpos foram utilizados constantemente como forma de terror do Estado em diferentes tempos históricos e sob distintas condições. Entretanto, ressalta-se que nos dramáticos anos de ditadura empresarial-militar na América Latina, o desaparecimento forçado de pessoas foi empregado como instrumento político de amplo cerceamento de liberdade e cassação de direitos políticos. | ||
O caráter de privação de liberdade através da captura, sequestro, tortura, mutilação e outros métodos torpes de desumanização e controle de corpos durante a vigência do período ditatorial brasileiro deixaram marcas latentes na memória social e na atuação política da sociedade até os dias atuais. | O caráter de privação de liberdade através da captura, sequestro, tortura, mutilação e outros métodos torpes de desumanização e controle de corpos durante a vigência do período ditatorial brasileiro deixaram marcas latentes na memória social e na atuação política da sociedade até os dias atuais. | ||
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Portanto, fica evidente a necessidade de garantir a criação da tipificação da categoria desaparecimento forçados para estimular a investigação e elucidação desses inúmeros casos de privação de liberdade. O Estado deve ser responsabilizado por esse tipo de violação e garantir a reparação econômica e psicossocial para as vítimas e familiares. | Portanto, fica evidente a necessidade de garantir a criação da tipificação da categoria desaparecimento forçados para estimular a investigação e elucidação desses inúmeros casos de privação de liberdade. O Estado deve ser responsabilizado por esse tipo de violação e garantir a reparação econômica e psicossocial para as vítimas e familiares. | ||
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Edição atual tal como às 15h51min de 19 de setembro de 2023
Artigo originalmente publicado em setembro de 2020 e escrito por pessoas fundadoras da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial. Segundo suas falas: "Aproximadamente 60% do total de pessoas desaparecidas no estado ocorrem na Baixada Fluminense. A metodologia dos dados oficiais não engloba os casos de desaparecimentos forçados dificultando ainda mais a possibilidade de quantificar o real número de pessoas vítimas da violência urbana que são executadas pelo Estado".
Autores: Giselle Florentino e Fransérgio Goulart.[1]
Artigo originalmente publicado no site da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (ver Referências).
Artigo[editar | editar código-fonte]
No Brasil o aprisionamento e a retirada forçosa de corpos de seus território perpassa toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. O sistema colonial deixou um rastro de extermínio de povos originários, escravização, pilhagem, expulsões, expropriações, doutrinação cristã, violência e espoliação por onde passou as expedições ‘civilizatórias’.
Foram 12,5 milhões de africanos e africanas transportados para as Américas entre os séculos XVI ao XIX em quase 20 mil viagens, sendo 64,6% formados por homens e 35,4% por mulheres. Ademais, 2,5 milhões de pessoas morreram durante o translado. Sendo que 5,8 milhões de escravos foram enviados para o Brasil através de embarcações portuguesas, o Brasil foi o maior destino de escravos do tráfico negreiro nas Américas durante três séculos, 1560 a 1850.
Ademais, o grau de violência na captura de negras e negros do continente africano e o processo de desumanização e, em seguida, a sua transformação em simples mercadorias dispostas no comércio ultramarino sendo refém dos anseios do capital, portanto, o violento nascimento do capitalismo está totalmente associado a escravidão do povo negro servindo como alavanca do processo de acumulação originária. (Wiliams, 2012)[2].
Por conseguinte, uma das principais determinantes do período escravagista foi o caráter violento na captura do povo africano viabilizado através de mecanismo de tortura, sequestro e dominação de corpos negros.
Logo, a realização de desaparecimentos forçados não origina-se apenas no período da ditadura empresarial-militar na América Latina, e sim, ao longo de todo brutal processo de colonização do continente, marcado pelo extermínio dos povos originários, subjugação dos povos africanos, pilhagem, espoliação e destruição de recursos naturais, entre outros processos dramáticos de humilhação e subordinação das colônias para inserção subordinada do países latino-americanos na fase industrial do capitalismo mundial.
Os métodos de desaparecimentos forçados de corpos foram utilizados constantemente como forma de terror do Estado em diferentes tempos históricos e sob distintas condições. Entretanto, ressalta-se que nos dramáticos anos de ditadura empresarial-militar na América Latina, o desaparecimento forçado de pessoas foi empregado como instrumento político de amplo cerceamento de liberdade e cassação de direitos políticos.
O caráter de privação de liberdade através da captura, sequestro, tortura, mutilação e outros métodos torpes de desumanização e controle de corpos durante a vigência do período ditatorial brasileiro deixaram marcas latentes na memória social e na atuação política da sociedade até os dias atuais.
Em que as frações de elite e organizações políticas (internas ou não ao Estado) que possuem o monopólio de poder econômico e político na sociedade utilizam-se de formas de captura, torturas e execuções para eliminar seus opositores políticos. Haja vista, pela primeira vez nos últimos 17 anos, o Brasil não ficou em 1° lugar no ranking dos países que mais assassinam defensoras e defensores de direitos humanos. Segundo, o relatório “Inimigos do Estado?” da Global Witness, o Brasil encontra-se na 4° posição do ranking de execuções de ativistas de direitos humanos, ficando atrás de países como Filipinas, Colômbia e Índia.
Por conseguinte, no Brasil não há uma tipificação para os crimes de desaparecimento forçados mesmo havendo inúmeras recomendações internacionais sobre a temática e principalmente sobre o grau de omissão do Estado sobre os incontáveis casos de desaparecimentos de corpos que ocorrem em áreas periféricas e faveladas. Os casos que deveriam ser tipificados como desaparecimento forçados são alocados de forma decadente e leviana na categoria de pessoas desaparecidas.
Ao longo dos anos 2000, quase 87 mil pessoas desapareceram no estado do Rio de Janeiro. No gráfico abaixo, podemos observar que com a implementação e expansão da UPP na área metropolitana do Rio de Janeiro, os casos de pessoas desaparecidas registraram uma trajetória pujante de crescimento. Em 2003 foram 4.800 casos de desaparecimentos, um aumento de 32% em relação a 2015, um total de 6.348 pessoas desaparecidas. Apenas em 2019, o Instituto de Segurança Pública registrou 2.807 casos de desaparecimento em todo o estado.
Gráfico 1 – Pessoas Desaparecidas e Autos de Resistência no Estado do Rio de Janeiro
Fonte: Instituto de Segurança Pública; Elaboração Própria.*Dados até Julho de 2019.
A completa ausência da categorização sobre desaparecimentos forçados evidencia o nítido desinteresse político para investigações desses casos. Afinal, a maior parcela dos casos de desaparecimentos forçados envolvem agentes ou ex-agentes de segurança pública e/ ou pessoas da estrutura institucional do próprio Estado.
Os casos de autos de resistências são emblemáticos em como a execução e descarte de vidas ocorre de forma cotidiana e sistemática em áreas periféricas, sendo esses territórios os que mais sofrem com as intensas violações cometidas pelo Estado. Ao observar a trajetória de autos de resistência em todo o Rio de Janeiro, destaca-se o crescimento exponencial dos registros de assassinatos cometidos por intervenção policial a partir da UPP e da expansão das áreas de controle das milícias. Em 2018, foram registrados 1534 vidas ceifadas devido aos autos de resistência, um aumento de 36% em relação ao ano anterior. O maior número de assassinatos cometidos por agentes do estado de toda a série histórica!
Entretanto, a maior parcela das violações cometidas pelo Estado não chegam a ser registradas. Além da problemática das subnotificações, as metodologias utilizadas pelos órgãos oficiais não são disponibilizadas para livre acesso e os procedimentos metodológicos são alterados de acordo com os interesses do Estado para esconder a ineficiência da política de segurança pública que não trata o enfrentamento do racismo institucional como uma questão estrutural.
Os efeitos da radicalização do discurso genocida e altamente militarizado do governo atual traz à tona a necessidade de discutir o modelo retrógrado de segurança pública brasileiro que têm como alvo a juventude negra periférica, em que a “guerra às drogas” resulta em encarceramento em massa e legitimação do extermínio dos corpos negros que podem ser executáveis a qualquer momento.
De 2010 à 2018, 3.725 pessoas foram executadas por intervenção de agentes do Estado na Baixada, esses dados ratificam o racismo estrutural e institucional no processo de extermínio do povo preto, pobre e periférico.
Apenas nos 5 meses de 2019, 531 pessoas desapareceram, um aumento de 6,2% em relação ao mesmo período de 2018. Entretanto, os dados oficiais não representam a realidade brutal da Baixada, considerando a recorrente problemática da subnotificação nos casos de homicídios e desaparecimentos.
Aproximadamente 60% do total de pessoas desaparecidas no estado ocorrem na Baixada Fluminense. A metodologia dos dados oficiais não engloba os casos de desaparecimentos forçados dificultando ainda mais a possibilidade de quantificar o real número de pessoas vítimas da violência urbana que são executadas pelo Estado.
O perfil das vítimas, em geral, é o de jovens, pretos e pardos, com baixa escolaridade, do sexo masculino e moradores de favelas e periferias. O histórico de violência urbana na Baixada Fluminense é marcado pelo cotidiano desaparecimento de corpos, mortes que são ignoradas pelas estatísticas oficiais. As Mães de vítimas da violência do Estado recebem informações diárias de jovens que sofreram esse tipo de violação. Na maioria dos casos, os desaparecimentos forçados ocorrem com o envolvimento da própria polícia militar, polícia civil e da milícia que atuam nos territórios.
Atualmente, as áreas com maior número de denúncias e depoimentos de desaparecimentos forçados são as áreas de controle de milícias que de forma arbitrária e violenta encarceram, assassinam e desaparecem com os corpos dessas pessoas. Os corpos são descartados em cemitérios clandestinos ou rios para impedir a identificação das vítimas.
Há um processo de acirramento da disputa territorial entre frações de milícias na Baixada nos últimos meses. Conforme informações sistematizadas pela IDMJR, em 2019 mais de 50 pessoas foram executadas e tiveram seus corpos torturados, mutilados e deixados à margem do Rio Guandu em Nova Iguaçu. Ocorreu também uma chacina em Belford Roxo, no bairro Vila Dagmar, em que 4 pessoas foram assassinadas e 16 pessoas feridas em um bar da região. E após uma investigação sobre milícias em Itaboraí, um cemitério clandestino foi encontrado sendo utilizado para descartar corpos no município.
Apesar de nosso país ter assinado em 1994 a Convenção Interamericana de Desaparecimentos Forçados de Pessoas, a prática hedionda persiste no Brasil, especialmente contra os mais pobres e negros. Falta um marco legal no Brasil. Projetos de leis sobre Desaparecimentos forçados já estiveram em discussão no Congresso Federal, mas nunca o Estado teve vontade política de votá-los e aprová-los, qual seria o motivo?
O Brasil, como signatário da Convenção está comprometido a não praticar, nem permitir, nem tolerar o desaparecimento forçado de pessoas; responsabilizando os autores desses crimes a partir do seu sistema de justiça. Fica então a pergunta: o que o Estado brasileiro está fazendo efetivamente para reduzir os desaparecimentos forçados? A pergunta gera incômodo ao constatarmos o envolvimento do próprio Estado, por ação ou omissão. Diante do problema, realizar estudos e pesquisas sobre o tema é garantir a democracia brasileira a construção de uma memória coletiva que sirva para a luta por reivindicação de mudanças estruturais históricas.
Portanto, fica evidente a necessidade de garantir a criação da tipificação da categoria desaparecimento forçados para estimular a investigação e elucidação desses inúmeros casos de privação de liberdade. O Estado deve ser responsabilizado por esse tipo de violação e garantir a reparação econômica e psicossocial para as vítimas e familiares.
Referências e notas[editar | editar código-fonte]
- ↑ Nota: Artigo retirado pela equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco de publicação realizada em 01 de setembro de 2020 no site da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial.
- ↑ WILLIAMS, Eric. Capitalismo e escravidão. Primeira edição: 1944/Tradução: Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.