Roda de Rima - episódio 18 (programa): mudanças entre as edições
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Edição das 18h58min de 5 de outubro de 2023
Papo na Laje é um programa disponível em plataformas virtuais, como o Youtube, e na TV fechada (canal 6, Claro/NET) desenvolvido pelo Brasil de Fato em parceria com a TV Comunitária do Rio de Janeiro.
Autoria: Papo na Laje
No programa “Papo na Laje: Roda de Rima”, a apresentadora Dani Câmara entrevista Felipe Machado, conhecido nas batalhas de MC como FL e Akin Lana, mais conhecido como Mano Hip da Roda Cultural do Pistão, realizada no bairro de Campo Grande, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Akin e Felipe falam sobre as rodas de rima e como elas transformam e influenciam a vida das pessoas em favelas e periferias
Análise discursiva
O Grupo de Análise do Discurso do Dicionário de Favelas Marielle Franco trabalhou a análise das principais formações discursivas identificadas nesse episódio, considerando o discurso como uma prática social e não como atividade meramente individual de quem o enuncia. Assim a estrutura social se manifesta, delimita e molda o discurso, como também é por ele modificada.
Pesquisadores: Patrícia Ferreira, Clara Polycarpo, Arthur William Santos, Clara Bastos e Sonia Fleury.
Participantes: Akin e Felipe Machado (FL).
Local e data: Jardim São Paulo, Campo Grande, 2022.
Expandir a Mente
Os jovens entendem que essas influências acontecem por meio da cultura, a Cultura do Hip Hop, que vai além da dança. Para eles, a cultura do Hip Hop promove a abertura para fora da realidade deles.
Há uma expansão nas suas possibilidades relacionadas aos espaços de atuação na vida: música, produção de áudio, produção de vídeo, fotografia, marketing são outras atividades que podem ser vislumbradas como oportunidades profissionais, antes tomadas como muito distantes da sua realidade.
Há um despertar de interesse na formação nas áreas que rodeiam a produção cultural e a aproximação deles a esse universo pelo Hip Hop, impulsionada pelo uso de tecnologias digitais.
Os jovens agora podem se ver como DJs, fotógrafos, filmmakers, profissionais de marketing, advogados, profissões que se encontram no Hip Hop. Segundo eles, a Cultura do Hip Hop vai muito além do Rap, faz parte de uma mudança visual, corporal e social que influencia na vida de muita gente, promovendo outras formas de expressão. Na cultura do Hip Hop estão sempre presentes as formas de protesto, compromisso e responsabilidade social. Torna-se um processo educativo, “aprender para expandir a mente”, “sair do bairro” e assim conhecer outras realidades e finalmente “ultrapassar barreiras”.
Dizer o que a Sociedade Precisa Ouvir
Esta frase, proferida por Akin, sintetiza a concepção do Hip-Hop e Rap como um movimento cultural de natureza fundamentalmente política. A influência da música do rapper MV BILL, a pegada militante, mostra que o RAP é um compromisso, não é só juntar gente. Assim, o RAP é visto como tendo um compromisso político e social que envolve a responsabilidade da pessoa que está com o microfone na mão. Diferentemente de cantores de outros estilos, para os cantores de Rap trata-se de um dever: o dever de dizer o que a sociedade precisa ouvir.
Sendo uma uma proposta política de cunho educativo e comunicacional, envolve não somente os participantes da sua tribo, mas outros moradores e vizinhos. Neste processo o resgate da música e cultura dos ancestrais africanos é parte da construção da identidade, na medida em que se assume que “a gente herdou uma responsa”.
Qual é a responsabilidade legada pelos ancestrais? A compreensão que “a gente não vive liberto”, por isso é preciso ir à luta, mesmo que tentem desqualificar as denúncias dos favelados como “mimimi”. Termina com a pergunta: “Que favela é essa que ganhou?”
Barreiras Invisíveis
O episódio introduz algumas questões que geraram dificuldades para a produção de eventos e de rodas de rimas, como, por exemplo: espaços impraticáveis, estereótipos atrelados aos grupos, e, principalmente, barreiras invisíveis. Estas barreiras podem ser entendidas como dificuldades sociais e/ou históricas que dificultam a elaboração e circulação da cultura periférica nas favelas e comunidades. Parafraseando um dos entrevistados, estamos diante de uma cicatriz do passado que convive no presente.
Estas barreiras invisíveis atingem não só a produção de eventos, mas uma vivência compartilhada pelos sujeitos periféricos. Retomando um pouco a constituição histórica do Brasil, fazemos parte de um país que fundou sua forma de socialização em torno de práticas misóginas, racistas e elitistas. Atualmente, o avanço do neoliberalismo construiu condições para que este modo de pensamento continuasse se perpetuando. Retomando o entrevistado FL, "há um projeto político de embarreirar tudo isso [isto é, o acesso à cultura, o dever social do rap e os modos de produção envolvidos na roda de rima] de acontecer". Começamos a entender que as barreiras invisíveis fazem parte de uma constituição sociohistórica cujo projeto é manter a cultura periférica às margens da sociedade, sem direito à circulação e valorização. Este projeto se materializa como cicatriz de toda essa memória do passado que insiste em se fazer presente na atualidade.
Vemos, ainda, como a roda de rima pode se tornar um movimento de resistência a todas estas barreiras. A partir do reconhecimento dos moradores, houve uma reforma na Praça do Skate. Esta mobilização geral da comunidade já aponta para um movimento de valorização cultural. A partir do momento que a roda de rima começa a ser reconhecida coletivamente, estamos diante da circulação desta forma de resgatar a cultura. Só assim, podemos começar planejamentos futuros através da arte e pensar nos sonhos, como dito por Akin: viver da arte e levar a música adiante.
Cidade, ruas , encontros
A história do Hip hop, para Akin e FL, começa na rua. A cultura Hip hop é a rua. Antes da Roda Cultural do Pistão, espaço de intersecção entre as trajetórias individuais dos dois entrevistados, Akin começou com pichação na rua aos 16 anos. Depois, campeonato de skate ao som de rap. Depois basquete, grafite e DJ. A cultura Hip hop é, então, para ele, a junção de todos esses elementos da rua. E o seu compromisso é também com a rua.
É nesse compromisso que nasce a Roda Cultural do Pistão, em 2012, em Campo Grande, movimentando tantos outros contatos e jovens pela cidade. Já aconteciam outras rodas em outras regiões, como na Zona Sul e no Centro, mas a dificuldade de mobilidade para lá, desde a Zona Oeste, impedia que se construísse um movimento mais forte. Como aponta FL, no Centro acontece muito mais coisa, mas, se decidir ir para lá, não tem condução para voltar. No fim das contas, reconhece que é parte de um projeto político que procura impedir a circulação da cultura periférica pela cidade.
Mas as juventudes tensionam e destroem essas barreiras, visíveis e invisíveis. De uma pista de skate abandonada por um estigma de criminalização, o movimento Hip hop de Campo Grande ocupa, reforma e transforma a rotina e a sociabilidade de uma região que ainda carregava, do passado, algumas cicatrizes: o Pistão. O que antes carregava o peso da disputa de facções, hoje recebe famílias para apresentações teatrais. Inclusive, até filho de policial participa da roda cultural. E, como semente, a cultura hip hop vai mudando a cara da rua e da cidade.
Arte, trabalho, cultura, mercado
A Roda do Pistão teve início como uma resposta dos moradores da Zona Oeste do Rio de Janeiro ao raro acesso à Cultura na região. Antes, precisavam percorrer quilómetros para participarem de rodas em outros territórios. Superando uma desconfiança geracional, aproximaram-se dos demais moradores do bairro de Campo Grande a partir da incorporação de outras artes, como o Circo, às rodas de rima.
Como região com o pior IDH da capital fluminense, a Zona Oeste reúne mais de 40% da população carioca. Além de proporcionar uma atividade cultural pública no local, a Roda do Pistão abriu portas para a profissionalização de alguns de seus integrantes, que hoje empreendem através da produção musical.
O funk e o trap estão entre os gêneros mais ouvidos nas plataformas de streaming no país. Para se ter uma ideia, a indústria da música no Brasil movimenta bilhões de reais, sendo que a maioria desse faturamento vem justamente do streaming. A profissionalização de jovens de periferia neste mercado em ascensão permite uma autonomia na produção cultural e uma maior participação econômica nos proventos oriundos dos direitos autorais das músicas.
Esta passagem da produção cultural para a produção musical visa garantir a realização do sonho de seus integrantes, que manifestaram o desejo de alcançarem uma sustentabilidade financeira a partir do trabalho com a arte, sem abandonar a verve política do movimento Hip hop, gênese da roda de rima.
O episódio
Ficha Técnica
Direção Colegiada: Moysés Corrêa
Sistema Brasil de Fato RJ - Coordenação Geral: Rodrigo Marcelino
Coordenadora Editorial: Mariana Pitasse
Produção Executiva: Amanda dos Santos Costa
Direção e Roteiro: Dieymes Pechincha
Apresentadora: Dani Câmara
Convidados: Akin e Felipe Machado - FL
Produtora de Conteúdo: Sintropia Produções
Direção de Fotografia, Montagem, Correção de cor, e Designer de Som: Chico Brum
Edição: Tuany Zanini
Som e Trilha Sonora: Chico Brun
Still: Stefano Figalo
Programação visual: Giulia Santos e Juliana Braga
Pesquisa: Clivia Mesquita
Reportagem: Jéssica Rodrigues
Operadores de câmera: Chico Brum e Tuany Zanini
Operador de Drone: Gabriel Moncada
Assistência de câmera: Tuany Zanini
Produção de locação: Amanda dos Santos Costa
Conselho Político: Amanda dos Santos Costa, Breno Rodrigues, Caroline Barbosa Rufino, Otavio Cleverson Portilho, Dieymes Pechincha, Dulce Pandolfi, Fernando Veloso, Itamar Silva, Leonardo Nogueira, Nilza Valéria, Ricardo Pinheiro, Rodrigo Marcelino, Taiso Motta, Tayane Cardoso e Tuany Zanini
Associação Lima Barreto Educação e Comunicação - Captação de projetos: Fernando Veloso
Coordenação Administrativa: Aline Bernardino
Agradecimentos: Roda Cultural do Pistão