Sandra Maria Rosa (entrevista): mudanças entre as edições
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A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, a entrevistada é Sandra Maria Rosa - que participou da direção da Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz (ABOSEP). | |||
== Entrevista na íntegra == | == Entrevista na íntegra == |
Edição das 16h53min de 7 de junho de 2021
Material de pesquisa do Projeto do Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social, gentilmente cedido ao Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Sobre o propjeto
A entrevista faz parte do projeto "Histórias, Memórias e Oralidades da luta social por terra e moradia na região de Jacarepaguá de 1960 a 2016", desenvolvido pelo Campus Fiocruz da Mata Atlântica em parceria com a Cooperação Social. Nesse episódio, a entrevistada é Sandra Maria Rosa - que participou da direção da Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz (ABOSEP).
Entrevista na íntegra
Transcrição da entrevista
Sandra Maria Rosa
Direção da ABOSEP: Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz
Meu nome é Sandra Maria Rosa. Sou agente comunitária de desenvolvimento local e conselheira de saúde na APH.
Sou atualmente da ABOSEP. Associação Beneficente Obra Social Estrela da Paz. Eu era vice, mas o presidente morreu. Sou do colegiado da Agência Cidade de Deus de Desenvolvimento Local. Tínhamos uma atuação com a politica publica – com crianças, adolescentes, idosos e na formação de saúde também.
Eu venho para Cidade de Deus com a remoção da praia do pinto, em 1966/67 quando houve uma enchente na Praia do Pinto e teve o fogo. Eu vim na enchente. A minha família foi dividida, a parte do meu pai veio para Cidade de Deus e a parte da minha mãe foi para Cidade Alta. Então dividiu a família. E quando a gente chegou, eram aquelas casas germinadas, pequenininha que não cabia os móveis. E então as crianças dormiam, os adultos ficavam tomando conta dos móveis e vice versa. Até que um dia a minha madrasta falou com o coordenador e deu um ultimato para ele, ou ele tirava ela dali ou ela iria fazer uma loucura – porque não tinha mais condições de viver daquela situação – as coisas do lado de fora metade dormia. E uma semana depois ele nos transferiu para as casas ali na Mangueirinha e até hoje meu pai mora lá.
Eu tinha 7 para 8 anos. E não tinha escola. Depois surgia uma igreja na mangueirinha e tinha uma professora. Mais tarde eu fui para o Juliano Moreira lá dentro da Colônia.
Você sai de um território onde tudo é perto, tinha mercado, e você é jogado dentro de um caminhão e te levam para outro lado. Num território que não tinha nada. Não tinha água. Banheiro era comunitário na Praça. Foi uma coisa desesperadora. Naquela época eu chorava muito porque aqui era terra de ninguém, não tinha ônibus. Para sair só tinha dois ônibus (cata mendigo) até a Freguesia. Para pegar o Gávea para ir lá para baixo, porque toda nossa vida era lá em baixo, médico, você tinha toda vida organizada lá em baixo. O objetivo era fazer um lugar descente. E aí a comunidade começou a se organizar. As famílias desciam para prefeitura para reivindicar. E assim os moradores foram construindo suas casas.
No inicio tinha uns moradores lutando para melhorar, não tinha instituição. Tinham as casas germinadas que existem até hoje – mas os próprios moradores melhoraram. Tinha a mangueirinha atrás do Posto Médico e estavam construindo casas que eram casa PMS. Eu me recordo que entrei na luta através do Sr. João Batista que morava na Praça, ele tinha 2 cachorros grandes, sempre que passava jogava pedras. Sr. João observava.
Depois que eu casei e fiquei doente, precisei da ajuda do Sr. João que era Pai de Santo e ele me ajudou. Com o tempo ele me levou para o traba lho social. Entrando na ABOSEP, Sr. João estava me ensinando a organizar uma instituição. Na verdade eu comecei varrendo e limpando. E ele começou a me levar para as reuniões – quando descia para Cidade e dizia que eu tinha que aprender, porque um dia ele poderia faltar. Eu ia com ele para as reuniões saúde no Tanque. Quando ele ficou cansado e doente, ai ele passou pra mim, participar das reuniões de saúde.
Eu fiquei no conselho de saúde e ele ficou como suplente.
Depois veio a ação da cidadania – eu participei do conselho comunitário – participei de várias oficinas para formação de direitos.
Naquela época as pessoas falam que agente era assistencialista, mas não era. Na comunidade tinha fome, a miséria. Agente tinha que ir todo mês à reunião para receber a cesta básica e tinha que estar atuando nos movimentos sociais. Então pegávamos cestas básicas e distribuíamos. Para mim era muito bom. Eu conhecia bem as necessidades. Alimentos, roupas, calçados e livros. Até se tornar Natal dos sonhos e passamos a trabalhar com livros.
Uma vez por mês tinha reunião na Ação da Cidadania. E fazia reunião das famílias na ABOSEP. Agente fazia reeducação – a saúde não é só remédio. Agente trabalhava com a limpeza, roupa lavada, e levar as crianças para escola.
Eles vinham só pela alimentação. E nós tínhamos que fazer uma transformação. E trabalhava no meio ambiente também.
A moradia era precária – e nós mesmos procurávamos melhorar.
O Comitê comunitário mobilizou as pessoas, fomos até o Governo Federal para reivindicar. Nós conseguimos chamar o poder público para cá. Trazendo eles para poder ver o que era Cidade de Deus: moradia, educação, saúde. Agente sentou com todos os Governantes para falar da realidade da Cidade de Deus.
Na Cidade de Deus até hoje não há título de propriedade . Eu moro numa casa, mas eu não sou proprietária. E depois de outra remoção eu estou vivendo esta situação de novo. Porque onde eu moro vai ser removido. Eles não podem me mandar para outra favela – tenho que ficar no território. E nós queremos casas dignas.
Os mega eventos – mas o Governo tem que de demonstrar que tem condições de fazer. Então estão fazendo obras. Construindo casas. Só que não queremos casas de pombo. Tem que ser casas dignas e com o título de propriedade.
A remoção quando é fei ta dignamente. É uma politica de Governo.
A Saúde: se você não tem uma casa digna, não tem saúde .
Pra você entrar no programa minha casa minha vida você tem que se cadastrar no LIS e ai tem os vários públicos – da bolsa família; os que não tem nada e os qu e tem trabalho.
Ai se faz. E a saúde – hoje eu estou no conselho do posto de saúde aqui – trabalho na questão do lixo – educação ambiental – vacinação – sobre animais que morrem.
Eu já participei de muitas manifestações.
Manifestação: agente vai pra rua para rua para ver se as coisas melhoram.
Essas manifestações agora – os jovens estão indo para rua. Agente sabe que tem baderneiro, mas tem gente politica que está brigando pelo bem estar de cada um.
E eu me incluo nesta politica correta, dos militantes, certa, que quer transformar um país meio confuso que é o nosso. Que é dividido. Que tem muitos bons, mas também tem os que só querem ganhar em cima do seu trabalho, da miséria do povo.
E a gente está tentando ver se a gente muda este país.
E a gente dá um pouquinho de nós para ver se muda. (o que te move?)
Eu vou falar uma coisa. Eu não tenho vergonha de falar. Quando eu estava no Comitê eu não entendia as palavras que eles diziam lá. Ai eu tinha que escrever no caderno , eu ia pro dicionário para saber o que era aquelas palavras enroladas, que eles estavam dizendo.
A educação é muito importante.
Para nós aqui dentro desta comunidade. É necessário uma boa formação que garanta um salário digno – não ser só lavadeira, faxineira, limpar banheiro, mas sim uma profissão digna .
Eu estou satisfeita com isto que fiz, porque estou me expressando um pouquinho melhor. E deixar um legado para os meus netos – uma escola digna.