A História vista da laje as favelas e suas possibilidades de análise pelo olhar historiográfico: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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  Autoria: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior, Yasmin Jardim Moreira
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O presente verbete faz parte do trabalho final da disciplina "Clássicos e Contemporâneos sobre Favelas", lecionado pela Prof.ª Doutora Palloma Menezes, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), no primeiro semestre de 2024. Este verbete corresponde a aula aberta de número 8, realizado no dia 09 de maio, e contou com a participação do Prof. Doutor Mauro Amoroso (PROFHISTORIA/UERJ e FFP/UERJ). Este verbete foi escrito a oito mãos por alunos e alunas da pós-graduação inscritos na disciplina, sendo eles: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior e Yasmin Jardim Moreira. Neste verbete, objetivamos analisar e apresentar os dois textos, ambos indicados pelo Prof. Mauro Amoroso, que compõem a bibliografia obrigatória da disciplina ao leitor. Por fim, sintetizamos o debate realizado presencialmente em sala, no campus IESP-UERJ, tecidos coletivamente entre o Prof. Mauro Amoroso, a Prof.ª Palloma Menezes, colegas da disciplina e os debatedores.  
O presente verbete faz parte do trabalho final da disciplina "Clássicos e Contemporâneos sobre Favelas", lecionado pela Prof.ª Doutora Palloma Menezes, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), no primeiro semestre de 2024. Este verbete corresponde a aula aberta de número 8, realizado no dia 09 de maio, e contou com a participação do Prof. Doutor Mauro Amoroso (PROFHISTORIA/UERJ e FFP/UERJ). Este verbete foi escrito a seis mãos por alunos e alunas da pós-graduação inscritos na disciplina, sendo eles: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior e Yasmin Jardim Moreira. Neste verbete, objetivamos analisar e apresentar os dois textos, ambos indicados pelo Prof. Mauro Amoroso, que compõem a bibliografia obrigatória da disciplina ao leitor, e que podem ser conferidas [https://wikifavelas.com.br/index.php/Cl%C3%A1ssicos_e_contempor%C3%A2neos_sobre_favelas_Curso_IESP-UERJ#A_Hist%C3%B3ria_vista_da_laje:_as_favelas_e_suas_possibilidades_de_an%C3%A1lise_pelo_olhar_historiogr%C3%A1fico aqui]. Por fim, sintetizamos o debate realizado presencialmente em sala, no campus IESP-UERJ, tecidos coletivamente entre o Prof. Mauro Amoroso, a Prof.ª Palloma Menezes, colegas da disciplina e os debatedores.  


==== Os textos ====
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Edição das 12h47min de 20 de junho de 2024


Estudo relacionado ao trabalho: Clássicos e contemporâneos sobre favelas: Curso IESP-UERJ.

Autoria: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior, Yasmin Jardim Moreira
MAURO AMOROSO

O presente verbete faz parte do trabalho final da disciplina "Clássicos e Contemporâneos sobre Favelas", lecionado pela Prof.ª Doutora Palloma Menezes, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), no primeiro semestre de 2024. Este verbete corresponde a aula aberta de número 8, realizado no dia 09 de maio, e contou com a participação do Prof. Doutor Mauro Amoroso (PROFHISTORIA/UERJ e FFP/UERJ). Este verbete foi escrito a seis mãos por alunos e alunas da pós-graduação inscritos na disciplina, sendo eles: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior e Yasmin Jardim Moreira. Neste verbete, objetivamos analisar e apresentar os dois textos, ambos indicados pelo Prof. Mauro Amoroso, que compõem a bibliografia obrigatória da disciplina ao leitor, e que podem ser conferidas aqui. Por fim, sintetizamos o debate realizado presencialmente em sala, no campus IESP-UERJ, tecidos coletivamente entre o Prof. Mauro Amoroso, a Prof.ª Palloma Menezes, colegas da disciplina e os debatedores.

Os textos

O artigo “Memória, propriedade e resistência: a trajetória da moradia como acesso ao direito à cidade na favela de Vila Operária”, da autoria de Mauro Amoroso, é bastante elucidativo de sua principal proposta analítica: pensar uma história das favelas que não se limite exclusivamente à perspectiva das intervenções estatais. Ao propor uma história social que analise as trajetórias e narrativas dos moradores e moradoras que construíram, constroem e habitam esses espaços, Amoroso privilegia uma dimensão, parte dos estudos marginalizados das Ciências Sociais e da História, que nos permite enxergar as resistências e as diferentes formas de ocupação daqueles espaços ao longo de suas trajetórias.

No presente artigo, publicado no ano de 2018, o autor centra sua análise a partir de Djanira, uma das moradoras mais eloquentes da favela de Vila Operária, que narra, em uma série de relatos acentuados, suas memórias, percepções e certos rumores sobre o surgimento deste território, localizado em Duque de Caxias, no primeiro distrito da Baixada Fluminense, além das mudanças sociais e econômicas que passaram a transcorrer ao longo dos anos. Através das ferramentas metodológicas oferecidas pela história oral, Amoroso explora como a ocupação e formação da favela ocorrem através de uma certa continuidade da luta coletiva entre os moradores e moradoras da Vila Operária.

É por meio das descrições de pessoas que construíram suas casas a partir da ajuda comunitária e das situações que possibilitaram isso que pode-se observar como o direito à propriedade é profundamente frágil nesse espaço, o que por sua vez dialoga diretamente com o direito a ocupar a cidade. Isso se dá nos mutirões e na autoconstrução, aspectos essenciais para a formação de laços de solidariedade e para o pertencimento ao território. Estas perspectivas, que iluminam determinados processos, dificilmente são abordadas quando a história das favelas é visada centralizando esforços apenas nos movimentos estatais de ordenamento do espaço urbano ou na violência militarizada.

Um conceito trabalhado pelo autor que ocupa centralidade em seus escritos e possibilita enxergar as favelas como espaços de resistência é o de “moradia popular”. Para Amoroso, esta é uma categoria mais ampla do que os termos "favela", "subúrbio" ou "periferia", e fica evidente na própria nomenclatura seu caráter social e de resistência à ordem institucional. Também nos permite pensar esses espaços para além de uma cidade específica, como o Rio de Janeiro, em que o uso do termo "favela" é bastante disseminado, o que não ocorre em outros centros urbanos, como em São Paulo, por exemplo, mas que ainda assim apresenta fenômenos sociais semelhantes aos do Rio. Destarte, Amoroso também reconhece a pertinência da ideia de “periferia urbana” que, como trabalhado por Raúl Zibechi, também permite sublinhar os espaços de resistência das classes populares, e dispõe de elasticidade para abranger dinâmicas territoriais de outras regiões.

A preocupação do autor em trabalhar os espaços de periferia urbana para além do Rio de Janeiro fica expressa no artigo “Sobre 'periferias urbanas' e 'favelas': análise da produção acadêmica sobre os espaços urbanos de moradia popular no Rio de Janeiro e em São Paulo”, que conta com a co-autoria de Diego Edmilson Peralta.  Nele, Amoroso e Peralta fazem um levantamento extenso da produção acadêmica de programas de pós-graduação relacionados ao campo dos estudos urbanos, entre o Rio de Janeiro e São Paulo, com o recorte temporal que abrange de 1987 a 2015.

Visando mapear quantitativamente algumas das diferenças em relação: às temáticas abordadas, as áreas do conhecimento, os centros acadêmicos em que foram produzidas, o gênero dos autores, entre outras informações, os autores selecionaram 224 teses de doutorado. O artigo chega a algumas conclusões que apontam para importantes especificidades, como a prevalência de estudos sobre violência no Rio de Janeiro, ou a influência da Educação como área de conhecimento relevante em São Paulo, mas sinaliza também para convergências, como o peso dos programas de Ciências Sociais em tais produções ou da prevalência de abordagens sobre pobreza e desigualdade.

Do debate conduzido em sala de aula

Frente a riqueza empírica que seus dois trabalhos suscitam, a exposição do Prof. Mauro Amoroso fora permeado pelo seu cíclico esforço de tecer novas temporalidades para se pensar o Brasil, estabelecendo uma periodicidade a partir da história das favelas. Dentre os desafios elencados, sobretudo dentro da sua grande área de concentração (História), Amoroso coloca a História Oral como principal alternativa metodológica para os historiadores que se afastam da visão canônica e procuram pensar a história para além da linha temporal da ação estatal. Em sua fala, afirma: "parece que quem inventou a favela foi o Estado, pelo contrário, o Estado na maior parte do tempo luta para erradicar as favelas".

O debate suscitado em sala, tecido em conjunto com os alunos, debatedores, o professor convidado e a Prof. Palloma Menezes, teve como centralidade o pensar a história, sobretudo do Rio de Janeiro, a partir das favelas. Não seria equívoco afirmar que o Rio de Janeiro nasce dos morros e das resistências marginais produzidas nestes espaços. Cercado por mobilizações sociais, onde se criam memórias daquela comunidade que são transmitidas oralmente para novas gerações, estas ações coletivas apresentam-se como fundamentais para o desenvolvimento estratégico de organizações comunitárias, através da criação de redes de solidariedade que tecem alternativas às desigualdades urbanas e as ameaças de permanência dos moradores. Dentro do olhar estatal, as favelas são tratadas sobre a chave do controle, vide os anos 1980, orientado pelas remoções e, desde 2008, com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora(UPP). Em seu texto sobre a Vila Operária, temos outro contexto devido a sua localização ser na Baixada Fluminense, o que torna as redes de mobilizações sociais ali estabelecidas não apenas contra um controle do Estado, mas principalmente uma ferramenta para lidar com desigualdades socioeconômicas.

Em suas obras e na apresentação da aula, Amoroso propõe a todo momento desviar do olhar comum que associa favelas a uma área urbana apenas categorizada pela violência, em vez disso destaca o potencial desses espaços como forte senso comunitário e resistência. Em muitos exemplos é destacado que um dos maiores atos de resistência é a garrafada e o feijão compartilhado entre vizinhos e familiares após um mutirão na construção de uma casa, casa essa que é construída aos poucos por todos, como citado no debate pela professora Mariana Cavalcanti  “a casa da favela nunca está pronta”. Essas construções e suas relações com o espaço da casa representam espaços de memória e valores de resistência daquela comunidade.

Por fim, a reflexão conjunta também desenhou-se para as diferenças regionais entre Rio de Janeiro e São Paulo, ou entre a favela e a quebrada. Afinal, a conceitualização sobre os espaços da favela carregam grande influência das produções cariocas sobre a temática. Em suas considerações finais, Amoroso elenca as reveses de acesso aos acervos e documentação das favelas na Baixada Fluminense, indicando certa fragilidade nos arquivos históricos da região, sentimento este que foi expressado coletivamente pelos pesquisadores e alunos da região que estavam presentes na aula aberta. Como alternativa para fazer com que a memória de moradores e moradoras e os resultados etnográficos da história oral sejam circulados, com acesso livre ao público, o professor Mauro Amoroso, em conjunto com os alunos e alunas da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, além de alunos de pós-graduação, voluntários e parceiros, desenvolveram como estratégia a publicação de suas pesquisas no Dicionário de Favelas Marielle Franco - Wikifavelas, onde é possível conferir a transcrição do depoimento de Djanira Lopes, e de outras 15 pessoas que foram entrevistadas, além de um breve resumo sobre a história da Vila Operária.

Bibliografia:

  • Amoroso, Mauro. Memória, propriedade e resistência: a trajetória da moradia como acesso ao direito à cidade na favela de Vila Operária. O Social em Questão, v. ano 21, p. 169-188, 2018.
  • Amoroso, Mauro.; Peralta, D. E. . Sobre "periferias urbanas" e "favelas": análise da produção acadêmica sobre os espaços urbanos de moradia popular no Rio de Janeiro e em São Paulo. Acervo: Revista do Arquivo Nacional, v. 36, p. 1-30, 2023.

    Debatedoras/es: Alyssa Ribeiro Perpeto Trotte, Brauner Geraldo Cruz Junior, Yasmin Jardim Moreira