Eugenia e Dissidência: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
(A eugenia, concebida no final do século XIX por Francis Galton, influenciou profundamente as políticas de Estado, especialmente no Brasil durante a Era Vargas. Inspirado no modelo estadunidense do Johnson-Reed Act, o governo brasileiro implementou a Lei de Cotas de Imigração, favorecendo imigrantes europeus enquanto marginalizava a diáspora africana, que permaneceu sem acesso a direitos básicos e em condições de extrema precariedade.)
 
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Por: Maria Julia Sena Machado
A eugenia é uma ideologia que emergiu no final do século XIX, formulada por Francis Galton, com o objetivo de promover o "aperfeiçoamento" da espécie humana por meio da manipulação genética e do controle populacional. O movimento eugenista não foi homogêneo e se adaptou às diferentes realidades socioculturais dos países ocidentais, incorporando aspectos de classe, raça e gênero em suas formulações.
A eugenia é uma ideologia que emergiu no final do século XIX, formulada por Francis Galton, com o objetivo de promover o "aperfeiçoamento" da espécie humana por meio da manipulação genética e do controle populacional. O movimento eugenista não foi homogêneo e se adaptou às diferentes realidades socioculturais dos países ocidentais, incorporando aspectos de classe, raça e gênero em suas formulações.
Na Inglaterra, o foco da eugenia de Galton estava na distinção de classe, considerando as camadas mais pobres como degeneradas e, portanto, alvo de políticas de controle reprodutivo. Em países escandinavos, como a Suécia, a eugenia foi adotada como uma estratégia de higienização racial, tendo como um dos ideais, a supremacia branca, o que levou a práticas sistemáticas de esterilização compulsória que perduraram por mais de 50 anos. Pessoas intersexuais, por exemplo, foram submetidas a cirurgias de reatribuição de sexo compulsórias como parte desse projeto de normalização corporal.
Na Inglaterra, o foco da eugenia de Galton estava na distinção de classe, considerando as camadas mais pobres como degeneradas e, portanto, alvo de políticas de controle reprodutivo. Em países escandinavos, como a Suécia, a eugenia foi adotada como uma estratégia de higienização racial, tendo como um dos ideais, a supremacia branca, o que levou a práticas sistemáticas de esterilização compulsória que perduraram por mais de 50 anos. Pessoas intersexuais, por exemplo, foram submetidas a cirurgias de reatribuição de sexo compulsórias como parte desse projeto de normalização corporal.

Edição atual tal como às 19h43min de 21 de março de 2025

Por: Maria Julia Sena Machado

A eugenia é uma ideologia que emergiu no final do século XIX, formulada por Francis Galton, com o objetivo de promover o "aperfeiçoamento" da espécie humana por meio da manipulação genética e do controle populacional. O movimento eugenista não foi homogêneo e se adaptou às diferentes realidades socioculturais dos países ocidentais, incorporando aspectos de classe, raça e gênero em suas formulações. Na Inglaterra, o foco da eugenia de Galton estava na distinção de classe, considerando as camadas mais pobres como degeneradas e, portanto, alvo de políticas de controle reprodutivo. Em países escandinavos, como a Suécia, a eugenia foi adotada como uma estratégia de higienização racial, tendo como um dos ideais, a supremacia branca, o que levou a práticas sistemáticas de esterilização compulsória que perduraram por mais de 50 anos. Pessoas intersexuais, por exemplo, foram submetidas a cirurgias de reatribuição de sexo compulsórias como parte desse projeto de normalização corporal.

Nos Estados Unidos, a eugenia esteve diretamente associada à colonização e ao racismo científico. A segregação racial e a esterilização compulsória de pessoas não brancas, imigrantes do sul e leste da Europa, pessoas com deficiência e dissidentes sexuais foram justificados por uma ideologia que via a miscigenação como uma ameaça ao projeto de pureza racial estadunidense, o chamado veneno racial. A crença na superioridade dos brancos descendentes de nórdicos impulsionou políticas como o apartheid estadunidense e os programas de esterilização forçada de minorias étnicas. Já no Brasil, a eugenia teve grande influência nas políticas estatais, especialmente durante a Era Vargas (1930-1945). Inspirado em leis raciais estadunidenses, como o Johnson-Reed Act (1924), o governo brasileiro implementou a Lei de Cotas de Imigração (1934), que estabelecia um limite para a entrada de imigrantes com base em sua origem racial e nacional. Essa política favorecia a imigração europeia e restringia a da diáspora africana, reforçando um projeto de embranquecimento da população. Enquanto isso, a diáspora africana no Brasil continuava marginalizada, com acesso restrito a direitos básicos, como educação, moradia e emprego formal. Muitos sequer tinham acesso à carteira de trabalho, permanecendo em condições de extrema precariedade.

A relação entre eugenia e gênero também foi marcante. Algumas figuras do movimento feminista sufragista, como Victoria Woodhull e Margaret Sanger, apoiaram medidas eugênicas como um meio de promover o controle reprodutivo e a "melhoria da sociedade". Essa perspectiva excluía e marginalizava mulheres pobres, racializadas e dissidentes. O controle sobre os corpos femininos e LGBTQIAPN+ foi uma constante nesse movimento, reforçando normas heteronormativas e cisgêneras como pilares da sociedade. O determinismo biológico foi um dos principais instrumentos eugenistas para patologizar corpos dissidentes. Pensadores como Magnus Hirschfeld e Havelock Ellis classificaram a homossexualidade como um fator congênito, abrindo espaço para experimentos médicos como a castração química e as cirurgias corretivas. A crença de que a sexualidade poderia ser manipulada por meio de intervenções biológicas serviu como justificativa para práticas coercitivas contra pessoas LGBTQIAPN+, muitas das quais foram submetidas a procedimentos cirúrgicos e terapias de conversão. No início do século XX, a eugenia encontrou terreno fértil no discurso nacionalista e racialista. Harry Laughlin, um dos principais expoentes da eugenia nos Estados Unidos, elaborou um sistema de classificação de "inadequação social", no qual a "degeneração" transitava entre fatores como idade, deficiência, comportamento criminal e orientação sexual. A reprodução era vista como um elemento central para a preservação de uma nação "forte", e qualquer identidade dissidente era tratada como uma ameaça à integridade nacional.

Embora a eugenia tenha sido amplamente desacreditada após o Terceiro Reich, seus impactos ainda são visíveis em políticas contemporâneas de controle reprodutivo, na criminalização de corpos dissidentes e nas desigualdades estruturais que continuam a afetar populações marginalizadas. Movimentos sociais contemporâneos, especialmente aqueles ligados às lutas decoloniais e queer, têm questionado essas heranças eugenistas e promovido a valorização da diversidade corporal e identitária. O estudo da relação entre eugenia e corpos dissidentes evidencia como o conhecimento científico pode ser instrumentalizado para justificar violências institucionais e normativas sociais excludentes. A crítica a esse passado se faz essencial para construir sociedades mais justas e inclusivas, onde corpos antes considerados "desviantes" sejam plenamente reconhecidos em sua autonomia e legitimidade.

A eugenia, concebida no final do século XIX por Francis Galton, influenciou profundamente as políticas de Estado, especialmente no Brasil durante a Era Vargas. Inspirado no modelo estadunidense do Johnson-Reed Act, o governo brasileiro implementou a Lei de Cotas de Imigração, favorecendo imigrantes europeus enquanto marginalizava a diáspora africana, que permanecia sem direitos básicos como acesso à carteira de trabalho. A eugenia também impactou o controle de corpos dissidentes, promovendo a patologização da homossexualidade e justificando práticas de esterilização e terapias coercitivas. Embora desacreditada após o Terceiro Reich, sua influência persiste nas desigualdades estruturais e na exclusão social de grupos marginalizados.

Referências Bibliográficas

LAUGHLIN, Harry. 1922. Eugenical Sterilization in the United States. Published by the PSYCHOPATHIC LABORATORY OF THE MUNICIPAL COURT OF CHICAGO DECEMBER , 1922

ORDOVER, Nancy. 2003. American Eugenics: Race, Queer Anatomy, and the Science of Nationalism. University of Minnesota Press.

WOODHULL, Victoria. 1891. The Rapid Multiplication of the Unfit. https://www-jstor org.ep.fjernadgang.kb.dk/stable/pdf/j.ctt1dfnrv8.16.pdf?refreqid=excelsior%3A5620baa

ff787826be83937fecc816bb9

BLACK, Edwin. 2003. A Guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha dos Estados Unidos para criar uma raça dominante. Ed. A Girafa.