Prisões indevidas e inocentes encarcerados: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Cotidianamente pessoas negras e moradoras de favelas são criminalizadas no Rio de Janeiro. Em meio a diversas situações de racismo, a experiência prisional se torna uma preocupação iminente - principalmente para os homens negros - mesmo nas situações em que nenhum crime tenha sido  cometido. Nos últimos anos, algumas tecnologias, como o reconhecimento facial, ou mesmo o reconhecimento fotográfico, contribuíram para que pessoas negras fossem presas de forma indevida. Este verbete pretende apresentar alguns desses casos.
Cotidianamente pessoas negras e moradoras de favelas são criminalizadas no Brasil. Em meio a diversas situações de racismo, a experiência prisional se torna uma preocupação iminente - principalmente para os homens negros - mesmo nas situações em que nenhum crime tenha sido  cometido. Nos últimos anos, algumas tecnologias, como o reconhecimento facial, ou mesmo o reconhecimento fotográfico, contribuíram para que pessoas negras fossem presas de forma indevida. Este verbete pretende apresentar alguns desses casos.
  Autoria: Kharine Gil
  Autoria: Kharine Gil



Edição das 21h16min de 19 de julho de 2024

Cotidianamente pessoas negras e moradoras de favelas são criminalizadas no Brasil. Em meio a diversas situações de racismo, a experiência prisional se torna uma preocupação iminente - principalmente para os homens negros - mesmo nas situações em que nenhum crime tenha sido cometido. Nos últimos anos, algumas tecnologias, como o reconhecimento facial, ou mesmo o reconhecimento fotográfico, contribuíram para que pessoas negras fossem presas de forma indevida. Este verbete pretende apresentar alguns desses casos.

Autoria: Kharine Gil

Relatório: Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ)

A DPE-RJ produziu um relatório feito por meio de inquéritos de 2023, em que foram revisadas 109 investigações sobre roubos que ocorreram entre janeiro de 2022 e junho de 2023 e resultaram em prisões. A pesquisa foi realizada com o objetivo de verificar se a resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estava sendo cumprida, e mostrou como resultado que pelo menos 81% dos reconhecimentos feitos na delegazia foram realizados apenas por fotos.[1]

No entanto, a resolução 484 do CNJ estabelece que o reconhecimento deve ser feito “preferencialmente pelo alinhamento presencial de pessoas e, em caso de impossibilidade devidamente justificada, pela apresentação de fotografias”. Além disso, é determinado que a testemunha ou a vítima descreva o autor do crime antes do momento de reconhecimento, porém, na prática, o estudo demonstra que estas regras não estão sendo cumpridas.[1]

O relatório demonstrou que pelo menos 83% dos erros de reconhecimento aconteciam com pessoas negras e estas pessoas ficavam em média 181 dias presas indevidamente.

Os pesquisadores também observaram que a média de tempo entre a data do crime e a data do reconhecimento em delegacia era de pelo menos 51 dias. Contudo, é possível verificar alguns casos ainda mais alarmantes que isso, como uma diferença de 416 dias (14 meses) entre o ocorrido e o reconhecimento.

Sabemos que estar em privação de liberdade no sistema prisional significa estar em isolamento, além do aprofundamento de vulnerabilidades, muitas vezes em situação de fome e insalubridade. Ninguém deve estar inserido em tal contexto de punição e precariedade, mas é importante ter um olhar atento e ativo para aqueles que sequer cometeram algum tipo de ação ilícita e tiveram a prisão decretada.

Casos de inocentes presos pela polícia do Rio de Janeiro

Preso enquanto comprava pão no Jacarezinho

Yago Corrêa de Souza - preso após ir comprar pão

O entregador Yago Corrêa de Souza, de 21 anos, foi preso pela polícia após sair de uma padaria no Jacarezinho, Zona Norte do Rio de Janeiro.

Em fevereiro de 2022, Yago, que é um homem negro, foi abordado pela PMRJ ao sair de uma padaria, momento que caminharia de volta para o churrasco onde estava confraternizando. Além dele, outro adolescente também foi detido e ambos foram encaminhados para a delegacia.[2]

Os policiais que realizaram a abordagem encontraram com o adolescente uma bolsa que continha drogas e deduziram que os dois estavam juntos.

Apenas após a prisão, agentes da delegacia observaram que as drogas não estavam com Yago e ele não conhecia o adolescente. Mesmo assim, ele ficou detido por um período na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, aguardando a audiência de custódia.[3]

Ainda que ele tenha sido liberado na audiência, tendo em vista que não havia provas o suficientes para comprovar o crime, Yago ainda responderá pelo processo.[3]

14 vezes acusado de roubo

Claudio de Oliveira - acusado 14 vezes

O motoboy Claudio Junior Rodrigues de Oliveira, de 24 anos e morador de São Gonçalo, criou o costume de tirar selfies todos os dias: no momento que acorda, quando chega no trabalho e ao retornar para casa. Esta estratégia de defesa foi elaborada por ele após ter sido acusado de roubo por 14 vezes, em razão de ter sido identificado por fotos em um álbum de suspeitos que está em delegacias.

Ele já foi absolvido por 13 vezes até o momento, pois quando as vítimas o encontraram pessoalmente, não o reconheceram como o autor dos crimes.

Em um destes casos, a vítima não o reconheceu, mas mesmo assim a juíza sentenciou Claudio a uma pena de 5 anos, que foi cumprida por2 anos em regime fechado, 2 anos no semiaberto e 1 ano e alguns meses na condicional.

Claudio relatou em entrevista como a prisão afetou sua vida e seus sonhos:

Eu fazia o terceiro ano [do ensino médio] e estávamos em período de prova, porque fiquei em recuperação. Nisso eu fui preso. Minha vida era normal, tinha planos e sonhos, trabalhava como frentista, saía com meus amigos. Era tranquilo. Pretendia realizar esse sonho que também era da minha avó. Agora, eu não posso prestar concurso público, porque tem uma pesquisa social em uma das etapas. Ter sido condenado me impede de seguir.".[4]

Com as acusações injustas, sua família precisou vender quentinhas e fazer rifas de perfumes para suportar as custas processuais que surgiram por meio das acusações. Curiosamente, nas várias audiências que participou, Claudio tomou ciência que algumas vítimas diziam que a foto dele não tinha sequer sido mostrada na delegacia.[5]

Fotos do Facebook no álbum de suspeitos

Danilo Félix - acusado injustamente

O jovem Danilo Félix, de 24 anos, ficou 55 dias preso por um crime que não cometeu. Em 2020 ele foi abordado na rua, em Niterói, Leste Fluminense, por policiais descaracterizados que o algemaram violentamente enquanto perguntavam seu nome.

Ele tomou ciência de estar sendo acusado de roubo apenas dois dias após ter sido detido, quando já estava acautelado no presídio José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio. Nesse momento sua advogada informou que a vítima de um assalto a mão armada o teria reconhecido em uma fotografia no álbum de suspeitos da delegacia. No entanto, Danilo nunca teve passagem pela polícia e por isso não entendeu como uma imagem sua poderia ter parado por lá.

Posteriormente ele descobriu que a foto havia sido retirado de uma postagem do Facebook feita em 2017.

A polícia nunca esclareceu como uma foto oriunda da internet pode ter sido colocada no álbum de suspeitos, e nem mesmo o Ministério Público prestou um posicionamento sobre a situação.

O jovem ficou quase dois meses em privação de liberdade até que em uma audiência a pessoa que o reconheceu anteriormente disse que Danilo não tinha semelhanças com o assaltante. Quando conseguiu sair da prisão descobriu que estava sendo acusado injustamente nas mesmas circunstâncias, mas conseguiu o direito de responder em liberdade e a vítima voltou atrás, dizendo que não havia sido ele. Ocorreu o arquivamento do processo e ele não foi indiciado.[6]

Infelizmente ocorreu pela terceira vez uma acusação indevida para Danilo: o delegado da 76°  Delegacia de Polícia (DP) de Niterói não realizou o reconhecimento presencial com as vítimas de um crime e o indiciou a partir de uma fotografia.

A advogada Juliana Sanches, que integra o Instituto de Defesa da População Negra (IDPN), organização que assumiu o caso de Danilo, disse que a audiência contou com a presença de todos os envolvidos. Segundo ela, as duas vítimas alegaram não se lembrarem das características dos acusados e chegaram a informar aos policiais na ocasião, porém, mesmo assim, foram pressionadas ao reconhecimento. Por sua vez, o policial envolvido alegou não se recordar do caso.[7]

BASTA!

Além dos casos apresentados, diariamente diversas