Morro do Turano: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Morro do Turano é uma localidade entre os bairros da Tijuca e do Rio Comprido, na Zona Norte da capital fluminense, onde existe uma favela. Esta favela localiza-se próximo a outras, como o Morro de São Carlos, no Estácio, Morro da Mineira e o Morro da Coroa, no Catumbi, Morro do Querosene, no Rio Comprido e Comunidade da Chacrinha, na Tijuca.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal">Hoje, o conjunto de favelas é conhecido como Complexo do Turano e atualmente é formado por sete&nbsp;favelas, sendo duas delas localizadas no bairro da Tijuca, como o Morro da Liberdade e o Morro da Chacrinha, e no bairro do Rio Comprido, localizam-se Matinha, Pantanal, Rodo, Bispo e o Sumaré. O Censo Demográfico 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz, que a população total do Morro do Turano é de 10.569 pessoas. Mas, até abril de 2013, o Centro Municipal de Saúde Turano informa que havia sido mapeado pelo Programa Saúde da Família, do Ministério da Saúde, 13.200 moradores no local.</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Em 30 de setembro de 2010 a comunidade passou a ser atendida pela 12° UPP.</span></span></span></span></p>  
<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Morro do Turano é uma localidade entre os bairros da Tijuca e do Rio Comprido, na Zona Norte da capital fluminense, onde existe uma favela. Esta favela localiza-se próximo a outras, como o Morro de São Carlos, no Estácio, Morro da Mineira e o Morro da Coroa, no Catumbi, Morro do Querosene, no Rio Comprido e Comunidade da Chacrinha, na Tijuca.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal">Hoje, o conjunto de favelas é conhecido como Complexo do Turano e atualmente é formado por sete&nbsp;favelas, sendo duas delas localizadas no bairro da Tijuca, como o Morro da Liberdade e o Morro da Chacrinha, e no bairro do Rio Comprido, localizam-se Matinha, Pantanal, Rodo, Bispo e o Sumaré. O Censo Demográfico 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz, que a população total do Morro do Turano é de 10.569 pessoas. Mas, até abril de 2013, o Centro Municipal de Saúde Turano informa que havia sido mapeado pelo Programa Saúde da Família, do Ministério da Saúde, 13.200 moradores no local.</span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Em 30 de setembro de 2010 a comunidade passou a ser atendida pela 12° UPP.</span></span></span></span></p>  
= História =
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<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Grande parte dos morros da Tijuca faziam parte de antigas fazendas de café da Zona Norte. Alguns foram batizados com o mesmo sobrenome da família proprietária das terras. Um deles foi o Morro do Turano, em homenagem a Emilio Turano, imigrante italiano que comprou a posse do morro de uma baronesa no ano 1928, com licença da Mitra Episcopal. Na época foi explorada uma pedreira e iniciou-se a construção do casario na sua base. Há duas histórias sobre a formação da favela no local. A primeira diz que a família perdeu a posse das terras com o advento da Guerra Mundial e quando voltou ao Brasil a favela já estava instaurada e não conseguiu mais retomar o controle do espaço.&nbsp;[[File:Turano 02 - Tanque.jpg|frame|center|500px|Crianças posam na localidade conhecida como Tanque. O lugar tem esse nome pois, no passado, mulheres lavavam roupas dos patrões das casas onde trabalhavam no asfalto em tanques coletivos que ficavam na região]]</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">A segunda versão diz que Emílio Turano, dono da região, alugava o espaço que se auto intitulara proprietário, mas com a alta valoração do solo ele passara a cobrar aluguéis absurdamente altos, com aumentos muito grandes. Assim, começaram a surgir os atritos entre moradores e supostos donos de terras na região. A tensão explodiu quando ele tentou aumentar de uma só vez um percentual muito alto de todas as casas, num nível considerado excessivo. Muitos moradores não questionavam a cobrança de aluguéis em si, mas rejeitaram o aumento que comprometia o&nbsp;seu orçamento mais fundamental e consequentemente inviabilizada sua permanência no local. Segundo uma pesquisa feita por Gomes (2018), frente a isso, diversos moradores decidiram coletivamente suspender o pagamento de aluguéis e começaram a questionar a propriedade daquelas terras, o que ocasionou uma série de violências e arbitrariedades perpetradas por Turano. Além desses movimentos de articulação interna, os moradores estabeleceram alianças com advogados, jornais e partidos políticos, principalmente com o PCB.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;">Logo depois, com a saída de Vargas da presidência, em 1945, há uma ascenção popular das ideias de esquerda na cidade e o debate de habitação popular ganha mais força e militantes comunistas se aproximam dos moradores de favelas a partir dos Comitês Populares Democráticos (CPDs), inclusive do Turano. Segundo Gomes (2018):</span></span></p> <blockquote><p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">Esses comitês atuaram oferecendo apoio e incentivando a formação de subcomitês, ligados aos comitês dos bairros, responsáveis por gerar visibilidade às precárias condições de vida dos favelados, suscitando o debate de seus problemas mais urgentes em esferas públicas, exercendo pressão para fossem incorporados na agenda dos governantes. Mas não se limitavam a isso. Os comitês se propunham também a prestar assistência social básica (serviços de medicina preventiva, cursos de alfabetização, etc.) fortalecer ações coletivas (que, em grande medida, sempre foram levadas a cabo nessas localidades) na resolução de problemas mais imediatos e a articular a mediação entre as demandas da população local e as instituições públicas no que acreditavam ser obrigações do Estado, fornecendo, por exemplo, apoio jurídico nas batalhas judiciais que eventualmente os moradores se envolviam e apoio técnico na formulação de documentação reivindicatória destinada aos governantes.</p> </blockquote> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">As reivindicações que se viabilizaram a partir do fortalecimento do movimento associativista local foram muito importantes para o estabelecimento da população não apenas do Turano mas de diversas localidades da cidade, mas não de imediato. As primeiras respostas que os moradores tiveram foi o aumento da violência, autoritarismo e agressividade nas favelas. Ainda que Turano tivesse perdido na justiça o pagamento de alugueis no Morro do Salgueiro, vizinho do Turano, executou práticas de ameaças, espancamentos, destruição de moradias e muitas outras violências na tentativa de recuperar o controle do local, em ações similares ao que as milicias hoje exercem no Rio de Janeiro. A midia se dividiu muito na cobertura do caso - de acordo com o posicionamento político, defendia os moradores ou Turano; já que havia uma forte ligação entre os moradores e os comunistas, a sua defesa não era uniforme na sociedade.&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">[[File:Turano 03.jpg|frame|center|500px|Na localidade conhecida como Tanque, ainda existem algumas casas feitas de madeira ou chapas de metal. A precariedade das construções gera perigo aos moradores, por conta do risco de desabamento]]</p>  
<p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">Grande parte dos morros da Tijuca faziam parte de antigas fazendas de café da Zona Norte. Alguns foram batizados com o mesmo sobrenome da família proprietária das terras. Um deles foi o Morro do Turano, em homenagem a Emilio Turano, imigrante italiano que comprou a posse do morro de uma baronesa no ano 1928, com licença da Mitra Episcopal. Na época foi explorada uma pedreira e iniciou-se a construção do casario na sua base. Há duas histórias sobre a formação da favela no local. A primeira diz que a família perdeu a posse das terras com o advento da Guerra Mundial e quando voltou ao Brasil a favela já estava instaurada e não conseguiu mais retomar o controle do espaço.&nbsp;[[File:Turano 02 - Tanque.jpg|thumb|center|500px|Crianças posam na localidade conhecida como Tanque. O lugar tem esse nome pois, no passado, mulheres lavavam roupas dos patrões das casas onde trabalhavam no asfalto em tanques coletivos que ficavam na região]]</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;"><span style="line-height:normal"><span style="color:black">A segunda versão diz que Emílio Turano, dono da região, alugava o espaço que se auto intitulara proprietário, mas com a alta valoração do solo ele passara a cobrar aluguéis absurdamente altos, com aumentos muito grandes. Assim, começaram a surgir os atritos entre moradores e supostos donos de terras na região. A tensão explodiu quando ele tentou aumentar de uma só vez um percentual muito alto de todas as casas, num nível considerado excessivo. Muitos moradores não questionavam a cobrança de aluguéis em si, mas rejeitaram o aumento que comprometia o&nbsp;seu orçamento mais fundamental e consequentemente inviabilizada sua permanência no local. Segundo uma pesquisa feita por Gomes (2018), frente a isso, diversos moradores decidiram coletivamente suspender o pagamento de aluguéis e começaram a questionar a propriedade daquelas terras, o que ocasionou uma série de violências e arbitrariedades perpetradas por Turano. Além desses movimentos de articulação interna, os moradores estabeleceram alianças com advogados, jornais e partidos políticos, principalmente com o PCB.</span></span></span></span></p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify"><span style="font-size:small;"><span style="font-family:Arial,Helvetica,sans-serif;">Logo depois, com a saída de Vargas da presidência, em 1945, há uma ascenção popular das ideias de esquerda na cidade e o debate de habitação popular ganha mais força e militantes comunistas se aproximam dos moradores de favelas a partir dos Comitês Populares Democráticos (CPDs), inclusive do Turano. Segundo Gomes (2018):</span></span></p> <blockquote><p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">Esses comitês atuaram oferecendo apoio e incentivando a formação de subcomitês, ligados aos comitês dos bairros, responsáveis por gerar visibilidade às precárias condições de vida dos favelados, suscitando o debate de seus problemas mais urgentes em esferas públicas, exercendo pressão para fossem incorporados na agenda dos governantes. Mas não se limitavam a isso. Os comitês se propunham também a prestar assistência social básica (serviços de medicina preventiva, cursos de alfabetização, etc.) fortalecer ações coletivas (que, em grande medida, sempre foram levadas a cabo nessas localidades) na resolução de problemas mais imediatos e a articular a mediação entre as demandas da população local e as instituições públicas no que acreditavam ser obrigações do Estado, fornecendo, por exemplo, apoio jurídico nas batalhas judiciais que eventualmente os moradores se envolviam e apoio técnico na formulação de documentação reivindicatória destinada aos governantes.</p> </blockquote> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">As reivindicações que se viabilizaram a partir do fortalecimento do movimento associativista local foram muito importantes para o estabelecimento da população não apenas do Turano mas de diversas localidades da cidade, mas não de imediato. As primeiras respostas que os moradores tiveram foi o aumento da violência, autoritarismo e agressividade nas favelas. Ainda que Turano tivesse perdido na justiça o pagamento de alugueis no Morro do Salgueiro, vizinho do Turano, executou práticas de ameaças, espancamentos, destruição de moradias e muitas outras violências na tentativa de recuperar o controle do local, em ações similares ao que as milicias hoje exercem no Rio de Janeiro. A midia se dividiu muito na cobertura do caso - de acordo com o posicionamento político, defendia os moradores ou Turano; já que havia uma forte ligação entre os moradores e os comunistas, a sua defesa não era uniforme na sociedade.&nbsp;</p> <p style="margin-bottom:.0001pt; text-align:justify">[[File:Turano 03.jpg|frame|center|500px|Na localidade conhecida como Tanque, ainda existem algumas casas feitas de madeira ou chapas de metal. A precariedade das construções gera perigo aos moradores, por conta do risco de desabamento]]</p>  
== Morro da Liberdade ==
== Morro da Liberdade ==
<p style="text-align: justify;">Uma parte importante da disputa pela propriedade do terreno passou pela disputa do seu nome. Uma parcela dos moradores, ainda nos anos 1940, tentou mudar o nome do Morro do Turano para Morro da LIberdade, tentando afastar do imaginário social a propriedade do espaço vinculada ao italiano. Apesar da vitória dos moradores frente ao italiano, ao longo das décadas o nome de Turano prevaleceu como designação mais difundida dessa comunidade, que se tornou um complexo de favelas. Contudo, a localidade conhecida como Morro da Liberdade (justamente a área que concentrava a maior parte casas naquela época) constitui uma das sete favelas que compõe de forma contígua a área do complexo do Turano. Como apresenta Gomes (2018), ao narrar o episódio, a disputa também se estabeleceu no plano simbólico, onde se disputou a identidade e a memória em relação a esse espaço e que se refletiu na imprensa, uma vez que nas décadas imediatamente posteriores encontramos ambas nomenclaturas nos jornais ao referirem-se a este local.</p> <p style="text-align: justify;">[[File:Turano 04.jpg|frame|center|500px|Vista privilegiada a partir da Divisa, caminho por dentro da mata que separa o Turano do Morro do Salgueiro. Dali dá para enxergar o bairro da Tijuca e parte dos municípios de Duque de Caxias e Niterói]]</p>  
<p style="text-align: justify;">Uma parte importante da disputa pela propriedade do terreno passou pela disputa do seu nome. Uma parcela dos moradores, ainda nos anos 1940, tentou mudar o nome do Morro do Turano para Morro da LIberdade, tentando afastar do imaginário social a propriedade do espaço vinculada ao italiano. Apesar da vitória dos moradores frente ao italiano, ao longo das décadas o nome de Turano prevaleceu como designação mais difundida dessa comunidade, que se tornou um complexo de favelas. Contudo, a localidade conhecida como Morro da Liberdade (justamente a área que concentrava a maior parte casas naquela época) constitui uma das sete favelas que compõe de forma contígua a área do complexo do Turano. Como apresenta Gomes (2018), ao narrar o episódio, a disputa também se estabeleceu no plano simbólico, onde se disputou a identidade e a memória em relação a esse espaço e que se refletiu na imprensa, uma vez que nas décadas imediatamente posteriores encontramos ambas nomenclaturas nos jornais ao referirem-se a este local.</p> <p style="text-align: justify;">[[File:Turano 04.jpg|frame|center|500px|Vista privilegiada a partir da Divisa, caminho por dentro da mata que separa o Turano do Morro do Salgueiro. Dali dá para enxergar o bairro da Tijuca e parte dos municípios de Duque de Caxias e Niterói]]</p>  

Edição das 11h59min de 23 de abril de 2020

Autor: Caíque Azael

Introdução

Morro do Turano é uma localidade entre os bairros da Tijuca e do Rio Comprido, na Zona Norte da capital fluminense, onde existe uma favela. Esta favela localiza-se próximo a outras, como o Morro de São Carlos, no Estácio, Morro da Mineira e o Morro da Coroa, no Catumbi, Morro do Querosene, no Rio Comprido e Comunidade da Chacrinha, na Tijuca.

Hoje, o conjunto de favelas é conhecido como Complexo do Turano e atualmente é formado por sete favelas, sendo duas delas localizadas no bairro da Tijuca, como o Morro da Liberdade e o Morro da Chacrinha, e no bairro do Rio Comprido, localizam-se Matinha, Pantanal, Rodo, Bispo e o Sumaré. O Censo Demográfico 2010, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz, que a população total do Morro do Turano é de 10.569 pessoas. Mas, até abril de 2013, o Centro Municipal de Saúde Turano informa que havia sido mapeado pelo Programa Saúde da Família, do Ministério da Saúde, 13.200 moradores no local.

Em 30 de setembro de 2010 a comunidade passou a ser atendida pela 12° UPP.

História

Grande parte dos morros da Tijuca faziam parte de antigas fazendas de café da Zona Norte. Alguns foram batizados com o mesmo sobrenome da família proprietária das terras. Um deles foi o Morro do Turano, em homenagem a Emilio Turano, imigrante italiano que comprou a posse do morro de uma baronesa no ano 1928, com licença da Mitra Episcopal. Na época foi explorada uma pedreira e iniciou-se a construção do casario na sua base. Há duas histórias sobre a formação da favela no local. A primeira diz que a família perdeu a posse das terras com o advento da Guerra Mundial e quando voltou ao Brasil a favela já estava instaurada e não conseguiu mais retomar o controle do espaço. 

Crianças posam na localidade conhecida como Tanque. O lugar tem esse nome pois, no passado, mulheres lavavam roupas dos patrões das casas onde trabalhavam no asfalto em tanques coletivos que ficavam na região

A segunda versão diz que Emílio Turano, dono da região, alugava o espaço que se auto intitulara proprietário, mas com a alta valoração do solo ele passara a cobrar aluguéis absurdamente altos, com aumentos muito grandes. Assim, começaram a surgir os atritos entre moradores e supostos donos de terras na região. A tensão explodiu quando ele tentou aumentar de uma só vez um percentual muito alto de todas as casas, num nível considerado excessivo. Muitos moradores não questionavam a cobrança de aluguéis em si, mas rejeitaram o aumento que comprometia o seu orçamento mais fundamental e consequentemente inviabilizada sua permanência no local. Segundo uma pesquisa feita por Gomes (2018), frente a isso, diversos moradores decidiram coletivamente suspender o pagamento de aluguéis e começaram a questionar a propriedade daquelas terras, o que ocasionou uma série de violências e arbitrariedades perpetradas por Turano. Além desses movimentos de articulação interna, os moradores estabeleceram alianças com advogados, jornais e partidos políticos, principalmente com o PCB.

Logo depois, com a saída de Vargas da presidência, em 1945, há uma ascenção popular das ideias de esquerda na cidade e o debate de habitação popular ganha mais força e militantes comunistas se aproximam dos moradores de favelas a partir dos Comitês Populares Democráticos (CPDs), inclusive do Turano. Segundo Gomes (2018):

Esses comitês atuaram oferecendo apoio e incentivando a formação de subcomitês, ligados aos comitês dos bairros, responsáveis por gerar visibilidade às precárias condições de vida dos favelados, suscitando o debate de seus problemas mais urgentes em esferas públicas, exercendo pressão para fossem incorporados na agenda dos governantes. Mas não se limitavam a isso. Os comitês se propunham também a prestar assistência social básica (serviços de medicina preventiva, cursos de alfabetização, etc.) fortalecer ações coletivas (que, em grande medida, sempre foram levadas a cabo nessas localidades) na resolução de problemas mais imediatos e a articular a mediação entre as demandas da população local e as instituições públicas no que acreditavam ser obrigações do Estado, fornecendo, por exemplo, apoio jurídico nas batalhas judiciais que eventualmente os moradores se envolviam e apoio técnico na formulação de documentação reivindicatória destinada aos governantes.

As reivindicações que se viabilizaram a partir do fortalecimento do movimento associativista local foram muito importantes para o estabelecimento da população não apenas do Turano mas de diversas localidades da cidade, mas não de imediato. As primeiras respostas que os moradores tiveram foi o aumento da violência, autoritarismo e agressividade nas favelas. Ainda que Turano tivesse perdido na justiça o pagamento de alugueis no Morro do Salgueiro, vizinho do Turano, executou práticas de ameaças, espancamentos, destruição de moradias e muitas outras violências na tentativa de recuperar o controle do local, em ações similares ao que as milicias hoje exercem no Rio de Janeiro. A midia se dividiu muito na cobertura do caso - de acordo com o posicionamento político, defendia os moradores ou Turano; já que havia uma forte ligação entre os moradores e os comunistas, a sua defesa não era uniforme na sociedade. 

Na localidade conhecida como Tanque, ainda existem algumas casas feitas de madeira ou chapas de metal. A precariedade das construções gera perigo aos moradores, por conta do risco de desabamento

Morro da Liberdade

Uma parte importante da disputa pela propriedade do terreno passou pela disputa do seu nome. Uma parcela dos moradores, ainda nos anos 1940, tentou mudar o nome do Morro do Turano para Morro da LIberdade, tentando afastar do imaginário social a propriedade do espaço vinculada ao italiano. Apesar da vitória dos moradores frente ao italiano, ao longo das décadas o nome de Turano prevaleceu como designação mais difundida dessa comunidade, que se tornou um complexo de favelas. Contudo, a localidade conhecida como Morro da Liberdade (justamente a área que concentrava a maior parte casas naquela época) constitui uma das sete favelas que compõe de forma contígua a área do complexo do Turano. Como apresenta Gomes (2018), ao narrar o episódio, a disputa também se estabeleceu no plano simbólico, onde se disputou a identidade e a memória em relação a esse espaço e que se refletiu na imprensa, uma vez que nas décadas imediatamente posteriores encontramos ambas nomenclaturas nos jornais ao referirem-se a este local.

Vista privilegiada a partir da Divisa, caminho por dentro da mata que separa o Turano do Morro do Salgueiro. Dali dá para enxergar o bairro da Tijuca e parte dos municípios de Duque de Caxias e Niterói

A vitória gradual

Ainda que os processos tenham se arrastado pela justiça por anos, os moradores venceram a luta contra Turano. Depois de 1949, já quase não se falava sobre isso nos jornais e Emílio Turano saiu da capital com sua família. Logo depois, em 1954, veio a falecer. Isso não significou que a vida na favela tenha ficado tranquila, pois foram muitos os embates pela dignidade dos moradores. A vitória contra Emílio não garantiu a posse da terra, estabilidade, serviços públicos... De toda forma, o processo de lutas forjou um senso comunitário importante naquela geração de moradores, a construção de uma identidade local com muitos laços de solidariedade que até hoje perduram entre famílias do local. Além disso, uma das provas de que a favela venceu é que ela cresceu para muitos outros locais do morro. Hoje, Turano é um complexo de 07 favelas, com suas histórias próprias, desafios e culturas específicas. Pesquisas indicam que são mais de 10 mil pessoas morando no local. Algumas localidades do Morro do Turano:

  • Pedacinho do Céu: tem uma vista deslumbrante do bairro da Tijuca e boa parte da cidade. Há relatos que a formação da favela começa lá com mais força;
  • Tanque: local onde, no passado, as mulheres lavavam suas roupas e de seus patrões nos tanques coletivos;
  • Raia: segundo alguns antigos moradores, esse nome foi dado à época de formação da favela, quando o local fazia parte da fazenda de Turano, e o primeiro nome dado a essa área foi de Fazendinha e por causa do grande “arraiá” que os moradores faziam nos períodos de festa junina. Nesse local há subdivisões como a Fazendinha, o Miolo, Entradinha da Chacrinha, Caminho da Caixa d’Água e a famosa Quadra da Vista Alegre ou Quadra da Raia.
  • Escolinha, onde funciona a Escola Municipal Frei Cassiano,construída e a inaugurada no início da década de 1970, mesma época da inauguração do Posto da Polícia Militar;
  • Chapa, em homenagem a um grupo antigo também de rapazes amigos das décadas de 1960 e 1970, que se reuniam no local e era chamado de Turma do Chapa;
  • A ladeira, conhecida como Estradinha Nova, onde se corria atrás de doces no dia de Cosme e Damião.

Na parte alta da comunidade, conhecida como Pedacinho do Céu, é comum a criação de animais pelos moradores. A vista ao fundo do Maracanã, um dos estádios de futebol mais importantes do Mundo, contrasta com a presença de cavalos pastando no lugar

Conheça o Morro do Turano - Tour da Cria

Apresentação da favela por Carla Regina, nascida e criada no Turano. Texto retirado do portal da Agência de Notícias de Favelas (ANF). 

Na parte alta do Morro do Turano temos o Pedacinho do Céu, que fica bem lá no alto mesmo e podemos ter uma vista deslumbrante do bairro da Tijuca e boa parte da cidade. Um pouco mais abaixo, temos o Tanque, onde no passado as mulheres lavavam suas roupas e de seus patrões nos tanques coletivos que havia no local, segundo relatos de moradores mais antigos. Bem ali ao lado do Tanque, temos a Divisa, um caminho por dentro da mata que separam o Morro do Turano e o Morro do Salgueiro, com uma vista encantadora da Tijuca, adjacências e até de parte dos municípios de Duque de Caxias e Niterói, sem esquecer é claro, da visão linda que temos do Maracanã, relíquia carioca.

Ainda continuando o rolé lá em cima,  descendo mais um pouco temos a Raia, cujo a versão contada por alguns antigos moradores, esse nome foi dado, devido à época de formação da favela, o local fazia parte da fazenda de Turano e o primeiro nome dado para essa área foi de Fazendinha. E por causa do grande arraiá que os moradores faziam nos períodos de festa junina, acabou virando Arraiá e como de costume carioca, abreviado para Raia. E nesse local a sub divisões, como a Fazendinha, o MioloEntradinha da ChacrinhaCaminho da Caixa D’Água, e a famosa Quadra da Vista Alegre ou Quadra da Raia, como muitos preferem chamar. Espaço onde a criançada se reúne para jogar uma bolinha, os adolescentes e os mais velhos também jogam suas peladas. Nas noites de fins de semana, rola o famoso baile de swing, o conhecidíssimo na Comunidade Swing da Raia, que a galera parte para curtir e dançar ao som de BebetoJorge BenjorBanda Copa SeteElson do Forrogode, etc.  

E vamos descer mais uma pouco, mas continuando ainda na Raia, pois mais abaixo temos o local chamado de Televisão, que tem esse nome por ter uma visão bem ampla da Matinha e de outras partes favela que ficam no Rio Comprido. Mais uma descidinha e chegamos no Piauí, local onde funcionava a vendinha de antigo morador, infelizmente já falecido, cujo, assim era chamado pelos vizinhos por ter vindo desse estado nordestino. O mesmo, além da vendinha, também alugava quitinetes para quem precisasse de moradia, e quem ia morar lá dizia que morava no Piauí, e por conta disso, o local acabou sendo batizado com esse nome.

Que rolezão, né? E nem andei pelo alto do Morro todo, pois essa favela como eu disse no início, é muito grande, uma das maiores da Zona Norte e estou passeando por uma das partes que fica na Tijuca. Mas vamos continuar descendo, porque estou chegando na Igrejinha, local que ainda é chamado assim pelo antigos moradores, pois ali funciona até hoje uma Igreja Evangélica bem antiga. Alguns moradores mais jovens chamam de JamaicaEscadaria, ou Forninho, nome dado ao pequeno espaço que há nessa área próximo a igreja e onde as pessoas fazem comemorações de aniversários e festas em geral. Abaixo temos o Beco da Macua, ou simplesmente Macua. Local que durante algum tempo foi considerado uma das partes mais agitadas do Morro, devido os moradores serem pessoas bem decididos, digamos assim, e quando há qualquer injustiça por parte da PM, eles se unem e fazem bastante barulho, mobilizando até mesmo moradores de outras áreas mais próximas.  

Logo no início da Macua, bem na entrada, funciona a Creche Chapeuzinho Marrom, uma das primeiras a serem inauguradas nesta área do morro, entre o final da década de 1980 e o início da década de 1990. Ao lado da entrada do beco funciona uma pequena Igreja Católica, que chamamos de Capelinha, fundada pelo Frei Cassiano e pelos Frades Capuchinhos da Paróquia de São Sebastião, localizada na rua Haddock Lobo, na Tijuca. Aos domingos e em datas festivas da Igreja Católica, os padres sobem o morro para celebrarem as missas. Saímos da Macua e chegamos a Escolinha, nome dado devido a funcionar ali a Escola Municipal Frei Cassiano, que os antigos contam que o próprio Frei ajudou a construir e a inaugurou no início da década de 1970, assim como fez também o Posto Policial da Polícia Militar, que foi desativado por um tempo para instalação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), no período do governo de Sérgio Cabral e depois voltando a funcionar ali próximo. Ao lado tem um caminho que vai dá para Matinha, chamado Beco do Posto, fazendo também parte da Escolinha.

Nos fundos da escola forma um caminho como se fosse um corredor, onde funciona um comércio com algumas tendinhas, lojinhas, barraquinhas e um hortifruti. Algumas dessas tendinhas que funcionam por ali são bem antigas, como a Tendinha do Manel do Cardoso, bar que pertencia a um senhor português, chamado Manoel Cardoso e com seu falecimento, acabou passando para o filho. O mesmo, assim como o Piauí, alugava quitinetes em beco próximo ao bar e com isso, o local acabou sendo batizado com seu sobrenome, o Beco do Cardoso. A antiga Tendinha do Seu Zé, que passou também ser administrada por seus filhos após o mesmo ter adoecido e em seguida falecer. E por último, a Tendinha do Pelado, filho de Seu Zé, que herdou do pai o tino para os negócios, abrindo o seu próprio, mas,  infelizmente em abril deste ano ele adoeceu e acabou nos deixando, para tristeza da maioria de nós que já éramos habituados a sua irreverência e alegria, usando o linguajar da favela, acostumados com sua zoação. Seu comércio passou a ser administrado por sua esposa.

Agora estou chegando na parte do Morro, que modéstia a parte, é a melhor e a que eu mais amo desde a infância. Não que as outras áreas da favela sejam ruins, mas essa muito especial para mim, pois foi onde nasci, cresci, me tornei mãe e agora avó. Acompanhei uma boa parte das transformações que ali aconteceram, vi chegar e partir várias pessoas que fizeram parte da minha infância, adolescência e também na fase adulta, e por esse motivo, falo de forma carinhosa e calorosa.

Fui descendo bem tranquila e cheguei no Chapa, cujo esse nome foi dado por um grupo de amigos rapazes no início dos anos 1990, em homenagem a um outro grupo antigo também de rapazes amigos da década de 1960 e 1970, que se reuniam no local e era chamado de Turma do Chapa. Antes, ali era apenas chamado pelo nome da rua principal, a Joaquim Pizarro, e esses rapazes se reuniam ali para jogar bola, conversar, ouvir histórias contadas pelos mais antigos, fazerem festas, etc. E ouvindo uma dessas história contada por alguns dos integrantes do antigo grupo, decidiram se entitularem também com o nome do anterior.

Inicialmente, também chamados de Turma do Chapa, mas alguns costumam chamar de Bonde do Chapa, pois esse termo, “bonde” já estava sendo bem usado no vocabulário das favelas naquela época da formação do segundo grupo.

O grupo além de reunir todos os dias, faziam festas na rua para os moradores e principalmente, no dia das crianças. Os mesmos, usavam camisetas com o nome da turma e de cada integrante. Tinham uma espécie de logomarca.

Com a fama da Turma do Chapa, os moradores, não só dessa parte, mas também das outras partes do Morro, passou a chamar aquela área de Turma do Chapa e depois simplificando, chamando apenas de Chapa, como é mais conhecido. Novas gerações de grupos amigos foram surgindo e perpetuando o nome dos antigos. Os dois grupos anteriores não se reúnem mais, mas o nome que deram ao local, acabou sendo eternizado na letras de funk do MC Menor do Chapa, que também foi morador de lá.

Mas, não é porque a Turma do Chapa não se reúne mais que a animação parou, pois os fins de semana continuam “bombando”, com muito forró no Bar do Ivanildo, com pessoas nos outros bares e na rua curtindo um funk, bebendo aquela cerveja gelada, crianças brincando e por aí vai. E nos dias de jogos, a galera se reúne nas portas das tendinhas para assistir aquele futebol como é de costume. Mesmo com tantos problemas, cujo todos nós sabemos quais são, ainda sim, tentamos levar a vida com um pouco de alegria.

Ali no Chapa, eu cresci, brinquei muito na rua, escorreguei na ladeira, conhecida como Estradinha Nova, corri atrás de doces no dia de Cosme e Damião, subi em árvores no terreno do antigo e já extinto Colégio Santa Dorotéia. Em dias de falta d’água, enfrentei filas juntos de outro moradores para pegar água na Caixa D’Água. Uma área bem ampla onde funciona uma subestação da Companhia de Estadual de Água e Esgoto (CEDAE), que por ter muitas residências é como se fosse mais um dos becos que tem no Chapa. Onde também a Turma do Chapa promovia suas festas e bailes funks e muitos moradores curtiam muito. Como uma criança de favela, tive uma infância e uma adolescência simples, mas bem legal. E quando meus filhos nasceram, mesmo em épocas bem diferentes, também puderam aproveitar a infância, apesar das inúmeras dificuldades e os muitos problemas que dentro de qualquer favela.

Dei uma parada no Chapa, mas vou continuar o rolé pelo Turano descendo e passando pela Barra Funda até chegar a Escadinha, a escadaria que dá em frente a quadra do antigo Bloco Carnavalesco Cometa do Bispo, que foi fundado no ano de 1962 e está ainda em atividade. Além dos ensaios do bloco, o espaço também é utilizado em comemorações de festas, bailes, etc. O terreno onde foi construída a quadra do bloco, era um campo de terra batida, que chamávamos de campinho. Ali, não só as crianças se reuniam para brincar e jogar bola, como os adultos também e faziam até campeonatos de futebol e queimado, com disputados por times de todas as áreas do Morro do Turano e de outros Morros próximos, como SalgueiroFormigaBorelMangueira, entre outros. No período de festas juninas, o campo era todo enfeitado e preparado para os festejos, havendo também campeonatos de “quadrilhas caipira”. Mas, no segundo governo César Maia, finalzinho da década de 1990, o campinho começou a ser desativado para as obras do projeto Favela Bairro, e no terceiro governo do Prefeito, iniciou a construção da quadra do Bloco Cometa do Bispo e da Creche Municipal Doutor Sérgio Arouca que funciona ao lado. E além das moradias que já existiam por ali, outras foram sendo construídas e até mesmo, surgindo novos comércios.

Do outro lado da rua, fica a Colégio Estadual Herbert de Souza, onde funcionava o antigo Colégio de Aplicação da UERJ (Cap UERJ), que foi desativado em meados dos anos 1990 e após alguns anos de fechado, foi reaberto pelo Governador Anthony Garotinho no seu segundo mandato. Mas antes de funcionar como colégio, os mais antigos relatam que ali era uma Escola de Enfermagem, que com a transferência para um outro lugar, foi adquirida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), passando a manter durante anos seu Colégio de Aplicação até a sua desativação entre o final do ano de 1996 e o início de 1997.

Colégio Herbert de Souza atende alunos não só do Morro do Turano, mas também de outras favelas adjacentes. Nos fins de semana, as quadras poliesportivas são liberadas para lazer das crianças e até escolinhas de futebol e de artes marciais. Próximo ao colégio agora passou funcionar um dos pontos de mototáxi, e a alguns anos naquela área, após as obras da Favela Bairro, passou a funcionar um comércio de prestação de serviços, como oficinas e barbearias, aumentou o números de moradias até a entrada do Morro, que chamamos de Curva, onde funciona uma borracharia e agora mais recentemente, passou a funcionar um bar e lanchonete, que ficam mais precisamente na rua Barão de Itapagipe, ou simplesmente Barão como nós moradores costumamos chamar.

Referências