Marcha para Jesus (da periferia ao centro): mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Edição das 11h28min de 10 de março de 2020

Autora: Raquel Sant’Ana.

A Marcha para Jesus é um evento realizado anualmente em centenas de cidades de todo o mundo, cuja principal marca é a ocupação de espaços de grande visibilidade e importância por parte de multidões de cristãos, que com seus corpos, músicas e palavras propõem a retomada da cidade por Jesus. A primeira edição se deu em Londres em 1987 e recebeu o nome de City March, tornando-se posteriormente um evento regular com o nome March for Jesus. Naquela ocasião, a Marcha era parte de um processo de investimento evangélico nos diálogos com a juventude, a cidade e a mídia.

No Brasil, o evento assumiu as cores do processo mais amplo de expansão evangélica, verificado desde meados do século XX, mas que ganhou especial impulso nas últimas décadas desse século. Esse crescimento numérico foi notado principalmente entre vertentes pentecostais e neopentecostais, modificando o perfil de atuação no espaço público dos evangélicos. Apoiados na “teologia da batalha espiritual” na “teologia do domínio”, avaliavam que haveria uma guerra espiritual em curso entre Deus e o Diabo inseparável da vida cotidiana, esses setores passaram a entender que os problemas pessoais, sociais e políticos seriam fruto da ação do Diabo. Dessa maneira, “retomar para Jesus” os espaços de poder da sociedade e da cidade seria uma forma de combater esses problemas.

Parte desse investimento evangélico na mídia, nos empreendimentos financeiros e na política como forma de batalha espiritual, a Marcha pode ser lida como a própria performance de uma ocupação do “centro”, da cidade e da vida pública, por parte dos evangélicos. O processo de desenvolvimento no Rio de Janeiro é especialmente fértil para a compreensão do significado metafórico e territorial dessa “conquista” do centro pelo “exército de Jesus”. Nesse estado, que possui uma das maiores proporções de evangélicos do país, as primeiras Marchas foram realizadas como eventos de igrejas locais voltados aos seus territórios, em geral, de marca periférica (nos subúrbios, na baixada fluminense e nas favelas). Olhar para o processo pelo qual essas iniciativas passaram a constituir uma Marcha unificada que, ao sair desses territórios passa a ocupar o Centro da cidade permite compreender não apenas a formação das redes pelas quais certas lideranças evangélicas ganharam espaço em detrimento de outras, mas também quais repertórios mais gerais estão em jogo nessas experiências de “retomada” da cidade.