Trabalho escravo: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Edição das 15h13min de 10 de abril de 2023

Trabalho análogo à escravidão (Código Penal) , forçado ou obrigatório (Convenção nº 29 da Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho) é um fenômeno de caráter global que viola gravemente os direitos humanos ao cercear a liberdade e agredir a dignidade do indivíduo. Diferentemente dos mecanismos de escravidão dos períodos imperial e colonial, este tipo de conduta se constitui um crime e está atrelado subalternamente às dinâmicas trabalhistas contemporâneas.

Autor: Vitor Martins.

Sobre

Trabalho escravo é um crime amplamente reconhecido ao redor do globo através dos países membros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em sua 30ª Convenção Geral, ocorrida em 1930 na cidade de Genebra (Suíça), entre outros, e é repreendido por leis trabalhistas em diversos países. No Brasil, a lei sobre trabalho escravo foi institucionalmente constituída pela primeira vez em 1956, a partir de um decreto legislativo que aderia ao termos adotados pela OIT referentes ao crime[1], sendo ratificado em 25 de abril de 1957, promulgada em 25 de junho de 1957 e finalmente entrado em vigência no território brasileiro em 25 de abril de 1958[2]. Apesar disso, o país só passou a reconhecer a incidência do trabalho escravo em seu território, diante da OIT, em 1995, quando passou a registrar os números de trabalhadores resgatados. Além disso, tornou-se crime previsto e tipificado pelo código penal brasileiro somente em 2003, com pena de reclusão de 2 (dois) anos e multa, além de pena correspondente a eventuais violências ocorridas durante a execução do crime[3]. A penalidade pode ser ampliada pela metade caso o crime seja cometido contra menores de idade ou em decorrência de raça, religião ou origem.

Segundo a OIT no Brasil, o trabalho escravo "pode assumir diversas formas, incluindo a servidão por dívidas, o tráfico de pessoas e outras formas de escravidão moderna. Ele está presente em todas as regiões do mundo e em todos os tipos de economia, até mesmo nas de países desenvolvidos e em cadeias produtivas de grandes e modernas empresas atuantes no mercado internacional."[4] No Brasil, a organização "Escravo Nem Pensar!" afirma que "o termo trabalho escravo contemporâneo é usado no Brasil para designar a situação em que a pessoa está submetida a trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívidas e/ou condições degradantes. Não é necessário que os quatro elementos estejam presentes: apenas um deles é suficiente para configurar a exploração de trabalho escravo."[5]

Panorama Global

  • Em 2021, 49.6 milhões de pessoas viviam em situação de escravidão moderna (Isso significa que 1 em cada 150 pessoas vivendo no mundo). . Desse total, 28 milhões de pessoas realizavam trabalhos forçados e 22 milhões estavam presas em casamentos forçados.
  • Em 2021, 10 milhões de pessoas a mais estavam em situação de escravidão moderna em comparação com as estimativas globais de 2016.
  • Das 27,6 milhões de pessoas em trabalho forçado, 17,3 milhões são exploradas no setor privado; 6,3 milhões eram vítimas da exploração sexual comercial forçada e 3,9 milhões do trabalho forçado imposto pelo Estado.
  • Quase quatro em cada cinco vítimas de exploração sexual comercial forçada são mulheres ou meninas, Com isso, mulheres e meninas representavam 4,9 milhões das pessoas vítimas da exploração sexual comercial forçada, e 6 milhões das pessoas em situação de trabalho forçado em outros setores econômicos, em 2021.
  • Um total de 3,31 milhões de crianças são vítimas de trabalho forçado, o que representa 12% de todas as pessoas em situação de trabalho forçado. Mais da metade dessas crianças são vítimas da exploração sexual comercial..
  • O trabalho forçado atinge praticamente todas as áreas da economia privada. Os cinco setores responsáveis pela maior parcela do trabalho forçado são: serviços (excluindo trabalho doméstico), manufatura, construção, agricultura (excluindo pesca) e trabalho doméstico.
  • As pessoas trabalhadoras migrantes são particularmente vulneráveis ao trabalho forçado.
  • A região da Ásia e do Pacífico tem o maior número de pessoas em situação de trabalho forçado (15,1 milhões) e os Estados Árabes a maior prevalência (5,3 por mil pessoas).
  • Enfrentar os déficits de trabalho decente na economia informal, como parte de esforços mais amplos para a formalização econômica, é uma prioridade para o progresso contra o trabalho forçado.
  • Para mais dados e estatísticas globais, consulte o site global da OIT.[4]

Panorama brasileiro

  • Entre 1995 e 2020, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil, segundo o Radar da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), vinculada à Secretaria Especial de Previdência e Trabalho (SEPRT) do Ministério da Economia.
  • As trabalhadoras e os trabalhadores resgatados são, em sua maioria, migrantes internos ou externos, que deixaram suas casas para a região de expansão agropecuária ou para grandes centros urbanos, em busca de novas oportunidades ou atraídos por falsas promessas.
  • A maiorias dos trabalhadores resgatados são homens, têm entre 18 e 44 anos de idade e 33% são analfabetos.
  • Os dez municípios com maior número de casos de trabalho escravo do Brasil estão na Amazônia, sendo oito deles no Pará.
  • Tradicionalmente, a pecuária bovina é o setor com mais casos no país. No entanto, há cerca de dez anos intensificaram-se as operações de fiscalização em centros urbanos, até que em 2013, pela primeira vez, a maioria dos casos ocorreu em ambiente urbano, principalmente em setores como a construção civil e o de confecções.[4]

Dados e perfil dos trabalhadores resgatados no Brasil

Segundo o Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas - SmartLab, foram encontradas, entre 1995 e 2022, 60.251 pessoas em condições de trabalho análogas a de escravo no território brasileiro. Destas, mais da metades estão envolvidas no setor agropecuário, pelo menos 62% são trabalhadores agropecuários em geral, 64% são pardos ou pretos, e 62% são analfabetos ou possuem escolaridade apenas até o 5º ano do ensino fundamental. Também são em maioria homens e têm entre 18 a 34 anos. A média anual de trabalhadores regatados até 2022 é de 2.063,3.[6]

Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.
Dados retirados do Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas.














Casos recentes no Brasil

Até março de 2023, o Brasil já teve 918 trabalhadores resgatados. O número é um recorde para um primeiro trimestre anual, segundo o Ministério Público do Trabalho.[7]

Vinícolas do Rio grande do Sul

Dentre estes casos, destaca-se uma operação conjunta da Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com o Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), a Polícia Federal (PF) e a Polícia Rodoviária Federal que resgatou trabalhadores em situação análoga à escravidão que atuavam na colheita da uva e no abate de frangos em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Caso foi denunciado por um grupo de trabalhadores que conseguiu fugir do esquema e procurar a PRF em Porto Alegre.[8]

Segundo o MPT-RS, cerca de 215 homens foram encontradas em más condições de alojamento. Já a PRF calculou em 150 o número de pessoas resgatadas. Eles trabalhavam para uma empresa que fornecia mão de obra para grandes vinícolas da região, que não tiveram os nomes divulgados pelos órgãos de inspeção.

De acordo com relato aos policiais, os trabalhadores foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e trazidos para a Serra Gaúcha para trabalharem para uma empresa terceirizada que presta serviços a uma vinícola.

Os agentes fizeram buscas em galpão, na Rua Fortunato João Rizzardo, no bairro Borgo, onde os trabalhadores estavam alojados. A força-tarefa constatou precariedade nas acomodações, com pouquíssimo espaço para acomodar muitos trabalhadores ao mesmo tempo. Também há relato de muita sujeira, desordem e mau cheiro.

Segundo os trabalhadores, eles trabalhavam diariamente, das 5h às 20h, com folgas somente aos sábados. Isso representa uma absurda jornada de 15 horas de trabalho. Também denunciaram que representantes da empresa ofereciam a eles comida estragada.

Os trabalhadores também informaram que só podiam comprar produtos em um mercadinho em frente à Igreja Nossa Senhora do Carmo, com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado no salário. Desta forma, eles acabavam o mês devendo, pois o consumo superava o valor da remuneração. E que eram impedidos de sair do local e que, se quisessem sair teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os patrões ameaçariam os familiares, que vivem no estado nordestino.

Fazenda de arroz em Uruguaiana, RS

Uma outra operação realizada em 10 de março de 2023 resgatou 82 em situação semelhante à escravidão em duas fazendas de arroz no interior do município de Uruguaiana, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. A operação foi realizada em conjunto pela Polícia Federal (PF), Ministério Público do Trabalho e a Gerência Regional do Trabalho.[9]

Conforme a PF, os resgatados são todos homens, sendo 11 deles eram adolescentes, com idade entre 14 e 17 anos. A operação foi realizada nas estâncias Santa Adelaide e São Joaquim.

O número oficial de resgatados incialmente era de 56 pessoas. Porém, foi atualizado mais tarde para 82, após cruzamento de dados das variadas equipes de resgate que participaram da operação.

Eles trabalhavam fazendo o corte manual do arroz e a aplicação de agrotóxico. Segundo os órgãos de fiscalização, os resgatados não utilizavam equipamentos de proteção e caminhavam à exaustão antes de chegarem ao local em que desempenhavam as atividades.

A comida e as ferramentas de trabalho eram por conta dos empregados. Se algum deles adoecesse, teria remuneração descontada, segundo apurado pela fiscalização. Conforme os relatos, um dos adolescentes sofreu um acidente com um facão e ficou sem movimentos de dois dedos do pé.

Nova Iguaçu, RJ

Um homem de 51 anos também foi resgatado em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, no dia 27 de março de 2023 , em condições de trabalho degradante em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. De acordo com a prefeitura da cidade, agentes da Guarda Ambiental Municipal (GAM) foram verificar uma denúncia de criação irregular de suínos e encontraram o trabalhador em situação subumana.[10]

“Segundo a própria vítima, o proprietário do terreno e dos animais lhe ofereceu trabalho em troca de abrigo. No entanto, Geovani Dias Cardoso, de 51 anos, vivia em condições precárias de higiene e se alimentava da mesma lavagem servida aos porcos havia mais de um ano”, informou a prefeitura de Nova Iguaçu.

Além da situação de trabalho análoga à escravidão, os agentes da GAM encontraram outras irregularidades: abate ilegal dos animais, dispersão de vísceras na margem de um rio, contaminação do solo por vermes e comida em estado de putrefação. O local foi interditado nesta terça-feira (28).

O caso foi registrado na 58ª Delegacia de Polícia (DP) de Posse. Além de trabalho análogo à escravidão, o proprietário do local pode ser investigado por crimes ambientais, atividade potencialmente poluidora e maus-tratos de animais.

De acordo com a nota da prefeitura, a Secretaria Municipal de Assistência Social fez o acolhimento da vítima e tenta localizar a família.

Como denunciar

Você pode realizar uma denúncia de trabalho escravo através do portal telefônico do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) - Disque 100.

A Divisão de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério da Economia (Detrae) também criou um outro canal de denúncia que você pode acessar aqui.

O Ministério Público do Trabalho também recebe denúncias via prédios da procuradoria e por meio dos sites das procuradorias regionais. O MPT possui ainda um aplicativo para denúncias, MPT Pardal, que você pode encontrar disponível para Android e iOS.

Referências

  1. OIT, C029 - Trabalho Forçado ou Obrigatório.
  2. CONGRESSO NACIONAL, DECRETO LEGISLATIVO Nº 24, DE 1956 - Publicação Original.
  3. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, LEI No 10.803, DE 11 DE DEZEMBRO DE 2003.
  4. 4,0 4,1 4,2 OIT BR, Trabalho Forçado.
  5. Escravo nem pensar! - O trabalho escravo no Brasil.
  6. SMARTLAB, Perfil dos casos de trabalho escravo.
  7. AGÊNCIA CÂMARA DE NOTÍCIAS, Brasil bate recorde de trabalho escravo e deputados sugerem propostas, força-tarefa e até CPI.
  8. BRASIL DE FATO, Operação resgata pessoas de trabalho análogo à escravidão durante colheita da uva no RS.
  9. G1, Operação resgata pessoas em condição semelhante à escravidão em fazendas de arroz no RS, diz PF.
  10. AGÊNCIA BRASIL, Homem é resgatado de trabalho análogo à escravidão em Nova Iguaçu.