Almir Paulo (entrevista): mudanças entre as edições
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Edição das 14h15min de 18 de junho de 2021
Sobre o Projeto
A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, o entrevistada é Almir Paulo - um veterano nas lutas populares no Rio de Janeiro, que foi presidente da Federação das Associações de Moradores do Rio de Janeiro (Famerj) de 1987 a 1989.
Transcrição da Entrevista
Eu sou Almir Paulo- 54 anos. Tenho uma experiência de vida muito intensa, muito marcante que me levou a militar intensamente em duas questões.
A primeira a defesa de moradia, a luta contra os especuladores, a luta contra os grileiros, a luta contra aqueles que tentam tirar dos mais pobres, os mais humildes o seu pedaço de chão.
Minha vida é marcada pelo trator em 1969, quando meu pai, minha mãe, eu e meu irmão, moradores da Ilha das Dragas, fomos removidos à força, de uma comunidade pacificada, tranquila, organizada que vivia na beira da lagoa Rodrigo de Freitas no Leblon - entre o clube Caiçara e perto do clube de Regatas do Flamengo, em frente ao Monte Líbano. E eu guardo a cena com muita emoção mesmo. Vendo minha mãe olhando nossa casa sendo derrubada por um trator. Eu tinha 9 anos e fomos jogados numa gaiola.
Fomos trazidos para a Cidade de Deus. E começa todo sofrimento e luta. Quem eu sou hoje, eu sou fruto desta remoção. Os primeiros anos na Cidade de Deus foram uma experiência muito dolorosa. Nós tínhamos tudo, a amizade, escola, trabalho, mas a nossa favela parte foi para a Cidade de Deus, parte para Cidade Alta. E chegando à Cidade de Deus fomos divididos: parte foi para triagem, parte para casas e outros para os apartamentos.
A minha mãe era camareira, passadeira, cozinheira e ela trabalhava em varias casas na zona sul. E naquela época ir da Cidade de Deus para a Gávea era sofrido. Mais de duas horas em estradas estreitas, ruins, tendo que pegar 3 ou 4 ônibus. E meu pai era trabalhador da DLU-Departamento de Limpeza urbana, hoje a COMLURB, em Copacabana. E ele ia pra lá todos os dias. Depois ele conseguiu transferência para o Hospital Santa Maria. Aquele momento foi muito difícil. Principalmente para minha mãe. Ela perdeu os amigos e ficou longe de todo mundo, tendo que trabalhar longe o tempo inteiro, saia cedo de casa.
Eu e meu irmão perdemos a escola. E fomos parar no colégio Gardênia Azul. Foi legal- sobrevivi. A partir de dos meus 15 anos, eu já trabalhava ajudando minha mãe nas faxinas na zona sul, e ela me ensinou a ser jardineiro.
Papai e mamãe em 68 tiveram que se esconder para não serem presos. Muitos líderes das comunidades foram presos, torturados, ficaram desaparecidos por algum tempo. Só depois que houve a remoção é que estes líderes voltaram. Foram libertados. E esta experiência marcou muito.
Na Cidade de Deus minha mãe era sindica do prédio. Viveu os problemas iniciais mesmo. Aquela história de “dia falta água, de noite falta luz” era verdade. Não tinha assistência médica.
Eu me lembro que a luta mais forte que fiz na Cidade de Deus foi pela saúde. Em 80/81 fizemos o Encontro Popular pela Saúde. E em seguida conseguimos a instalação de Unidade de Atendimento Primário na Cidade de Deus, foi uma luta histórica do Comocide.
Meu nível de participação começa com o teatro- foi o primeiro grande momento de me manifestar, de me colocar por inteiro, para entender o que vivíamos na Cidade de Deus, com 17/18 anos. Criamos um grupo de “Teatro e Cine Clube Perspectiva”.
Paulo Lins participou do grupo- ele cuidava do cinema- pegava os filmes nas embaixadas, gratuitos, porque não tínhamos grana para comprar. Fizemos um trabalho intenso e surgiu o jornal O Amanhã e junto com a Revista Nós, simbolizou um momento de muita resistência. Momento em que começamos a perceber que a Cidade de Deus se valorizava à medida em que a Barra ia sendo ocupada.
Na medida em que a Barra crescia, e o Recreio dos Bandeirantes se desenvolvia a gente via a ganância dos grupos imobiliários muito fortes. Tinha também desrespeitos às leis urbanas, aos gabaritos. O Plano Lucio Costa tentava ordenar mas havia desrespeito, com autorização de grandes condomínios, grandes espigões. E tudo se aproximando muito da Cidade de Deus. Aí começa nossa compreensão de que tínhamos que ter uma luta intensa na Cidade de Deus para melhorar a qualidade de vida: na saúde, na educação, na moradia. Porque é inadmissível, que centenas de moradores vivessem ainda em situações sub-humanas, em vagões, em triagens. Eram moradias que pareciam um grande vagão de trem, cubículo de 3/3m², onde viviam pais e 5 e 6 irmãos, com esgoto a céu aberto, com água contaminada. Se chovia enchia tudo, se fazia muito calor era insuportável, teto muito baixo, enfim eram condições sub-humanas.
Então nós compreendíamos que se intensificássemos a luta pela qualidade de vida na Cidade de Deus, nós estaríamos garantindo a permanência da comunidade diante das ameaças destes grandes grupos imobiliários, que foram se instalando, dominaram e dominam a Barra ainda hoje. Essa foi a compreensão daquele grupo de jovens. E não posso deixar de falar de 3 grandes nomes na Cidade de Deus- que tenho orgulho de ter convivido: João Batista, João de Pinho e Sr. Benedito. João Batista e Benedito, que eram dois comunistas, da velha guarda, que deram a vida pela Cidade de Deus e nos ensinaram muito.
De vez em quando tínhamos lá nossas divergências, mas cresci observando as atitudes sempre éticas determinadas, e depois compreendendo melhor o João de Pinho e vendo que ele tinha escolhido um lado- o lado da gente- organizar o povo da Cidade de Deus e lutar por melhores condições de vida.
E nós conseguimos construir um coletivo na Cidade de Deus muito interessante. Era um grupo de socialistas, vindo da militância. Ninguém ali estudou, o mais estudioso era o Paulo Canamês, que influenciou outros jovens como Wellington- que se tornou um intelectual- o Pablito. Eu me orgulho muito de ter trazido algumas pessoas para a luta. A Cleonice Dias, o Adalton Pereira. E mais, a AMOATA, a AMAF nós ajudamos a fundar varias outras e construir o que tem hoje, na FAM Rio, o que foi a zonal da FAMERJ, foi a Cidade de Deus que ajudou a existir.
A luta na Cidade de Deus
Duas lutas marcaram muito a minha vida: em plena ditadura militar, regime de exceção, nós, um grupo de jovens socialistas - e aí eu já estava no partido comunista- principalmente com a chegada de Luiz Carlos Prestes, Gregório Bezerra, Brizola, Arraes- tudo pulsava no Brasil. E nós na Cidade de Deus, defendendo teses sem apoio de ninguém. Só o nosso coletivo e as nossas crenças. E nunca nos intimidamos com a violência.
O que o livro de Paulo não diz é que durante a existência do Zé Pequeno, Mané Galinha, tinha um grupo de socialistas, jovens moradores da Cidade de Deus e donas de casa, organizando e discutindo com o povo da Cidade de Deus as questões de saúde, fazendo o encontro popular pela saúde- que reuniu 5mil pessoas. O livro foi um sucesso, mas não disse que, mesmo com tudo que contou, havia luta e resistência feita por jovens. Nós reunimos milhares de pessoas para discutir moradia na Cidade de Deus. Onde se fazia isto, naquela época?
A gente reunia mil, 800 pessoas, não só para discutir moradia, discutia saúde, educação. A gente aproveitava aquele momento de mobilização para moradia, e discutíamos outras questões. Nós fizemos curso de primeiros socorros. Nós criamos o slogan que foi da esquerda e de luta em outros Estados. “Saúde - direito de todos, e dever do Estado”, nasceu no COMOCIDE, na Cidade de Deus. E vi depois a Associação dos Funcionários da Fiocruz também afirmar e depois os seus cientistas participaram de vários encontros. Fizemos o segundo encontro popular e colhemos 10.000 assinaturas para a abertura do Hospital Alberto Schweitzer em Realengo. São lutas históricas que marcaram a nossa existência.
E nós entendemos que naquele momento foi importante para o fortalecimento da FAMERJ. O Conselho de Moradores da Cidade de Deus, contribuiu para o crescimento da FAMERJ, organizando esses grandes encontros. Acho que só não avançamos mais na questão da educação e eu responsabilizo o Caó (Carlos Alberto de Oliveira), Secretário Estadual de Habitação. Na época se o Caó tivesse mais responsabilidade e não achasse que estávamos disputando com ele... nós estávamos querendo encontrar com o Governo Brizola uma saída para questões de habitação, que se arrastava há anos,que eram as condições sub humanas que viviam os moradores das triagens.
Se Caó esquecesse as futricas anti PT, e de setores que minavam nosso trabalho dentro da Cidade de Deus, poderia ter feito muito mais, porque nós tínhamos proposta para fazer.
A luta dos mutuários
A nossa luta de habitação era muito forte na Cidade de Deus. E a partir de uma indicação do COMOCIDE eu fui para o conselho de representantes da FAMERJ, e fui eleito por dezenas de associações o presidente do conselho de representantes da Federação – 1981. Em 1983 – no congresso da FAMERJ – eu fui eleito vice-presidente e o Jó Resende – presidente.
Em 1983- quando houve o aumento pelo governo Federal de 130% das prestações da casa própria, foi quando a FAMERJ propôs a equivalência salarial para os mutuários.
No Rio de Janeiro a FAMERJ se tornou o maior instrumento de luta. Se a CUT era uma força em São Paulo e Brasil, no Rio foi a FAMERJ- não só na luta de habitação, mas na educação e saúde. Minha vida e minhas convicções são de que o povo tem que estar organizado, consciente de seus deveres e direitos e organizado para lutar por eles. Foi esta crença que levei para FAMERJ.
Quando eu assumi a FAMERJ- cada município estava organizando federação municipal e tínhamos mil associações filiadas. Era um grande movimento acreditando que era possível mudar este país. E aí eu passei 2 anos, na defesa dos CIEPS pela manutenção do projeto nos governos pós-Brizola. Foi uma grande perda que nós tivemos aqui no Rio de Janeiro- a destruição dos CIEPS.
A década de 80 foram os melhores anos da minha vida. Quando entramos no PDT, o Brizola tinha 1% das pesquisas. E fomos negociar com o Brizola a nossa entrada no PDT. Éramos lideranças: eu presidente, outro era da direção do sindicato dos médicos, outro da direção da CUT. Éramos de uma liderança que tinha uma representação no movimento popular e sindical forte. E foi aí que nós lançamos Afonso Celso, deputado estadual; Silas Ares, vereador e apoiamos o Caó. E por isso não concordo com o que o Caó fez com a Cidade de Deus. Entramos no PDT, como um coletivo e apanhamos muito dentro do PDT- mesmo tendo um deputado estadual do nosso lado.
O Afonsin era um grande líder. Tive grandes pessoas que me a ajudaram a crescer: João Batista e Benedito na Cidade de Deus, Afonsin, Afonso Celso, Jó Resende, Silas Aeres, Walter Mendes e sua ex-esposa Rosangela Mendes, Adalton, Cleonice, meu irmão e Lucimar minha ex-mulher- todos importantes para mim. Nós tínhamos quadros para assumir a secretaria, mas todos foram rejeitados. O tempo passou e eu fui convidado a participar do governo. Eu estava desempregado.
Eu consegui montar com o Dr. Edgard Ribeiro, advogado de posseiro - a luta pela posse de terra começou com ele- que depois foi para o PT, a Comissão de Assuntos Fundiários. E montamos também a Secretaria de Assuntos Fundiários. Na primeira campanha de Brizola, nós juntamos posseiros e fomos conversar com Brizola. E conseguimos convencer a ele que a Indústria da Reintegração de Posse na Barra, Recreio, Campo Grande, Santa Cruz, Realengo, Guaratiba era muito forte.
As colônias de pesca do litoral fluminense sendo destruídas, pescadores sendo despejados em Paraty, Cabo Frio, Búzios. E conseguimos criar a Comissão, depois a Secretaria. Me lembro do Brizola assinando a primeira desapropriação de Campo Alegre. Foi a primeira ocupação de terra do Rio de Janeiro, depois da ditadura militar.
Eu não fui cooptado pelo grupo dos Sem Terra. Eu ajudei a construir uma proposta. Participei da construção de uma política pública e de quadros para efetivar esta politica. Celia Raviera veio daí - nós é que trouxemos a Celia Raviera para este grupo- e constituiu o ITERJ depois.
Aí a primeira secretaria, o Moreira Franco me exonerou. E no segundo mandato do Brizola, nos últimos 6 meses, eu fui convidado para ser subsecretario e depois secretario de Assuntos Fundiários. E me orgulho de ter participado da elaboração de proposta de lei- o único instrumento que legaliza terras públicas no Rio de Janeiro de 1993, a lei de Concessão de Direito Real de Uso. A gente desapropriava os terrenos, e não tinha garantias legais para manter os posseiros na terra.
Vila Autódromo tem este título desde 1994. São duas situações: quando desapropria e emite na posse, você tem a emissão da posse dada pelo juiz, aí neste caso nós dávamos a promessa de Concessão de Uso por 99 anos, renováveis, transferidas para as famílias.
Hoje essa luta de resistência da Vila Autódromo, teve a participação do governo Brizola, e eu me orgulho de ter participado disto, desta titulação, pesquisando que aquela terra era do Antigo Estado da Guanabara.
Durante o governo Brizola atuamos muito forte aqui em Jacarepaguá. Foram algumas comunidades em que nós conseguimos combater o despejo: foi a Estrada do Sertão, o Canal do Anil. Nós conseguimos resolver alguns problemas. Hoje tem terrenos, tem áreas dentro de Rio das Pedras que foram desapropriadas pelo governo Brizola, via Secretaria de Assuntos Fundiários, para assentar as famílias, pra manter as famílias naquela região lá. Mas nós não conseguimos avançar nas outras regiões, principalmente de Vargem Grande e Vargem Pequena. Não conseguimos avançar por falta de um melhor estudo da origem daqueles terrenos, um estudo maior de certidões centenárias, enfim... [era preciso] fazer um estudo lá, desde as sesmarias até os dias atuais.
Isso teria que ser um estudo mais detalhado, mais minucioso com uma equipe multidisciplinar e a gente não conseguiu ter tempo pra desenvolver isso, pra poder botar o dedo em algumas feridas. Mas conseguimos fazer alguns assentamentos aqui na região de Jacarepaguá, Barra e Recreio. Nós fizemos assentamentos no Canal do Anil, nós conseguimos evitar os despejos dentro da Estrada do Sertão, nós realizamos um assentamento em Vargem Pequena – hoje tem duas comunidades (agora me foge o nome) em Vargem Grande... O Caminho do Fontela é uma ocupação, uma comunidade fruto da Secretaria de Assuntos Fundiários. As famílias foram despejadas, faltava ainda uma parte a ser despejada. Um líder foi assassinado e nós intervimos e desapropriamos, tiramos das mãos do Pasquale Mauro e depositamos um valor simbólico lá - ele tá até hoje discutindo na justiça esse valor, me parece, não sei se já chegou a conclusão desse processo – mas nós emitimos a posse e assentamos famílias ali, famílias que tavam em áreas de risco, famílias fruto de alagamentos, e hoje vê a comunidade do Fontela, né.
Então foram vitórias importantes, mas faltou... fizemos um encontro com várias lideranças do MUP (Movimento de União Popular), pra discutir a situação das 28 comunidades aqui na região. E nós pouco avançamos por causa do tempo. Essa conversa com o MUP se deu já faltando seis meses pra terminar o governo, e o meu mandato como secretário. Então nós tivemos pouco tempo e só fomos pegar os conflitos maiores. Vila Autódromo: dá pra pegar a Vila Autódromo? Dá. Então vamos pegar e vamos intitular todo mundo na Vila Autódromo. Qual é a outra que dá pra evitar o despejo? Vamos segurar esse, vamos terminar a Fontela.
Mas se nós tivéssemos mais tempo, tivéssemos sido mais pressionados, a gente poderia ter feito um estudo da história de cada terra. Porque os moradores também pouco conhecem a história daquela terra, ocupam aquela terra, têm o umbigo enterrado naquela terra, mas a história poucos conhecem. Então isso também dificulta porque você tem que fazer uma pesquisa, não tem jeito, tinha que ter tempo não é da noite pro dia. Dinheiro pra fazer desapropriação em todas as áreas? Não tem. Você não pode desapropriar tudo. Não tem recursos públicos que dê pra você fazer uma desapropriação de todas as áreas. Então você precisa construir outros instrumentos que levem à legalização, que levem à regularização fundiária. O que nós trabalhamos naquele momento foi o seguinte o governo vai acabar, então nós temos que estancar as ameaças, deixar o máximo seguro possível aquelas comunidades que sempre foram ameaçadas, e foi assim que nós agimos. Mas nós podemos avançar mais, mas não deu... e acho que faz parte.
Os dias de hoje: desafios e ameaças
Primeiro houve um tempo em que a gente mobilizava, organizava, educava. Hoje falta organização popular.
Segundo: temos um inimigo forte, frontal- que é a milícia. Eu cantei esta pedra na eleição em 1992. A primeira intervenção da milícia se deu em 1982- no rio das Pedras e Anil. Tínhamos um trabalho lá da secretaria de Ações Fundiárias e dava para perceber algo estranho. E eu falei pra várias pessoas. Que nas eleições de 82- tinha um inimigo, que não era chamado de miliciano, mas que tinha a força da arma.
Ela interferiu muito nas eleições de 1992 aqui em Jacarepaguá, mas ninguém sabia o que era, não tinha nome de milícia. E ela está metida hoje, manda e desmanda em Jacarepaguá.
O terceiro é o tráfico. O tráfico é muito forte em Jacarepaguá. Só que não querem ver ou fingem que não existe- mas o tráfico é forte em Jacarepaguá. E hoje se misturando com miliciano. É mais grave ainda. Contam que na Praça Seca, Covanca, o tráfico paga aluguel a miliciano. Isso é grave e desesperador. Isto atinge a região como um todo. E os milicianos comandam justamente as áreas que não tem organização social, nem no passado, consistente.
Rio das Pedras sempre esteve na mão de setores de direita, com vários interesses, mas não o de organizar e fazer uma luta consistente por defesa e melhoria da qualidade de vida. Lá nunca foi. Boiúna, Covanca, não havia organização consistente.
Mesmo com as UPPs, a atuação da policia continua ainda a nos deixar extremamente preocupados e as pessoas que militam lá se sentem ameaçadas. Nós estamos intimidados pela milícia, pelo tráfico, pela polícia. Organizar e fazer a luta social aqui está muito difícil. Agora tem que haver alguns setores, tem ainda pequenas células de resistência que fazem tudo pra se manter.
O trabalho que a FioCruz faz aqui, o trabalho da AMAF, da zonal FAMRIO, do Jornal Abaixo Assinado, de algumas ONGs, CEPEJABA na Boiuna e as Cooperativas de Moradia. São núcleos de resistência – mas que podem sofrer represálias, ameaças. Até os parlamentares que elegemos aqui sumiram. O Edson Santos não aparece em reuniões dos movimentos populares. Cadê o Robson Leite? Com quem podemos contar aqui em Jacarepaguá? Não tem ninguém.
Não sei qual o caminho para aumentar a resistência. Nós só temos o poder da palavra, o poder do coração.
Luta e Saúde
Eu me lembro que nos organizamos as comissões de saúde nas associações de moradores. Sai por este Rio de Janeiro defendendo que cada Associação de Moradores tivesse uma comissão para pensar a saúde. Fizemos isto na Cidade de Deus. Hoje quando você olha o quadro de saúde na região, você vê que é desesperador. O poder público estadual, municipal estão hoje, quebrando os hospitais públicos. E o Governo Federal?
O que o Eduardo Paes faz com o hospital Rafael de Paula e Souza é gravíssimo. É um hospital que tinha sua função, tinha o seu papel. Tinha médicos excelentes, ambulatórios, consultórios. Cobria a área. O Prefeito está desativando gradativamente o hospital.
O Cardoso Fontes – um hospital de primeira linha, um centro de aparelhagem moderna – que serviu a seleção brasileira para copa do mundo, em época passadas, hoje está sucateado: leitos desativados, serviços desativados, falta médicos, falta enfermeiros. A emergência funciona no segundo andar, no corredor completamente destruído.
O Curupaiti, do Estado. Hospital Santa Maria também em crise. O desafio é reconstruir o Conselho Comunitário de Saúde, fortalecer a atuação daquele que se reúne uma vez por mês no posto de saúde do Tanque.
O quadro hoje é desesperador. Vai à UPA da Taquara, falta médico, ortopedistas. Há pouca divulgação das mortes, mas é muito grave a situação da saúde. Acho que a Fiocruz podia dar uma contribuição maior. Podia organizar um encontro popular pela saúde. Chamando os três secretários- município, estado e federal. E chamar as associações de moradores e comunidades para fazer um grande debate sobre a saúde pública aqui. A Fiocruz, uma grande parceira, para pensar a saúde, replanejar, reestruturar a saúde em Jacarepaguá.
O slogan continua sendo o mesmo de 30 anos atrás, “saúde, direitos de todos e dever do estado”.
E nós precisamos do povo deles para fazer pressão popular necessária para não desativar o hospital do Curicica, pra não deixar o Cardoso Fontes sem médico, e a colônia fechar serviços que nós consideramos importantes.
Se a prefeitura quer construir os centros de tratamento para quem usa crack, que faça com a participação popular. Quer instalar as clinicas da família, que faça com a participação popular. Discutir coletivamente. Precisamos fazer com que este governo do Eduardo Paes – um prefeito autoritário, ditador, que massacrou muito posseiro nesta região que está a serviço da indústria imobiliária, precisa ser pressionado de todas as formas, porque ele está desmantelando a saúde. O que que está por trás quando ele quebra o hospital do Curicica?
Posso estar enganadíssimo. Se eu vou lutar pelo hospital do Curicica, porque eu não chamo esta nova federação? Porque deve ter gente lá sem saber que podem estar sendo manipuladas. Sendo enganadas – pensando que é uma coisa e é outra. Eu não acredito que todos os envolvidos nesta federação, sejam todos da milícia. Tem gente ali sendo manipulada, porque na verdade – com a desarticulação da FAMERJ aqui na região da FAFRIO, as pessoas estão soltas.
O movimento popular está solto na região. Existe um esforço da FAMRIO em continuar, mas não dá para mobilizar só pela internet. Se você não buscar as pessoas, não fizer contato elas não vão. O movimento da favela hoje está largado. Aí dá espaço para setores oportunistas, de direita, opressores.
Estamos ficando de cabelos brancos, e não temos a mesma militância de antigamente. Esse momento é muito difícil. Tinham grupos discutindo e atuando com diretriz. Qual o coletivo que está discutindo Curicica? Qual o coletivo que está discutindo o Rio das Pedras? Eu estou tentando distribuir o meu Jornal lá e não tenho ponto. Os moradores do tempo da FAMERJ e da secretaria, já passaram as casas para os filhos, que não nos reconheceu. Nem sei como me dirigir lá.
Se fizer um encontro popular pela saúde, vem todo mundo. Não sei, temos que ter uma estratégia.
O Governo Brizola sempre teve uma relação democrática com relação as ocupações. Em nenhum momento reprimiu as ocupações. Nós conseguimos uma coisa nos dois mandatos de Brizola. Conseguimos junto ao Coronel Nazareth que a policia militar, antes de executar uma desocupação, comunicasse a Secretaria Estadual. Quando eu fui secretário o Nilo Batista era o Governador. E ele nunca disse não para Jacarepaguá. Na questão da Via Parque ele fez de tudo para evitar o despejo que o Eduardo Paes conseguiu na justiça. Mas ali ele cometeu um crime. Nós conseguimos uma liminar. A juíza deu despejo. Mas ao mesmo tempo ela mandou preservar os imóveis. Ela não mandou derrubar as casas. Porque os móveis e tudo ficariam nas casas. E o comandante do 18º batalhão deu apoio ao Eduardo Paes e na madrugada eles derrubaram tudo, com tudo dentro.
Havia um acordo feito por mim e pelo Nilo Batista com o 18º batalhão. Mas o 18º tem um lado obscuro até hoje. Na madrugada eles ajudaram a Prefeitura. Mas o Governo Brizola foi o que mais apoiou as ocupações e o que mais combateu a indústria da reintegração de posse. Eu me orgulho de ter participado disto. E mais quando tinha uma ação de reintegração de posse em qualquer cidade do Rio, e o oficial de justiça comunicava o fato, e pediam garantia policial para garantir o despejo – antes de qualquer ato, o comandante do batalhão do local, deveria se comunicar com a comissão ou a secretaria de assuntos fundiários. Nós conseguimos construir essa relação. E nós tínhamos 48h para resolver este problema. E assim evitamos vários despejos, e ações de reintegração de posse – fossem terras do INCRA, seja lá de quem fosse. Brizola dizia – enquanto tiver uma família sem teto, nós temos que defender. Mas nós demoramos muito a fazer a segunda etapa que era a urbanização dessas áreas.
A questão da Barra. Os duelos com Pasquale Mauro. Nossos principais embates foram com ele. Nós utilizamos uma lei que só o Brizola usou, lei da ação discriminatória. Usamos na Praia do Sono. Eu podia requerer aquela terra, por meio administrativo, se ali tivesse dados e embasamento de que a terra era publica. E ela foi pública.
Também foi no Governo Brizola que foi titulada a 1ª área registrada de quilombolas lá de Paraty. Foi transferida uma fazenda aos quilombolas. Hoje ela está prosperando.