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Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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''''A força do capoeira, ninguém vai poder tirar''
Mestre Ramos, capoeirista desde os 15 anos quando começou a treinar em Olaria, é um agente da cultura popular afro-brasileira. Com trabalhos no Rio de Janeiro e outros estados e até países, promove a capoeira como resistência e ancestralidade, especialmente em comunidades periféricas. Criador de eventos e iniciativas para expandir a cultura capoeirista, como o Grupo Senzala de Capoeira e o Intercâmbio Cultural Roda Mundo Capoeira, ele fortalece a identidade cultural e a solidariedade negra com integração de grupos distintos.
Autoria: <bdi>Náthaly</bdi>
 
== História ==
<blockquote><nowiki>''</nowiki>''A força do capoeira, ninguém vai poder tirar''
''Porque já nasce com ele, é a força que Deus lhe dá''
''Porque já nasce com ele, é a força que Deus lhe dá''
''O mundo pode dar voltas, porque voltas o mundo dá''
''O mundo pode dar voltas, porque voltas o mundo dá''
''Não existe uma rasteira que possa lhe derrubar''
''Não existe uma rasteira que possa lhe derrubar''
''- Mestre Ramos''''
''- Mestre Ramos<nowiki>''</nowiki>''</blockquote>José Luís Ramos, nascido em 11 de agosto de 1958, em Paraíba do Sul-RJ, começou a treinar capoeira aos 15 anos, em Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro, com o Mestre Cauã, de 1973 a 1976, depois com Mestre Paulo Morfacto de 1976 a 1979. Em 1979 iniciou no Grupo Senzala de Capoeira. Na década de 90 se tornou corda vermelha, compondo o quadro dos mestres do grupo. Desde então, Mestre Ramos, como é conhecido, desenvolve trabalhos com capoeira nos bairros do subúrbio do Rio de Janeiro, em outros estados como Minas Gerais, Espírito Santo, Campinas-SP, Cuiabá-MT e em outros países como Itália e Espanha.
 
José Luís Ramos, nascido em 11 de agosto de 1958, em Paraíba do Sul- RJ, começou a treinar capoeira aos 15 anos, em Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro, com o Mestre Cauã, de 1973 a 1976, depois com Mestre Paulo Morfacto de 1976 a 1979. Em 1979 iniciou no Grupo Senzala de Capoeira. Na década de 90 se tornou corda vermelha, compondo o quadro dos mestres do grupo. Desde então, Mestre Ramos, como é conhecido, desenvolve trabalhos com capoeira nos bairros do subúrbio do Rio de Janeiro, em outros Estados como Minas Gerais, Espírito Santo, Campinas-SP, Cuiabá - MT e em outros países como Itália e Espanha.
 
Em 2004, Mestre Ramos lança o evento “Intercâmbio Cultural Roda Mundo Capoeira” que reúne grandes nomes da capoeira por todo o Brasil, vindo também alunos de fora do país. São 20 anos de evento, que reúne cerca de 500 praticantes e simpatizantes dessa arte em quatro dias de evento. Para além de aulas de capoeira, há outras manifestações afro-brasileiras como maculelê, jongo, samba de roda, apresentações artísticas e rodas de conversas com mestres de todo Brasil. Esse trabalho foi um dos notórios que colaboraram para a preservação da capoeira no território carioca.
 
Ao retomarmos a trajetória do Mestre, encontramos que este iniciou um de seus primeiros trabalhos de capoeira em 1992 no emblemático e populoso território de  Bangu, bairro na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Na época, morando em Senador Camará, já era frequentador do Grupo Senzala - grupo que possui algumas particularidades, cuja sua área de abrangência é a zona sul do Rio de Janeiro - e grande defensor da metodologia e qualidade de se fazer capoeira do grupo.
 
O sonho de levar essa forma diferenciada de se fazer capoeira, como um movimento cultural além só de uma prática marcial, Mestre Ramos foi o primeiro do Grupo Senzala a desenvolver um trabalho nessas áreas mais distantes do centro da cidade, rompendo estruturas importantes para a relação da capoeira com a população preta e suburbana da cidade do Rio. Tal pontuação se torna um interessante campo de reflexão quando retomamos referências teóricas como a de Licia Valladares (2005) que delineia o claro movimento de levada dessas maiorias minorizadas da população carioca ao afastamento dos grandes centros como resolução de um problema urbano encarado pela burguesia dependente carioca: o da formação das favelas. Movimento este permeado, de forma direta e/ou indireta por intervenções do Estado, e por um Medo Social (BATISTA, 2003) que em muito diz sobre a conformação da sociabilidade brasileira que está longe de ter sido formada em uma relação harmoniosa entre casa grande e senzala. “Principalmente porque a base histórica de tudo isso não foi uma relação de equilíbrio entre Casa Grande e Senzala, mas a tensão existente a partir das rebeliões da senzala, conforme afirma Clóvis Moura.”(OLIVEIRA, p.144, 2021).
 
O primeiro passo dado pelo Mestre é o de uma locação para o projeto, este, que acaba se alocando no simbólico Calçadão de Bangu, entre uma academia de karatê e musculação. Em uma importante recuperação e forma de resistência da cultura afro-brasileira, o projeto contemplou diversas pessoas das comunidades da Zona Oeste. Os alunos vinham em grande parte das favelas das redondezas como Vila Aliança, Vila Kennedy, Senador Camará, entre outras, como também de grandes bairros como Padre Miguel, Campo Grande, Santa Cruz e adjacências contando com cerca de 300 alunos.  


Deve-se contextualizar acerca das favelas que são, desde sua gênese, um espaço ocupado por uma população marginalizada que resiste às violência de uma ordem social que fundamenta-se na exploração do homem pelo homem. Tendo isso em vista, Valladares (2005) nos indica que se constrói sobre as favelas a ideia de problema social e junto dela suas práticas e costumes. De maneira similar podemos pensar quanto a prática da capoeira que no código penal de 1890 foi considerado um ato criminoso, esse fato está associado a construção da visão higienista sobre a população preta- que compõe grande parte das pessoas que moram nas favelas.
Em 2004, [https://www.instagram.com/capoeiramos/ Mestre Ramos] lança o evento “[https://www.facebook.com/rodamundocapoeira/ Intercâmbio Cultural Roda Mundo Capoeira]” que reúne grandes nomes da capoeira por todo o Brasil, vindo também alunos de fora do país. São 20 anos de evento, que reúne cerca de 500 praticantes e simpatizantes dessa arte em quatro dias de evento. Para além de aulas de capoeira, há outras manifestações afro-brasileiras como maculelê, jongo, samba de roda, apresentações artísticas e rodas de conversas com mestres de todo Brasil. Esse trabalho foi um dos notórios que colaboraram para a preservação da capoeira no território carioca.


<sub>Os capoeiras seriam, então, indivíduos desviantes e desviados da ordem estabelecida e que, atuando nas ruas com suas armas em punho, representavam um perigo que precisava ser controlado para o “bem da civilização” (OLIVEIRA,2005, p. 121)</sub>
== Primeiros trabalhos ==
Ao retomarmos a trajetória do Mestre, encontramos que este iniciou um de seus primeiros trabalhos de capoeira em 1992 no emblemático e populoso território de Bangu, bairro na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Na época, morando em Senador Camará, já era frequentador do Grupo Senzala - grupo que possui algumas particularidades, cuja sua área de abrangência é a zona sul do Rio de Janeiro - e grande defensor da metodologia e qualidade de se fazer capoeira do grupo.


Nesse sentido, o ser capoeira e estar em favelas produz toda uma estética que o Estado tenta dizimar. Em contrapartida, no que tange a disputa desse território dos valores que se estabelecem ali, Mestre Ramos desenvolve um trabalho com o objetivo de criar naqueles que praticam a arte o sentimento de pertencimento e orgulho para com os valores ancestrais, contribuindo, então, para a construção de uma consciência coletiva à parte de referenciais de uma civilização ocidentalizada.  
O sonho de levar essa forma diferenciada de se fazer capoeira, como um movimento cultural além só de uma prática marcial, Mestre Ramos foi o primeiro do Grupo Senzala a desenvolver um trabalho nessas áreas mais distantes do centro da cidade, rompendo estruturas importantes para a relação da capoeira com a população preta e suburbana da cidade do Rio. Tal pontuação se torna um interessante campo de reflexão quando retomamos referências teóricas como a de Licia Valladares (2005)<ref>[https://editora.fgv.br/produto/a-invencao-da-favela-do-mito-de-origem-a-favela-com-1702 VALLADARES, Licia. A Invenção da Favela: do mito de origem a favela.com. Cap. 1 - A transformação da favela em problema. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2005.]</ref> que delineia o claro movimento de levada dessas maiorias minorizadas da população carioca ao afastamento dos grandes centros como resolução de um problema urbano encarado pela burguesia dependente carioca: o da formação das favelas. Movimento este permeado, de forma direta e/ou indireta por intervenções do Estado, e por um Medo Social (BATISTA, 2003<ref>[https://www.revan.com.br/produto/medo-na-cidade-do-rio-de-janeiro-o-282 BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 1.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.]</ref>) que em muito diz sobre a conformação da sociabilidade brasileira que está longe de ter sido formada em uma relação harmoniosa entre casa grande e senzala. “Principalmente porque a base histórica de tudo isso não foi uma relação de equilíbrio entre Casa Grande e Senzala, mas a tensão existente a partir das rebeliões da senzala, conforme afirma Clóvis Moura.”(OLIVEIRA, p.144, 2021<ref>[https://dandaraeditora.com.br/produto/racismo-estrutural-uma-perspectiva-historico-critica/ OLIVEIRA, Dennis de. Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica. - 1ª ed. - São Paulo: Editora Dandara, 2021.]</ref>).


Os mestres  se configuram como importantes líderes das suas comunidades de capoeira, constroem ideais na coletividade e realizam mobilizações com potencialidades políticas na afirmação de direitos de uma população. Em entrevista, mestre Ramos fala sobre as necessidades para a prática atual de capoeira que estão relacionadas diretamente às condições de subsistência, o qual atravessa os moradores das favelas do Rio. Antes de tudo, é necessário ter o que comer, como chegar e ter para onde voltar. Contudo, Mestre Ramos conduz seu trabalho mesmo diante os entraves da ausência do Estado no território, conta a colaboração da comunidade da capoeiragem. Uma população que só percebe o Estado em sua face opressora se reinventa na solidariedade de suas próprias comunidades.
O primeiro passo dado pelo Mestre é o de uma locação para o projeto, este, que acaba se alocando no simbólico Calçadão de Bangu, entre uma academia de karatê e musculação. Em uma importante recuperação e forma de resistência da cultura afro-brasileira, o projeto contemplou diversas pessoas das comunidades da Zona Oeste. Os alunos vinham em grande parte das favelas das redondezas como [[Vila Aliança]], [[Vila Kennedy (bairro)|Vila Kennedy]], Senador Camará, entre outras, como também de grandes bairros como Padre Miguel, Campo Grande, Santa Cruz e adjacências contando com cerca de 300 alunos.  


Diante da grande abrangência de público, mas principalmente pela faixa etária de quem compunha, Ramos assumia funções de diversas frentes. Ele desde gestor e administrador do projeto; de professor, líder e de um  orientador com um cuidado e pessoalidade que contribuiu para forjar importantes relações de respeito e troca entre os alunos das diferentes favelas da ZO. Estas, todas, que desdobra-se através do importante papel de educador popular que repassou esse movimento cultural como “para melhorar o direito do coletivo”, em suas palavras.
== Capoeira como resistência ==
Ao levar o Brasil para ali e se sentir abraçado pela Zona Oeste, Mestre Ramos nos conta sobre um projeto que materializou sua forma de retornar à comunidade saberes ancestrais que teve acesso ao longo de sua trajetória de formação e também de uma leitura da Capoeira enquanto movimento cultural vivo e mutável que carrega consigo possibilidades de se ler e estar no mundo.
Deve-se contextualizar acerca das favelas que são, desde sua gênese, um espaço ocupado por uma população marginalizada que resiste às violência de uma ordem social que fundamenta-se na exploração do homem pelo homem. Tendo isso em vista, Valladares (2005) nos indica que se constrói sobre as favelas a ideia de problema social e junto dela suas práticas e costumes. De maneira similar podemos pensar quanto a prática da capoeira que no código penal de 1890 foi considerado um ato criminoso, esse fato está associado a construção da visão higienista sobre a população preta- que compõe grande parte das pessoas que moram nas favelas.<blockquote><sub>Os capoeiras seriam, então, indivíduos desviantes e desviados da ordem estabelecida e que, atuando nas ruas com suas armas em punho, representavam um perigo que precisava ser controlado para o “bem da civilização” (OLIVEIRA, 2005, p. 121</sub><ref>OLIVEIRA, Josivaldo Pires de. No tempo dos valentes: os capoeiras na cidade da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005.</ref><sub>)</sub></blockquote>Nesse sentido, o ser capoeira e estar em favelas produz toda uma estética que o Estado tenta dizimar. Em contrapartida, no que tange a disputa desse território dos valores que se estabelecem ali, Mestre Ramos desenvolve um trabalho com o objetivo de criar naqueles que praticam a arte o sentimento de pertencimento e orgulho para com os valores ancestrais, contribuindo, então, para a construção de uma consciência coletiva à parte de referenciais de uma civilização ocidentalizada.  


Em 2011, com o falecimento do Mestre Peixinho - quem formou o Mestre Ramos, houve a mudança de território para que se pudesse dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Mestre Peixinho e Mestre Toni Vargas. Seguindo a lógica por antiguidade no grupo, Mestre Toni Vargas convida Mestre Ramos para assumir o horário das aulas de Mestre Peixinho, nomeiam um espaço como Ilê do Seu Peixinho localizado na subida dos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira. Desde então, os alunos de Bangu acompanham o Mestre Ramos nessa nova jornada, alguns alunos - que hoje já são mestres - continuaram a desenvolver o trabalho com a capoeira nesses territórios. Embora essa mudança de território trouxesse efeitos que devem-se considerar ao pensar a preservação da cultura afro-brasileira para a população carioca, visto que, a zona oeste carece de movimentos de preservação e resgate da cultura afro-brasileira. Hoje esse movimento ganha outros contornos com demais figuras de representatividade da cultura afro-brasileira e da Capoeira enquanto movimento popular de resistência e irreverência ao sistema.
Os mestres  se configuram como importantes líderes das suas comunidades de capoeira, constroem ideais na coletividade e realizam mobilizações com potencialidades políticas na afirmação de direitos de uma população. Em entrevista, mestre Ramos fala sobre as necessidades para a prática atual de capoeira que estão relacionadas diretamente às condições de subsistência, o qual atravessa os moradores das favelas do Rio. Antes de tudo, é necessário ter o que comer, como chegar e ter para onde voltar. Contudo, Mestre Ramos conduz seu trabalho mesmo diante os entraves da ausência do Estado no território, conta a colaboração da comunidade da capoeiragem. Uma população que só percebe o Estado em sua face opressora se reinventa na solidariedade de suas próprias comunidades.


Se faz necessário contextualizar sobre a relação do território que se inicia o projeto para que se possa dimensionar os efeitos de sua saída, cujo as características que constroem o território
Diante da grande abrangência de público, mas principalmente pela faixa etária de quem compunha, Ramos assumia funções de diversas frentes. Ele desde gestor e administrador do projeto; de professor, líder e de um  orientador com um cuidado e pessoalidade que contribuiu para forjar importantes relações de respeito e troca entre os alunos das diferentes favelas da ZO. Estas, todas, que desdobra-se através do importante papel de educador popular que repassou esse movimento cultural como “para melhorar o direito do coletivo”, em suas palavras. Ao levar o Brasil para ali e se sentir abraçado pela Zona Oeste, Mestre Ramos nos conta sobre um projeto que materializou sua forma de retornar à comunidade saberes ancestrais que teve acesso ao longo de sua trajetória de formação e também de uma leitura da Capoeira enquanto movimento cultural vivo e mutável que carrega consigo possibilidades de se ler e estar no mundo.


<sup>Convive com uma lembrança áurea dos tempos rurais e ao mesmo tempo com uma péssima vivência urbana. A arte aparece neste cenário de forma ambígua, quase abstrata. Em um lugar onde reivindicação por transporte, saúde, educação,  asfalto de qualidade precisa ser constante e na maioria das vezes não é atendida,  um espaço cultural de torna um desejo supérfluo. (SUZANO,2021)</sup>
Em 2011, com o falecimento do Mestre Peixinho - quem formou o Mestre Ramos, houve a mudança de território para que se pudesse dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Mestre Peixinho e Mestre Toni Vargas. Seguindo a lógica por antiguidade no grupo, Mestre Toni Vargas convida Mestre Ramos para assumir o horário das aulas de Mestre Peixinho, nomeiam um espaço como Ilê do Seu Peixinho localizado na subida dos morros da [[Morro da Babilônia|Babilônia]] e do [[Favelas Chapéu-Mangueira e Babilônia|Chapéu Mangueira]]. Desde então, os alunos de Bangu acompanham o Mestre Ramos nessa nova jornada, alguns alunos - que hoje já são mestres - continuaram a desenvolver o trabalho com a capoeira nesses territórios. Embora essa mudança de território trouxesse efeitos que devem-se considerar ao pensar a preservação da cultura afro-brasileira para a população carioca, visto que, a zona oeste carece de movimentos de preservação e resgate da cultura afro-brasileira. Hoje esse movimento ganha outros contornos com demais figuras de representatividade da cultura afro-brasileira e da Capoeira enquanto movimento popular de resistência e irreverência ao sistema.


À vista disso, o trabalho desenvolvido funciona como a possibilidade de suspensão da cotidianidade que insere novas possibilidades a partir do contato dessa arte que reconecta a cultura ancestral à população negra, mesmo diante dos atravessamentos sócio-políticos. Personalidades como a do Mestre constroem uma relação dos elementos ancestrais com população negra, sobretudo com a juventude, que caminham de maneira contrária à lógica colonial e hegemônica de se fazer cultura e estar no mundo. A capoeira enquanto símbolo de resistência também se apresenta como uma forma de subverter o controle colonial e como um meio de fortalecer os laços de solidariedade dentro da comunidade negra, essencial para enfrentar a opressão e a marginalização.  
Se faz necessário contextualizar sobre a relação do território que se inicia o projeto para que se possa dimensionar os efeitos de sua saída, cujo as características que constroem o território <blockquote><sup>Convive com uma lembrança áurea dos tempos rurais e ao mesmo tempo com uma péssima vivência urbana. A arte aparece neste cenário de forma ambígua, quase abstrata. Em um lugar onde reivindicação por transporte, saúde, educação,  asfalto de qualidade precisa ser constante e na maioria das vezes não é atendida,  um espaço cultural de torna um desejo supérfluo. (SUZANO, 2021</sup><ref>[https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/11542 SUZANO, Débora da Silva. Cidade emoldurada: as desigualdades e limitações do acesso à arte no Rio de Janeiro e às produções artísticas da zona oeste da cidade. Seropédica.UFRRJ.2021. Disponível em: https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/11542.]</ref><sup>)</sup></blockquote>À vista disso, o trabalho desenvolvido funciona como a possibilidade de suspensão da cotidianidade que insere novas possibilidades a partir do contato dessa arte que reconecta a cultura ancestral à população negra, mesmo diante dos atravessamentos sócio-políticos. Personalidades como a do Mestre constroem uma relação dos elementos ancestrais com população negra, sobretudo com a juventude, que caminham de maneira contrária à lógica colonial e hegemônica de se fazer cultura e estar no mundo. A capoeira enquanto símbolo de resistência também se apresenta como uma forma de subverter o controle colonial e como um meio de fortalecer os laços de solidariedade dentro da comunidade negra, essencial para enfrentar a opressão e a marginalização.  


== Desafios ==
Outrossim, é importante mencionar que na trajetória do Mestre Ramos com seus trabalhos na capoeira para com a população, via de regra não contava com patrocínios ou incentivo financeiro em qualquer instância, a dificuldade se fazia presente mas a própria comunidade da capoeiragem se articulava em prol da sua existência. Acho que podemos considerar que Mestre Ramos, assim como outras figuras, colaboraram para a resistência e memória da população negra e sua ancestralidade.
Outrossim, é importante mencionar que na trajetória do Mestre Ramos com seus trabalhos na capoeira para com a população, via de regra não contava com patrocínios ou incentivo financeiro em qualquer instância, a dificuldade se fazia presente mas a própria comunidade da capoeiragem se articulava em prol da sua existência. Acho que podemos considerar que Mestre Ramos, assim como outras figuras, colaboraram para a resistência e memória da população negra e sua ancestralidade.


<ref>BATISTA, Vera Malaguti. O medo na cidade do Rio de Janeiro: dois tempos de uma história. 1.ed. Rio de Janeiro: Revan, 2003.
== Ver também ==
[[Ngoma Capoeira Angola]]


OLIVEIRA, Dennis de. Racismo estrutural: uma perspectiva histórico-crítica. - 1ª ed.  - São Paulo: Editora Dandara, 2021.
[[Música na Capoeira - Corridos, Quadra, Chula e Ladainha]]


SUZANO, Débora da Silva. Cidade emoldurada: as desigualdades e limitações do acesso à arte no Rio de Janeiro e às produções artísticas da zona oeste da cidade. Seropédica.UFRRJ.2021. Disponível em:  https://rima.ufrrj.br/jspui/handle/20.500.14407/11542
[[Capoeira - episódio 9 (programa)]]


VALLADARES, Licia. A Invenção da Favela: do mito de origem a favela.com. Cap. 1 - A transformação da favela em problema. Rio de Janeiro, Editora  FGV, 2005.
[[Grupo Afrolaje]]


OLIVEIRA, Josivaldo Pires de. No tempo dos valentes: os capoeiras na cidade da Bahia. Salvador: Quarteto, 2005.</ref>
<references />
[[Categoria:Temática - Lideranças]]
[[Categoria:Temática - Cultura]]
[[Categoria:Capoeira]]
[[Categoria:Resistência]]
[[Categoria:Ancestralidade]]
[[Categoria:Cultura afrobrasileira]]
[[Categoria:Rio de Janeiro]]

Edição atual tal como às 10h18min de 9 de março de 2025

Mestre Ramos, capoeirista desde os 15 anos quando começou a treinar em Olaria, é um agente da cultura popular afro-brasileira. Com trabalhos no Rio de Janeiro e outros estados e até países, promove a capoeira como resistência e ancestralidade, especialmente em comunidades periféricas. Criador de eventos e iniciativas para expandir a cultura capoeirista, como o Grupo Senzala de Capoeira e o Intercâmbio Cultural Roda Mundo Capoeira, ele fortalece a identidade cultural e a solidariedade negra com integração de grupos distintos.

Autoria: Náthaly

História[editar | editar código-fonte]

''A força do capoeira, ninguém vai poder tirar

Porque já nasce com ele, é a força que Deus lhe dá O mundo pode dar voltas, porque voltas o mundo dá Não existe uma rasteira que possa lhe derrubar

- Mestre Ramos''

José Luís Ramos, nascido em 11 de agosto de 1958, em Paraíba do Sul-RJ, começou a treinar capoeira aos 15 anos, em Olaria, Zona Norte do Rio de Janeiro, com o Mestre Cauã, de 1973 a 1976, depois com Mestre Paulo Morfacto de 1976 a 1979. Em 1979 iniciou no Grupo Senzala de Capoeira. Na década de 90 se tornou corda vermelha, compondo o quadro dos mestres do grupo. Desde então, Mestre Ramos, como é conhecido, desenvolve trabalhos com capoeira nos bairros do subúrbio do Rio de Janeiro, em outros estados como Minas Gerais, Espírito Santo, Campinas-SP, Cuiabá-MT e em outros países como Itália e Espanha.

Em 2004, Mestre Ramos lança o evento “Intercâmbio Cultural Roda Mundo Capoeira” que reúne grandes nomes da capoeira por todo o Brasil, vindo também alunos de fora do país. São 20 anos de evento, que reúne cerca de 500 praticantes e simpatizantes dessa arte em quatro dias de evento. Para além de aulas de capoeira, há outras manifestações afro-brasileiras como maculelê, jongo, samba de roda, apresentações artísticas e rodas de conversas com mestres de todo Brasil. Esse trabalho foi um dos notórios que colaboraram para a preservação da capoeira no território carioca.

Primeiros trabalhos[editar | editar código-fonte]

Ao retomarmos a trajetória do Mestre, encontramos que este iniciou um de seus primeiros trabalhos de capoeira em 1992 no emblemático e populoso território de Bangu, bairro na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Na época, morando em Senador Camará, já era frequentador do Grupo Senzala - grupo que possui algumas particularidades, cuja sua área de abrangência é a zona sul do Rio de Janeiro - e grande defensor da metodologia e qualidade de se fazer capoeira do grupo.

O sonho de levar essa forma diferenciada de se fazer capoeira, como um movimento cultural além só de uma prática marcial, Mestre Ramos foi o primeiro do Grupo Senzala a desenvolver um trabalho nessas áreas mais distantes do centro da cidade, rompendo estruturas importantes para a relação da capoeira com a população preta e suburbana da cidade do Rio. Tal pontuação se torna um interessante campo de reflexão quando retomamos referências teóricas como a de Licia Valladares (2005)[1] que delineia o claro movimento de levada dessas maiorias minorizadas da população carioca ao afastamento dos grandes centros como resolução de um problema urbano encarado pela burguesia dependente carioca: o da formação das favelas. Movimento este permeado, de forma direta e/ou indireta por intervenções do Estado, e por um Medo Social (BATISTA, 2003[2]) que em muito diz sobre a conformação da sociabilidade brasileira que está longe de ter sido formada em uma relação harmoniosa entre casa grande e senzala. “Principalmente porque a base histórica de tudo isso não foi uma relação de equilíbrio entre Casa Grande e Senzala, mas a tensão existente a partir das rebeliões da senzala, conforme afirma Clóvis Moura.”(OLIVEIRA, p.144, 2021[3]).

O primeiro passo dado pelo Mestre é o de uma locação para o projeto, este, que acaba se alocando no simbólico Calçadão de Bangu, entre uma academia de karatê e musculação. Em uma importante recuperação e forma de resistência da cultura afro-brasileira, o projeto contemplou diversas pessoas das comunidades da Zona Oeste. Os alunos vinham em grande parte das favelas das redondezas como Vila Aliança, Vila Kennedy, Senador Camará, entre outras, como também de grandes bairros como Padre Miguel, Campo Grande, Santa Cruz e adjacências contando com cerca de 300 alunos.

Capoeira como resistência[editar | editar código-fonte]

Deve-se contextualizar acerca das favelas que são, desde sua gênese, um espaço ocupado por uma população marginalizada que resiste às violência de uma ordem social que fundamenta-se na exploração do homem pelo homem. Tendo isso em vista, Valladares (2005) nos indica que se constrói sobre as favelas a ideia de problema social e junto dela suas práticas e costumes. De maneira similar podemos pensar quanto a prática da capoeira que no código penal de 1890 foi considerado um ato criminoso, esse fato está associado a construção da visão higienista sobre a população preta- que compõe grande parte das pessoas que moram nas favelas.

Os capoeiras seriam, então, indivíduos desviantes e desviados da ordem estabelecida e que, atuando nas ruas com suas armas em punho, representavam um perigo que precisava ser controlado para o “bem da civilização” (OLIVEIRA, 2005, p. 121[4])

Nesse sentido, o ser capoeira e estar em favelas produz toda uma estética que o Estado tenta dizimar. Em contrapartida, no que tange a disputa desse território dos valores que se estabelecem ali, Mestre Ramos desenvolve um trabalho com o objetivo de criar naqueles que praticam a arte o sentimento de pertencimento e orgulho para com os valores ancestrais, contribuindo, então, para a construção de uma consciência coletiva à parte de referenciais de uma civilização ocidentalizada.

Os mestres se configuram como importantes líderes das suas comunidades de capoeira, constroem ideais na coletividade e realizam mobilizações com potencialidades políticas na afirmação de direitos de uma população. Em entrevista, mestre Ramos fala sobre as necessidades para a prática atual de capoeira que estão relacionadas diretamente às condições de subsistência, o qual atravessa os moradores das favelas do Rio. Antes de tudo, é necessário ter o que comer, como chegar e ter para onde voltar. Contudo, Mestre Ramos conduz seu trabalho mesmo diante os entraves da ausência do Estado no território, conta a colaboração da comunidade da capoeiragem. Uma população que só percebe o Estado em sua face opressora se reinventa na solidariedade de suas próprias comunidades.

Diante da grande abrangência de público, mas principalmente pela faixa etária de quem compunha, Ramos assumia funções de diversas frentes. Ele desde gestor e administrador do projeto; de professor, líder e de um orientador com um cuidado e pessoalidade que contribuiu para forjar importantes relações de respeito e troca entre os alunos das diferentes favelas da ZO. Estas, todas, que desdobra-se através do importante papel de educador popular que repassou esse movimento cultural como “para melhorar o direito do coletivo”, em suas palavras. Ao levar o Brasil para ali e se sentir abraçado pela Zona Oeste, Mestre Ramos nos conta sobre um projeto que materializou sua forma de retornar à comunidade saberes ancestrais que teve acesso ao longo de sua trajetória de formação e também de uma leitura da Capoeira enquanto movimento cultural vivo e mutável que carrega consigo possibilidades de se ler e estar no mundo.

Em 2011, com o falecimento do Mestre Peixinho - quem formou o Mestre Ramos, houve a mudança de território para que se pudesse dar continuidade ao trabalho desenvolvido por Mestre Peixinho e Mestre Toni Vargas. Seguindo a lógica por antiguidade no grupo, Mestre Toni Vargas convida Mestre Ramos para assumir o horário das aulas de Mestre Peixinho, nomeiam um espaço como Ilê do Seu Peixinho localizado na subida dos morros da Babilônia e do Chapéu Mangueira. Desde então, os alunos de Bangu acompanham o Mestre Ramos nessa nova jornada, alguns alunos - que hoje já são mestres - continuaram a desenvolver o trabalho com a capoeira nesses territórios. Embora essa mudança de território trouxesse efeitos que devem-se considerar ao pensar a preservação da cultura afro-brasileira para a população carioca, visto que, a zona oeste carece de movimentos de preservação e resgate da cultura afro-brasileira. Hoje esse movimento ganha outros contornos com demais figuras de representatividade da cultura afro-brasileira e da Capoeira enquanto movimento popular de resistência e irreverência ao sistema.

Se faz necessário contextualizar sobre a relação do território que se inicia o projeto para que se possa dimensionar os efeitos de sua saída, cujo as características que constroem o território

Convive com uma lembrança áurea dos tempos rurais e ao mesmo tempo com uma péssima vivência urbana. A arte aparece neste cenário de forma ambígua, quase abstrata. Em um lugar onde reivindicação por transporte, saúde, educação, asfalto de qualidade precisa ser constante e na maioria das vezes não é atendida, um espaço cultural de torna um desejo supérfluo. (SUZANO, 2021[5])

À vista disso, o trabalho desenvolvido funciona como a possibilidade de suspensão da cotidianidade que insere novas possibilidades a partir do contato dessa arte que reconecta a cultura ancestral à população negra, mesmo diante dos atravessamentos sócio-políticos. Personalidades como a do Mestre constroem uma relação dos elementos ancestrais com população negra, sobretudo com a juventude, que caminham de maneira contrária à lógica colonial e hegemônica de se fazer cultura e estar no mundo. A capoeira enquanto símbolo de resistência também se apresenta como uma forma de subverter o controle colonial e como um meio de fortalecer os laços de solidariedade dentro da comunidade negra, essencial para enfrentar a opressão e a marginalização.

Desafios[editar | editar código-fonte]

Outrossim, é importante mencionar que na trajetória do Mestre Ramos com seus trabalhos na capoeira para com a população, via de regra não contava com patrocínios ou incentivo financeiro em qualquer instância, a dificuldade se fazia presente mas a própria comunidade da capoeiragem se articulava em prol da sua existência. Acho que podemos considerar que Mestre Ramos, assim como outras figuras, colaboraram para a resistência e memória da população negra e sua ancestralidade.

Ver também[editar | editar código-fonte]

Ngoma Capoeira Angola

Música na Capoeira - Corridos, Quadra, Chula e Ladainha

Capoeira - episódio 9 (programa)

Grupo Afrolaje

Notas e referências