Memórias do Morro Santa Marta: mudanças entre as edições
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Também nesse período era comum, em dias de chuva, encontrar grupos de moradores limpando trechos de vala. Era necessário desobstruir o caminho das águas, do contrário, os barracos desciam junto. A necessidade forçou a realização de muitos mutirões. Hoje, se você convida um jovem ou mesmo um adulto do Santa Marta para limpar uma vala, é bem provável que a resposta seja: “eu não sou gari pra limpar vala”. Mas nem sempre foi assim. Limpar vala era uma necessidade daqueles que moravam em cima de uma ou tinha seus barracos nas margens da rota do lixo. Quando chovia, principalmente temporal forte, era hora de “cair dentro”, enxada, ancinho, garfo, pedaço de pau ou qualquer coisa que ajudasse a empurrar o lixo vala abaixo. Os objetivos eram claros: abrir caminho para a água que vinha com muita velocidade e aproveitar essa força para fazer o lixo chegar até a rua, onde a Comlurb o recolhia. Mas a motivação principal era evitar que a água levasse os barracos juntamente com o lixo. Em dia após uma chuva forte a cena era a mesma: a escadaria entulhada de paus, ferro, restos de madeira, colchões de mola muito velhos, muita lata e uma quantidade grande de lama. Esse lixo chegava até a Rua São Clemente onde os trabalhadores da DLU (Departamento de Limpeza Urbana) passavam dois a três dias limpando. | Também nesse período era comum, em dias de chuva, encontrar grupos de moradores limpando trechos de vala. Era necessário desobstruir o caminho das águas, do contrário, os barracos desciam junto. A necessidade forçou a realização de muitos mutirões. Hoje, se você convida um jovem ou mesmo um adulto do Santa Marta para limpar uma vala, é bem provável que a resposta seja: “eu não sou gari pra limpar vala”. Mas nem sempre foi assim. Limpar vala era uma necessidade daqueles que moravam em cima de uma ou tinha seus barracos nas margens da rota do lixo. Quando chovia, principalmente temporal forte, era hora de “cair dentro”, enxada, ancinho, garfo, pedaço de pau ou qualquer coisa que ajudasse a empurrar o lixo vala abaixo. Os objetivos eram claros: abrir caminho para a água que vinha com muita velocidade e aproveitar essa força para fazer o lixo chegar até a rua, onde a Comlurb o recolhia. Mas a motivação principal era evitar que a água levasse os barracos juntamente com o lixo. Em dia após uma chuva forte a cena era a mesma: a escadaria entulhada de paus, ferro, restos de madeira, colchões de mola muito velhos, muita lata e uma quantidade grande de lama. Esse lixo chegava até a Rua São Clemente onde os trabalhadores da DLU (Departamento de Limpeza Urbana) passavam dois a três dias limpando. | ||
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Edição das 15h41min de 20 de agosto de 2021
Autor: Itamar Silva
Introdução
“Morar no morro pra mim é felicidade. Eu levo a vida maior tranquilidade. No meu barraco a tristeza não mora porque lá em cima a alegria é toda hora. Não acredita, venha ver de perto o Morro é um verdadeiro paraíso aberto...” (samba cantado pelo “Compositor” no documentário Duas Semanas no Morro - de Eduardo Coutinho - 1987)
Para começo de conversa e para que não sigamos a leitura deste texto com dúvidas, reproduzo aqui um trecho do estatuto da Associação de Moradores do Morro de Santa Marta registrado em 1965:
Art. 1o – A ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO MORRO DE SANTA MARTA foi fundada em 24 de outubro de 1965,[...]
Art. 2o – Pode ser reconhecido o seu nome por extenso de Associação dos Moradores do Morro de Santa Marta ou pelas siglas A.M.M.S.M.
E também ofereço a leitura do Decreto 28674/07 | Decreto no 28674 de 12 de novembro de 2007 do Rio de janeiro:
O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO, no uso das atribuições legais e, CONSIDERANDO que a confusão a respeito dos nomes surgiu em função do Mirante Dona Marta, ponto turístico no cume do morro;
CONSIDERANDO que o Morro Dona Marta foi assim chamado, em homenagem a Dona Marta Figueira de Mattos, mãe do Vigário Geral Dom Clemente José de Mattos, proprietário no século XVII, da Quinta São Clemente em Botafogo, cujas terras se estendiam até a Lagoa Rodrigo de Freitas. Nelas Dom Clemente abriu um caminho que dava acesso à Capela de São Clemente, por ele erguida, esse caminho deu origem à atual Rua São Clemente; e,
CONSIDERANDO que a favela se chama Santa Marta por causa de uma imagem da Santa homônima situada dentro de uma capela na parte alta da comunidade. Essa imagem foi levada por uma antiga moradora no início do século XX. Com a chegada do Padre Veloso na década de 1930, foi construída essa pequena capela para abrigar a imagem de Santa Marta, consolidando assim o nome do local, DECRETA:
“Art. 1o – Respeitando a tradição e a história, com base nas considerações deste Decreto, a nominação do morro localizado na Rua São Clemente é MORRO DONA MARTA e a comunidade local é FAVELA SANTA MARTA.
Art. 2o – Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação”.
Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2007 - 443o de Fundação da Cidade
CESAR MAIA
Então, parece-me que não pairam dúvidas sobre como deve ser chamado este local, por todos: de dentro e de fora e, principalmente, pela imprensa que tanto busca se basear em fatos. Lá se vão, no mínimo, quarenta e cinco anos desde que a opção do morador foi oficializada. Continuar chamando de "dona" esconde interesses que não ficam muito claros.
Recentemente, li na imprensa carioca o depoimento de um senhor que disse conhecer este local há muitos anos e que, inclusive, teve aulas de piano com uma refugiada russa nesta favela. Vamos combinar que esse senhor não estava falando da favela Santa Marta. Realiza! Um piano de cauda e uma professora refugiada russa, no meio de um conjunto de casebres de madeira (assim era a favela até os 70), num conjunto de moradores de maioria afrodescendentes. Certamente não passariam despercebidos nem o piano e nem a professora russa. Ao longo de minha vida neste local, nunca ouvi referência a tal feito.
Opiniões à parte e pelas evidências apresentadas, penso que podemos seguir chamando este local pelo seu nome de batismo: Morro de Santa Marta, conforme o estatuto da Associação, ou Favela de Santa Marta, conforme decreto de 2007.
Contar uma história é sempre uma ação posicionada, exige de quem a conta escolher que aspectos abordar, que personagens terão destaque, que período é mais interessante e etc... Contar a história de um lugar será sempre, aqui ou em qualquer outra parte do mundo, uma história parcial. No entanto, nem por isso menos verdadeira. Cada um apreende a realidade à sua maneira, com as suas capacidades, e a interpreta de acordo com sua percepção do mundo. Compartilho dessa reflexão porque pretendo contar a história da favela de Santa Marta, que certamente estará incompleta e carregada das minhas experiências pessoais.
A história deste lugar pode ser contada de várias maneiras e de vários ângulos. Certamente, ao longo dos anos, ainda vamos ler e ouvir reparos e aprofundamentos sobre a história desta favela. Eu escolhi contá-la catando fragmentos da minha memória, juntando elementos de entrevistas com mais velhos e conversas em família. É claro que o distanciamento e o passar do tempo nublam um pouco os fatos, mas o fundamental é que essas interpretações também fazem parte da história desta localidade: a memória coletiva que se produz por vivenciar e ouvir contar.
Fui gerado no Santa Marta e nasci em 1956. Meus pais já viviam neste lugar havia mais ou menos um ano. Então tudo que eu sei antes dessa data é porque me foi contado pelos mais velhos, ou aprendi entrevistando outros moradores do Morro. Quando nasci, o Santa Marta já existia havia aproximadamente 18 anos. Costuma-se dizer que o Santa Marta começou a ser ocupado no final dos anos 30 (38/39).
O Santa Marta só vai aparecer nos registros oficiais no censo de 1948. No entanto, isso não nos deve espantar, a favela sempre foi sub representada nos dados oficiais da cidade. Um exemplo disso é o fato de somente na década de 80 ter passado a constar nos mapas oficiais da cidade. Bem, mas isso é outra história.
Voltando ao assunto, a minha família veio de outros lugares do Rio de janeiro. Meu pai veio de Miracema e tinha parentes em Itaperuna, noroeste do Estado do Rio de janeiro, próximo a Minas. Minha mãe veio de Campos dos Goytacazes para trabalhar numa “casa de família”, em Copacabana. Parte significativa dos primeiros moradores do Santa Marta tinha essa origem: Campos, São Fidélis, Miracema, Itaperuna e cidades do Espírito Santo e de Minas Gerais. Mais tarde, no final dos anos 50, e de forma continuada a partir da década de 60, os nordestinos passaram a ser maioria no processo migratório desta favela.
Meu pai trabalhava no comércio Exposição Carioca, uma loja de departamentos. Nunca trabalhou em obra, o que era o ofício de muitos outros homens deste lugar. Mas tinha outra habilidade profissional: sabia consertar sapatos. Tinha em casa todos os apetrechos para tal: pé de ferro, sola, martelinho, cola especial, que tinha um cheiro muito forte, pino para colocar em salto de sapato de mulher (salto Luis XV), etc... Ele fazia esse serviço para os amigos.
Outra habilidade do meu pai era cantar e gostar da boemia: ao longo de seus 80 anos formou o Trio Guanabarino, cantava boleros e samba canção.
Mais tarde fundou um grupo de samba, o Diamante Tinha o Saldanha, que é que vivia aqui nesse mato
Negro, e por m, junto com filhos e netos, criou um conjunto de pagode, o Bom Clima.
Minha mãe sempre foi empregada doméstica. Como tantas outras mulheres do Santa Marta da sua geração, criou os filhos trabalhando em “casa da madame”. Minha mãe sempre teve muito orgulho de seu trabalho.
Somos cinco irmãos de sangue: três homens e duas mulheres. Mas meus pais acharam que ainda era pouco e adotaram mais uma menina – agora somos seis. Se tivessem vingado os dois filhos mais velhos de minha mãe, a família seria maior. Naqueles tempos, era muito grande a mortalidade infantil e comum a morte pelo mal de umbigo ou mal dos sete dias, que matou um dos meus irmãos. A tuberculose também fazia suas vítimas.
Foi no Santa Marta que meus pais criaram os filhos e todos tomaram gosto ou no mínimo afeição pelo local.
Uma vez situado este que vos fala, deixemos fluir a história:
O Santa Marta
O que me faz sustentar que o Santa Marta existe desde 1939 é o depoimento de Dona Madalena, que diz que chegou com 19 anos em 1941.
“Ali não tinha nada. Já tinha morador, mas morador escondido. Tinha o Saldanha, que é que vivia aqui nesse mato que era escondido... Aqui tudo era mato, Tudo!”
Ora, se uma jovem catequista de 19 anos se instalou neste lugar, é porque já existia uma comunidade. A própria Dona Madalena afirma mais adiante na sua entrevista que o Sr. Próculo já morava por aqui. E a casa do Seu Próculo foi a primeira casa bem estruturada do Santa Marta, ela se destacava na paisagem. Tanto é que ali funcionava o telefone público da comunidade, dali saíam os anúncios do alto-falante. Então isso é sinal de que, no mínimo mais de um ano antes, já havia moradores nestas terras. Assumo, por tanto, que o Santa Marta começou a ser ocupado no final dos anos 30 (38/39) e que aparece para o bairro a partir de 41, quando os padres jesuítas começam a frequentar o local.
Os jesuítas realizavam um trabalho social de atendimento ambulatorial na Rua Eduardo Guinle, no mesmo quarteirão onde está localizada a Igreja de Santo Inácio, em Botafogo. No ambulatório, que atendia a população pobre do bairro, começaram a aparecer principalmente mulheres, empregadas domésticas que davam como endereço a Rua São Clemente 320. Esse é o número que fica na altura da entrada para o Santa Marta. Dessa forma, o trabalho social foi estendido até a favela, como conta Padre Veloso:
“O ambulatório era para todas as pessoas carentes aqui de Botafogo. Mas começou a aparecer gente que morava ali no morro Santa Marta. Ainda nem se falava em favela propriamente dita! Porque não se via nada. Tinha uns barracos embaixo de umas árvores. Essas árvores os encobriam. Da São Clemente só se via árvore, não se sabia que ali tinha uma favela. Então começou, essa gente do morro, a aparecer por lá! Aí é que nós soubemos que lá tinha uma favela! Aí começamos então a visitá-la”.
Dona Laura do Rego Monteiro, que dirigia a Ponsa – Pequena Obra Nossa Senhora Auxiliadora, traz novas informações. Conta que um dia chegou lá Joana para tratar a filha, que era tuberculosa. A filha morava no interior, mas lá não havia tratamento. O ambulatório costumava cadastrar as pessoas a quem dava assistência, mas a Joana não queria dizer onde morava. Acabou reconhecendo que era no morro. O morro, naquele tempo, era mata fechada, como ainda é no pedaço atrás do colégio Santo Inácio. A irmã de Dona Laura e uma amiga foram ver onde morava a Joana. Voltaram contando que ela morava num barraco que tinha sido destelhado por um ricaço de uma casa próxima, com medo de que começasse uma favela. Realmente, havia outros barracos escondidos (“uma meia dúzia”). Dona Laura foi procurar o ricaço e lhe perguntou: “O senhor não tem medo de que esse pessoal lhe faça alguma coisa?” E ele respondeu: “Nós temos bons cachorros”.
A relação entre a Favela e a Igreja Católica se ampliou ao chegaram os padres Veloso e Hélio, e outras ajudas como Dom Hélder Câmara, fundador da Cruzada São Sebastião, no Leblon, e Dona Laura do Rego Monteiro, com a Ponsa. Ambas as instituições já desenvolviam projetos sociais. A Cruzada São Sebastião realizou vários trabalhos sociais no Rio, a parte mais visível cou com a implantação do conjunto habitacional Cruzada São Sebastião, no Leblon. D. Hélder bancou a permanência dos pobres no coração da zona sul. A Ponsa já existia como entidade social, iniciativa das alunas do Sacré-Coeur de Marie – escola da elite feminina do Rio de Janeiro em Copacabana.
Há que se reconhecer que a Ponsa foi a primeira instituição a atuar no Santa Marta. Contribuiu diretamente, articulada com a Igreja Católica, para trazer água e luz para a favela. A construção da caixa d’água, no pico do Morro, inaugurada em 1959, foi resultado dessa ação conjunta.
Na década de 70, a Ponsa teve uma ação inovadora, trabalhando com os meninos que “faziam feira”: vários meninos do Santa Marta iam para as feiras livres trabalhar como carregadores de bolsas de compras. Aqueles que tinham seu carrinho de rolimã faturavam mais (era a elite dos trabalhadores de feira). Os carros eram grandes e pesados. Então a Ponsa criou uma garagem para os carrinhos de feira no prédio da instituição, construído em frente à favela, e ali desenvolveu um trabalho social com esses garotos que, dessa forma, garantiam vaga para estacionar os seus carros de feira.
No início dos anos 60, o Santa Marta ainda era um Morro com muitos espaços vazios, muitas árvores e lugares escuros. Quando criança, dificilmente se circulava à noite pela favela. Isso só iria acontecer na adolescência porque era bom para namorar.
Tudo era longe. Eu morava na parte baixa, quase no meio da favela. Ficava muito acima do pé da escada, do outro lado da Mangueira e distante do Cantão. O pico era muito distante. Quando criança, fui poucas vezes ao Pico do Morro.
Às vezes eu me deslocava para brincar no terreirinho, um pouco acima da minha casa. Minha tia morava naquela área e eu tinha amigos por ali. Era interessante porque as pessoas criavam galinhas e alguns tinham porcos. Era diferente. Havia a família do Genaro e da Ercília, do Antônio e da Dadá, dos Oliveiras que inspiraram o nome da Rua das Oliveiras, a Binga e o Adonias – casal que perdeu o filho de 11 anos no desabamento de 66. Dona Alzira e tantos outros que me ocorrem davam àquele pedaço do morro uma característica especial. Depois do desabamento em 1966, que destruiu várias casas, além de matar três pessoas, perdi o prazer de brincar naquele lado do Morro. Muita coisa mudou e muitos se mudaram. A Binga, prima do meu pai, depois de perder o filho de 11 anos e o barraco, naquele desabamento, foi morar na Cidade de Deus. O conjunto habitacional, recém-construído, era muito longe, e para lá foram moradores de várias favelas do Rio que haviam sofrido com as enchentes daquele ano.
Em meados dos anos 60 são perceptíveis as mudanças. Algumas casas que tinham quintal e às vezes cercados, com madeira ou com plantas, desaparecem e as casas crescem até o limite da cerca. Algumas começaram a ficar “grandes”, outras com até dois andares. Cresce a demanda por espaço.
Minha família morou de favor com parentes, ou de aluguel durante os primeiros anos. Somente em 59 meu pai tomou a iniciativa de construir o seu próprio barraco. Corria um “ti ti ti” de que não se podia construir na favela. Existiam uns homens que autorizavam ou não essa empreitada. Mas alguns moradores discordavam dessa atitude e desobedeciam cada vez mais. Meu pai teve o apoio de alguns amigos e demarcou um espaço dentro do morro para construir a sua casa. A decisão era enfrentar a proibição. De um dia para o outro, com ajuda de muitos amigos, ergueu a estrutura do barraco, em cima do lugar que futuramente ficaria conhecido como quatro bicas. O depoimento do Ferreira nos aproxima da realidade daqueles tempos:
Sr. Ferreira: “A Leão XIII tinha um regulamento que proibia fazer construção de tijolo na favela. Tinha um regulamento que, pra fazer um barraco, tinha que ter uma autorização de lá e não podia aumentar barraco na favela. Tudo era autorização da Leão XIII. Agora, isso era um negócio, tipo uma lei que tinha lá pra proibir. A finalidade da Leão XIII era mais evitar o crescimento das favelas, mas mesmo assim não houve condição de resolver isso não. Depois, a Leão XIII quis complicar os presidentes das associações de favela com essas ideias: os favelados não podiam fazer barracos, não faz isso, não faz aquilo. Mas um presidente de favela vê um irmão sofrendo, não vai impedir de aumentar o barraco. Nada disso rapaz! Inclusive fui advertido umas três vezes, porque moradores tavam com barraco aqui. Isso é meu quintal. Outro chegava, plantava um barraco e vinha se queixar comigo...
Ah, não pode, pode... Daqui a pouco eu era chamado lá embaixo... eu dormi, não tava o barraco lá. Quando eu acordava de manhã, tava o barraco lá, com uma família dentro. Como é que eu vou fazer? Vou arrancar essa família de dentro do barraco? Não vou. Então o senhor vai lá e arranca, porque eu não vou tirar, não. Mandavam um cara... O negócio é você ter onde morar, porque na rua ninguém pode ficar...”
O bairro de Botafogo também estava se transformando. Muitas obras, prédios sendo erguidos e casas antigas sendo demolidas. Era relativamente fácil comprar um lote de madeira nas demolições ou nos prédios em construção. Eles precisavam se livrar daquele material já usado e os moradores precisavam de madeira para construir seus barracos. Compravam-se pranchões, caibros, perna de três, tábuas, ripas e por vezes ainda se traziam alguns gastalhos (pedaços de madeira), o que ajudava bastante na construção. Era impressionante o quanto os trabalhadores conheciam do ofício de estruturar uma casa de madeira, era rápido e seguro. Levavam às vezes horas discutindo sobre a qualidade da madeira. Parecia até discussão sobre futebol: todo mundo entendia um pouco.
Telhas eram sempre telhas usadas. Não consigo me lembrar de nenhuma construção no morro onde tivessem sido usadas telhas francesas novas, vindas direto da loja. Todas, talvez esteja exagerando, vieram de demolições de casas e pequenos prédios no bairro. Dessa forma, o processo de expansão de Botafogo contribuiu com as reformas e a expansão do Santa Marta.
Nos anos 70, com a obra do metrô, muitas placas de madeirite, usadas para marcar os canteiros de obra, subiram a favela para reformar ou fazer novos barracos.
Os anos 70 encontram um Santa Marta já bastante adensado. Muitos barracos de madeira. Muitos construídos em cima de valas, em condições difíceis. Os telhados eram uma mistura de telha de zinco e telha francesa, e muitas casas sofrem com goteiras. As famílias, nesse período, são bem maiores que as que temos atualmente: era comum casal com 4, 6 e até 8 filhos. Fica mais evidente um processo de diferenciação interna. Aqueles que podiam um pouco mais tinham água encanada em suas casas, pois pagavam uma taxa extra à Associação de Moradores. Havia casas de madeira muito bem acabadas, onde não havia gretas ou frestas nas paredes. Algumas casas já tinham seus banheiros. Mas o desafio de ter luz de qualidade e água em quantidade para todos foi a marca desse período. O depoimento abaixo ajuda-nos a entender o cotidiano do morador antes da entrada da Light:
Antônio Mengão: “Quando eu subi a favela, já tinha bico de luz em alguns barracos. Não era todo mundo que tinha, não. Mas era uma luz tão fraquinha. Porque o pedido de luz pra favela foi como se fosse pra um prédio. Era assim. Tantas pessoas. Tinha uma cabine de luz. Quem comandava a luz, era na época, o representante da favela. No meu tempo, posso falar o nome: era o Seu Próculo. Ele é que era o homem responsável pela luz. Mas, para se adquirir uma lâmpada pra botá num barraquinho tinha que pedir licença a ele. Fazer um pedido, esperar. Eu fui um deles. Eu não posso falar por ninguém, eu falo por mim. Eu consegui um biquinho. Quando nasceu o meu primeiro filho, por sinal minha filha, aquela luz de querosene, aquela fumaça, a lamparina. Amanhecia o dia, ela tava com o narizinho cheio daquela fuligem do querosene. Eu fui, cheguei lá, falei com o seu Próculo. “Seu Próculo, dá pro senhor me arrumar um biquinho de luz pro meu barraquinho: eu pago, tudo bem. Só que eu quero luz lá por causa da minha filha. “Ah, eu vou ver”. Claro que ele mandou, aí eu comecei a pagar. Só que a luz.. A única coisa que você podia ligar fora da lâmpada era o rádio... porque se botasse uma geladeira... Aliás, naquele tempo ninguém tinha geladeira. Mas se ligasse, ela não funcionava, era fraca. Os tempos foram passando, os barracos foram aumentando, e os exploradores da luz... luz era comércio. Um comércio valoroso. Exploravam e cada vez era ficando mais fraca. Chegando ao ponto que você tinha uma Lâmpada que parecia um tomate maduro. Ela não iluminava nada. “Cabine espocava todas as noites: pô, pô, pô”
Também nesse período era comum, em dias de chuva, encontrar grupos de moradores limpando trechos de vala. Era necessário desobstruir o caminho das águas, do contrário, os barracos desciam junto. A necessidade forçou a realização de muitos mutirões. Hoje, se você convida um jovem ou mesmo um adulto do Santa Marta para limpar uma vala, é bem provável que a resposta seja: “eu não sou gari pra limpar vala”. Mas nem sempre foi assim. Limpar vala era uma necessidade daqueles que moravam em cima de uma ou tinha seus barracos nas margens da rota do lixo. Quando chovia, principalmente temporal forte, era hora de “cair dentro”, enxada, ancinho, garfo, pedaço de pau ou qualquer coisa que ajudasse a empurrar o lixo vala abaixo. Os objetivos eram claros: abrir caminho para a água que vinha com muita velocidade e aproveitar essa força para fazer o lixo chegar até a rua, onde a Comlurb o recolhia. Mas a motivação principal era evitar que a água levasse os barracos juntamente com o lixo. Em dia após uma chuva forte a cena era a mesma: a escadaria entulhada de paus, ferro, restos de madeira, colchões de mola muito velhos, muita lata e uma quantidade grande de lama. Esse lixo chegava até a Rua São Clemente onde os trabalhadores da DLU (Departamento de Limpeza Urbana) passavam dois a três dias limpando.
O samba
A Furiosa, pelo que contam os antigos, era um bloco “de sujo” que saía nos dias de carnaval e circulava pelo bairro, indo inclusive até Copacabana. No entanto, a Furiosa passou a ser perseguida pela polícia acusa- da de ser bloco de arrumação (saía para roubar). Tem história de o bloco ter saído e voltado completamente desfeito, porque a polícia havia dado em cima. Pelos relatos, a Furiosa saiu até 1957, talvez. O Bloco do Boi, sob a coordenação do Seu Adauto – que tinha uma birosca quase chegando ao Cantão, até 1976 foi a expressão do carnaval do Santa Marta. Puxado por uma armação que representava o boi e outra que representava uma mulinha, o bloco animava os dias de carnaval. O Seu Waldomiro, ou melhor, simplesmente Miro, brincou dentro daquela armação por vários anos seguidos. Hoje ainda lembra com saudades: “o Bloco do Boi é a nossa alegria... O boi samba, o boi da pesada, o nosso bloco anima a rapaziada ....” (samba de quadra do Império de Botafogo).
Em 1975, o Santa Marta entra na rota dos blocos or- ganizados. O contexto era de desprestígio e perseguição aos blocos de embalo, aqueles que não competiam entre si, que saíam pelo prazer de se divertir. Temos que lembrar que o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos são símbolos dessa expressão do carnaval carioca. Desprestigiados e marginalizados durante anos, voltam a ganhar destaque na onda de revitalização do carnaval de Rua do Rio de Janeiro. No Santa Marta, um grupo de sambistas, à frente Zé Diniz, decide criar um bloco para desfilar no carnaval oficial.
Em 1976 o Império de Botafogo, este foi o nome dado, participa do desfile oficial, ganhando o primeiro lugar no desfile do bairro de Quintino.
Vejamos como o primeiro presidente do Império de Botafogo conta essa história:
Zé Diniz: “Onde há união, há força. Vamos fundar um bloco. Eu tenho um irmão até hoje que diz, ‘nunca vi morro sem samba, nem samba sem morro’. Não tinha dinheiro, não tinha nada. Aí a rapa- ziada se reuniu e disse: vamos organizar um bloco. Foram à federação e se informaram como é que tinha que fazer. O Mauro que era da Federação de blocos deu o papel... tinha que fazer uma pesquisa aqui no morro, se havia componentes que dava pra fazer o bloco, se tinha umas 90 pessoas. A organização caminhou, marcaram reunião para dar posse à diretoria. O presidente seria o Borrachinha, meu ir- mão. Mas, no dia marcado, o Borrachinha não apareceu. Ele sentiu que não dava para a coisa naquela época.” [...] eu já era de outro bloco. Já vinha do Cantagalo, fui campeão no Cantagalo. Tinha uma bagagem já”. Zé Diniz acabou presidente do Bloco. “Não tinha quadra, não tinha bateria, não tinha. Não tinha nada, nada. Só tinha mesmo o meu conhecimento. Primeiramente, o que fizemos? Tem um cantão aí na rua. Olhamos lá, dissemos: aqui dá uma quadra. Com uma madeira velha do vizinho, aí, né, do barraco vizinho, fizemos lá uma cobertura, um bar, né? Um tipo bar. E fizemos um palanque do outro lado do bar, um palanque de madeira velhas. Mas não tinha som. E agora? Sem som, não tem samba. Aí o Zezé, tinha alguma comunicação. Então ele arrumou duas cornetas. Aliás, muito boas cornetas. Igual aquela não existe mais. Faltava amplificar. O Cosme arrumou o amplificador. Ali testamos o primeiro samba com sucesso.”
Alguns sambas de quadra marcaram época no Santa Marta e em especial alguns compostos pelo Zé Prego, que compunha os sambas chamados de “boi com abóbora”, mas que faziam muito sucesso na quadra. Podemos dizer que ele era um cronista bem humorado do cotidiano da favela:
Tinha um cachorro, eu z um samba'Eu tinha um gato e z um samba também Um compadre meu me mandou um pato Eu não perdi tempo z um samba pro queim queim'Queim queim queim pra mim tá tudo bem Manda água seu Ferreira que o pato se sente bem (bis)”
Obs.: Era uma forma bem humorada de protestar contra a falta de água daqueles tempos.
Ou,
Sonhei com meu Império na avenida,'Pois na carnaval da vida o Império já ganhou Eu vestido de azul e branco era um'dos integrantes'da ala dos compositores'O samba de Itamar e Bernadino,'Na avenida era um Hino, de fascínio e sedução Mas quando vinha a banda do Caguta'Mamãe Maria Batuca me acordou de'um sonho bom'Acorda José, acorda José,'Todo Zé que sonha muito, vira Zé Perequeté'o José
O Império de Botafogo foi campeão em seu primeiro ano de desfile, vice no segundo e terceiro lugar no terceiro ano. Zé Diniz ocupou a presidência nos dois primeiros anos. Em seguida, o bloco passou por muitas desavenças internas e caminhou para o desaparecimento.
Em 1992 foi fundada a Escola de Samba Mocidade Unida do Santa Marta, agora com quadra própria, localizada no final da rua Jupira, entrada da favela, que passa a sonhar com a Marques de Sapucaí, local de desfile do grupo especial. Estar entre as grandes é o desejo de muitos e a Mocidade Unida alimenta esse sonho.
A televisão
Antes de chegar a antena parabólica no Santa Marta, que antecedeu o “gato net”, não se podia ver a sionomia dos artistas. A imagem era duplicada, nos melhores casos, e triplicada ou quadruplica- da na maioria deles. Eram os chamados fantasmas. Havia situações muito intrigantes, as pessoas olha- vam para uma tela em preto e branco, cheia de chu- visco, onde na verdade não se via nada. Não sei como era possível achar alguém bonito ou feio com aquelas imagens. Acho mesmo que cada um abs- traía-se da di culdade, ouvia o que estava sendo dito e criava a sua imagem ideal.
Antigamente, quando poucos eram os que tinham televisão no morro, as crianças viviam procurando onde assistir um pouco de televisão.
Ter televisão nos anos 60, no Santa Marta, era um símbolo de muito status. Não sei bem quais eram as condições daquelas famílias, mas lembro ao me- nos de três casas que tinham televisão. Uma delas era a casa da D. Maria, mãe da Mariza e do Waldir.
Minha lembrança é de uma televisão grande tipo ummóvel, na sala bem arrumada, um chão encerado de vermelho e tudo nos seus lugares. A gente não po- dia fazer nenhum barulho. Acho que fui lá umas duas vezes. Outra vizinha que também tinha televisão era Dona Dahil, que morava um pouco abaixo da minha casa. Apesar de dar broncas de vez em quando, ela permitia a entrada de um grupo de “moleques”, me lembro que eram só meninos. À tardinha, a gente ia se juntando na ponte, próximo ao portão de sua casa, e, quando estava para começar a programação que que- ríamos assistir, ela abria a porta e deixava-nos entrar. Era muita ansiedade, parecia que estávamos esperan- do por uma super sessão de cinema. “Limpem os pés, nada de bagunça, silêncio se não boto todo mundo pra fora”. A gente entrava feliz e inquieto. Alguns pro- gramas me vêm à lembrança: “Ardida como pimenta”, “Rin tin tin”, “Bonanza”, “Zorro”.. Às vezes éramos ex- pulsos da sala, mas depois éramos aceitos novamente. É importante frisar que a maioria dos pais, os meus inclusive, não tinha ideia desses acontecimentos e nem mesmo autorizavam seus lhos a frequentarem a casa alheia. Era tudo meio escondido. Uma vez, mi- nha mãe soube que as crianças foram proibidas de assistirem determinado programa nessa casa. Então, minha mãe me proibiu de assistir televisão na casa de quem quer que fosse.
Bem, outra casa que também já tinha televisão era a casa do seu Saldanha. Vários amigos meus assistiam lá seus programas favoritos, parecia que eles eram um pouco mais tolerantes com as crianças. Não sei, não frequentava a casa deles.
Assiti uma televisão no emprego da minha mãe.Ela trabalhava como empregada doméstica na rua Barão de Macaúbas e lá, principalmente aos sábados, podíamos ver televisão. Lá, pude acompanhar o seria- do “Perdidos no Espaço”.
Acho interessante como a Zinha conta a chegada da primeira televisão no Santa Marta: “Eu tinha quinze anos, mas eu já tinha a Rosa. Então aqui tinha um condutor de bonde. Ele morava onde é o beco da Lua Nova agora, onde é a casa do Boi. Então ele era condutor de bonde. Por favor... um dinheirinho... ele foi indeniza- do na Companhia e comprou uma televisão. Ele tinha uma senhora que tinha perna defeituosa, uma perna mais na e eles não podiam ter filho. Arrumaram uma criança pra criar... e então, quando passava o programa do Carequinha.. era a única televisão que tinha no morro... todo o morro ia pra lá, pra casa desse moço. Tinha criança trepada na mesa dele, tudo quanto era canto. Então, nesse dia as crianças começaram a pular: Carequinha! Carequinha! Quando eles já iam embora, pisaram no pé doente da mulher. Olha, a mulher falou: “a partir de hoje, ninguém mais vai ver televisão aqui! Então ela fechava a porta na hora do Carequinha... Então o Paulinho, filho da Dona Maria, ele tinha uns dez anos, aí ele falou assim: “Hoje ela vai abrir a porta, porque eu tenho uma música pra cantar para ela. Olha, juntou a criançada tudim, e foi pra porta da mulher. Chegou lá, começaram assim. Quando o Paulinho fazia assim com as mãos (gesto de regência), as crianças cantavam: “Seu Cachimbo, perdão, ligue a televisão! Olha, o homem ficou tão emocionado, tão emocionado, que abriu a porta. Foi a coisa mais engraçada...”
Hoje todos no morro têm televisão e alguns têm mais de uma na mesma casa.
O rádio
Minha avó, Dona Quinha, era apaixonada pelo Getúlio e por rádio. Ouvia vários programas enquanto cuidava da casa: “Teatro de Mistério” (incrível, fantástico, extraordinário!), “Teatro Orniex”, “Jerônimo o Herói do Sertão”, “O Anjo”, “Balança mais não cai”. Penso que o “Balança” acontecia à noite e também tinha o patrocínio da Camisaria Progresso. “Histórias do Tio Janjão”, “Vinte Mil Léguas Submarinas” e outros. Bem, também era muito comum sintonizar a rádio relógio: “Galeria Silvestre, a galeria da luz ...” e, então, se informava a hora certa. Impressionante que hoje não faz o menor sentido uma rádio relógio. Mas naquele tempo relógio era artigo de luxo. Usar um relógio de pulso ou na parede não era para qual- quer um. Hoje, com qualquer dez reais se compra um no camelô da esquina.
O futebol
O futebol, desde o início, cumpre um papel duplo no Santa Marta: por um lado, é espaço de agregação e alternativa de lazer, por outro, serve para reforçar identidades territoriais e manter um clima de tensão, principalmente entre os jovens. Isso fica mais evidente entre o final dos anos 60 e o início dos 80. Podemos dizer que a década de 70 foi o auge das disputas internas marcadas pelo futebol.
O registro mais antigo de um time de futebol que temos é o Graça. Honório, que morava ao Pé da Escada, marido da Dona Riza, era o presidente do time. Padre Veloso, em uma entrevista, cita uma passagem envolvendo o nome do time: “Nessa ocasião formou- -se o primeiro time, que eu saiba, de futebol. Ali perto onde é hoje a capela, a sacristia, ali tinha um salão e em cima tinha outro salão onde Madalena cava.
Ela morava nos fundos, e aquele salão de cima servia para nossas reuniões. E embaixo então, eu consegui... Cedemos aquilo para fazer a sede do clube, O Graça. A briga era o seguinte... eles queriam dar o nome do time de Nossa Senhora das Graças. Porque a capela é Nossa Senhora das Graças. Eu disse: “Não dá. Daqui a pouco o time do Fluminense dá no Nossa Senhora das Graças! Fica muito esquisito!” Então eles tiraram o nome de Nossa Senhora e puseram Graça... No m, saiu quando eu saí. Aí ficou com dona Laura. Dona Laura brigou e meteu o time para fora.”
No entanto, a partir da metade dos anos 60, havia vários times no Morro: Mirante, Ases da Lua, União, Noturno, Nascente, Royal... No entanto, três times expressaram com força as várias composições e territorialidade da favela:
O Nascente, sob a direção do Paulinho ( filho do Malaquias), era composto, em sua maioria, por jogadores e torcedores, moradores e frequentadores do Cantão e do entorno da Mina de baixo e da Mangueira. É claro que essa divisão territorial não era rígida, havia joga- dores e torcedores que cruzavam as fronteiras, mas o time estava marcado por essa identidade.
O Noturno, dirigido por Seu Sebastião e pelo Dida, representava os moradores da parte alta da favela, era o time do Pico do Morro.
O Royal reunia a rapaziada que morava em torno das quatro bicas e próximo ao terreirinho.
Esses times, Royal, Nascente e Noturno, são contemporâneos e foram protagonistas de várias brigas en- volvendo inclusive suas torcidas. Marcadamente, as oposições se davam entre Nascente contra Noturno e Nascente contra Royal. A disputa entre Nascente e Royal ia além dos campos, se dava também no processo de organização cultural e lazer dos times: ambos promoviam bailes e estavam situados na parte mais baixa do morro. Apesar da rixa, isso não impedia que jovens jogadores e torcedores frequentassem os bailes de um e de outro time.
O futebol também foi responsável pela animação dos finais de semana. Todas as vezes que havia jogo fora de casa, mobilizavam-se de 50 a 100 pessoas que saíam em excursão. Era talvez o único lazer para muitos.
Nos anos 80, esses times vão aos poucos se diluindo e perdem esse per l territorial. Hoje, o futebol organizado tem sua expressão mais permanente no Peladão, uma atividade que começou na praia e hoje se estrutura como um grupo que organiza várias atividades.
A religião
Não se pode contar e nem mesmo entender a história do Santa Marta, ao menos até a década de 80, sem levar em consideração a atuação e o papel da Igreja Católica nesta localidade e, muito particularmente, a participação dos padres jesuítas e a sua rede de apoio. Nomes como Padre Veloso, Padre Hélio, Padre Agostinho, D. Helder Câmara e Dona Laura estão diretamente ligados às melhorias ocorridas nesta favela até o início dos anos 80.
No entanto, outras manifestações religiosas estão presentes na história do Santa Marta e ajudaram a desenhar o que é a comunidade hoje.
Já na década de 60, registrava-se a presença de igrejas evangélicas no Santa Marta. A Igreja Assembleia de Deus é a primeira denominação evangélica a se estabelecer fisicamente na favela. Em seguida vem a Igreja Batista e, hoje, podem-se listar outras denominações como a Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Igreja da Ressurreição, a Igreja do Nazareno e a Igreja Universal do Reino de Deus, que são as mais visíveis. O crescimento dos evangélicos no Santa Marta ganha visibilidade nos anos 80 e se expande nos anos 90.
Também as religiões de matriz africana, como a um- banda e o candomblé, estão presentes nesta favela, no mínimo desde os anos 50, com vários terreiros e mui- tos seguidores. Pode-se dizer que havia uma cultura religiosa brasileira no Santa Marta, onde conviviam católicos, umbandistas, candomblecistas e evangélicos.
Especificamente em relação às religiões de matriz africana, podemos perceber dois períodos bem distintos na história desta favela: a presença de vários centros espalhados pelo Morro e uma ausência absoluta desses espaços. Compartilho duas lembranças de infância que têm a ver com esses espaços: desde muito criança, lembro-me que o melhor dia do ano era 27 de setembro, dia de São Cosme e São Damião. Várias pessoas no Morro distribuíam saquinhos de doces e os centros de macumba realizavam festas, além de distribuírem doces. Outra lembrança é da primeira vez que fui ao Pico do morro, talvez tivesse em torno dos cinco anos de idade. Fui com meus pais ao centro do seu Zé do Santo que cava no pico do Morro, era o último barraco da favela. Meus pais tinham um compadre que morava na Ladeira dos Tabajaras e era médium desse terreiro. Então, nos finais de se- mana ele passava na minha casa em direção ao centro e, algumas vezes, meus pais o acompanhavam.
O dia em que fui ao centro, era festa de “criança”, tenho na memória que subi muito, era muito alto. Mas também lembro que quei fascinado com a vista: Enseada de Botafogo, Lagoa Rodrigo de Freitas e um vento fresco que batia no rosto.
Bem, hoje não há no Santa Marta um único espaço para os adeptos da umbanda ou do candomblé. No passado existiram vários pais e mães de santo por aqui:
•Dona Guiomar
•Dona Lapide
•Dona Maria Portuguesa
•Dona Maria Batuca
•Dona Rosa
•Dona Maria Bela
•Zé Jacinto
•Olavo
•Seu Manuel perna torta
•Seu Zé do Santo
•Pai Guedes
•Pai Abrão
Esses espaços e suas lideranças desapareceram totalmente na década de 90.
Umbandistas, evangélicos, candomblecistas, católicos, essas pessoas cumpriram papéis importantes na comunidade. Foram líderes espirituais, cada um deles na sua fé e respeitando seus preceitos religiosos, que exerciam influência sobre seus adeptos e formavam núcleos comunitários. Era bonito ver Dona Guiomar subindo ou descendo o Morro e a cada filha de santo que encontrava, parava e a abençoava.
O mesmo pude ver da janela da minha casa na figura elegante de seu Amós subindo ou descendo, sempre com a bíblia debaixo do braço, e nos encontros, pelo caminho, saudava os irmãos, “paz, Senhor”, e dava aos outros moradores um bom dia ou boa tarde, sempre com muita simpatia.
Padre Agostinho morou no morro por alguns anos e já estava incorporado à dinâmica da favela. A cada um que encontrava, cumprimentava, perguntava pela família e ouvia solicitações como marcar um batizado ou um pedido de ajuda para consertar o barraco e, com simpatia e humor, respondia a cada um.
Cada um desses líderes teve sob sua responsabilidade um determinado número de moradores que os tinham como referência. Essa diversidade religiosa ajudava a enfrentar as dificuldades físicas da favela. Assim era o Santa Marta até a década de 80.
A saúde
No período de 81 a 91, desenvolveu-se o projeto de saúde do Morro de Santa Marta - a princípio com atendimento na própria sede da associação de moradores, assim como um trabalho forte de cadastra- mento dos comunicantes (tuberculose) e, a partir de 83,,inaugura-se o ambulatório Dedé, no alto do morro, com uma equipe de cinco médicos, uma enfermeira, uma psicóloga e cinco agentes de saúde da própria comunidade: grupos de mães, gestantes, diabéticos, hipertensos, visitação domiciliar, estímulo à participação nos grupos e controle da doença.
Projeto liderado pelo Dr. José Luiz de Magalhães Rios, sobrinho do Padre Veloso, que faz a opção de morar no Morro no período de sua formação como médico. Em seguida, elabora e implanta, juntamente com a diretoria da Associação de Moradores, o projeto de saúde que teve apoio direto da Asia (Antigos Alunos dos Padres Jesuítas). O Ambulatório inaugurado no alto do morro, exatamente para facilitar o atendimento aos moradores do Pico do Morro, chamou-se ambulatório Dedé, em homenagem ao vice-presidente da Associação de Moradores que morrera eletrocutado prestando serviço à comunidade.
A Folia de Reis
A tradição de Folia de Reis no Morro de Santa Marta é muito antiga, e encontrou aqui as condições para sua sobrevivência. Pessoas que vieram de São Fidelis, Itaperuna, Miracema e Sul de Minas puderam reencontrar suas raízes culturais, agora adaptadas às condições da cidade grande.
Em meados dos anos 60, a Folia de Reis do mestre Zé Cândido, morador da Ilha do Governador, convidou pessoas do Santa Marta para se integrarem a ela:
Luiz, Dodô, Zé Diniz, Borrachinha, Clarisse, Manoelina, Machado, Joãozinho e Manezinho, entre outros, se incorporaram e assumiram aquela missão. Muito rapidamente, a maioria dos componentes da Folia de Reis da Ilha do Governador era de foliões do Santa Marta.
Com a morte de Zé Cândido, o Sr. Luiz assumiu a posição de mestre e a Folia passou a sair de sua casa, no Santa Marta. Pode-se dizer que aí começou oficialmente a Folia de Reis dessa Comunidade. Mestre Luiz manteve esse posto até quando a saúde lhe permitiu. Foi substituído pelo mestre Joãozinho que, depois de anos dedicados ao ofício de palhaço, assumiu a tarefa de conduzir a Folia de Reis. Após sua morte, o cargo ficou sob a responsabilidade de Mestre Dodô, que desempenhou com orgulho a função de dar os versos e puxar a cantoria na Folia do Santa Marta. Quando morreu, o lugar de mestre foi ocupado por Zé Diniz que, desde o início, exercia o cargo de presidente da referida Folia. Até hoje Mestre Diniz acumula o posto de mestre e de presidente dos Penitentes do Santa Marta.
As mulheres sempre tiveram um papel importante na Folia de Reis do Santa Marta. A responsabilidade de carregar o símbolo máximo da Folia, a bandeira dos Reis Magos, sempre esteve a cargo de dedica- das mulheres. Várias delas já desempenharam essa função: Clarisse, D. Neusa, Marina e, atualmente, D. Eva é quem cumpre a missão de carregar a bandeira da Folia. No entanto, a presença das pastorinhas, como são chamadas as mulheres nesse cortejo, foi além da bandeira, passando a formar o coro de cantoria, quando outros nomes se incorporaram: D. Maura, D. Rosa, Marina, Rita , Maria Bela, Del na, Eunice e duas recentes participações de Eliane e Roberta, alterando de nitivamente o per l dessa Folia de Reis.
Os palhaços são um capítulo à parte. Na origem da Folia do Santa Marta está o nome de Totonho, lembrado com admiração pelos que o sucederam. A linha de sucessão foi preenchida por Joãozinho, que du- rante muitos anos foi mestre dos palhaços, dividindo as atenções com seus contemporâneos Borrachinha, Zezinho Capirai , Zé Carlos e Macalé.
Com apenas nove anos de idade, Ronaldo, filho do mestre Diniz, começou a sair como palhaço nessa Folia. Desde muito cedo mostrou que seria um grande palhaço. Nos últimos 30 anos, Ronaldo reinou como palhaço e, por certo, estará na galeria dos melhores palhaços de Folia de Reis do Rio de Janeiro.
Seguindo seus passos, seu filho Júnior iniciou-se na vida de palhaço aos sete anos de idade. Nos últimos 15 anos, pai e filho, juntamente com o companheiro Guinho, se transformaram no cartão de visita dos Penitentes do Santa Marta.
A Folia tem hoje, como suporte básico, um núcleo familiar formado a partir do Mestre Zé Diniz, reforçando a importância dos laços familiares na transmissão das tradições culturais: Mulher, filhos, netos, irmãos, primo e amigos compõem o grupo Os Penitentes Foliões do Santa Marta.
Esse núcleo familiar decidiu continuar com a missão de organizar a Folia de Reis do Santa Marta.
Associação de Moradores
Segue abaixo a relação dos presidentes da Associação de Moradores do Santa Marta de 1965 a 2010:
•De 1965 a 1971: Cabo Ferreira; João Silva*; Próculo Túlio
•De 1971 a 1979: Cabo Ferreira
•De 1979 a 1981: Luis Lourenço assume e renuncia; Firmino, seu vice, assume e morre logo em seguida; Samuel, secretário, assume e convoca novas eleições.
•De 1981 a 1986: Itamar
•De 1986 a 1989: Gilson Cardoso assume mas se afasta para se candidatar a vereador; Luis Antonio, seu vice, assume.
•De 1990 a 1992: Castelo é assassinado em fevereiro de 91; Chicão, seu vice., assume e é assassinado em julho de 92.
•De 1992 a 1996: Zé Luiz
•De 1996 a 2001: Moacir
•De 2001 a 2003: André Fernandes assume e deixa a associação em 2002; Delinho, seu vice, assume por alguns meses. Uma comissão formada por Frango, João Batista, Simone e Lúcia assume e convoca eleições.
•De 2003 a 2007: Eliane dos Santos (Nanan): diretoria só de mulheres.
•De 2007 a 2010: João Batista é eleito mas não toma posse; José Mário Hilário assume.
*Segundo depoimento do Cabo Ferreira, João Silva fez parte da comissão que elaborou o estatuto da associação. No entanto, há controvérsia quanto ao fato de ter sido ou não presidente por um período.
Uma breve panorâmica do Santa Marta: uma síntese em décadas
Entre 1939 e 1950 – Período de formação da favela. Todos os problemas e questões, que iriam tensionar a favela mais tarde, já estavam aí indicados: falta de água; precariedade da energia elétrica; ocupação do espaço interno; presença de agentes externos; inicia- tiva de escola dentro da favela; etc...
Os anos 60 foram de consolidação da favela: construções aceleradas de novos barracos; aumento da chegada do pessoal do nordeste; organização interna (criação da Associação de Moradores) e inauguração da caixa d’água do Pico (59).
Na década de 70, podemos falar em inchaço e expansão do consumo: marca o m de uma alternância no poder na direção da Associação de Moradores e a permanência de um presidente por 9 anos seguidos, acompanhado de um esvaziamento da diretoria; inchaço da favela; ápice dos problemas em torno da luz e da água; expansão do consumo de eletro-domésticos e pressão pela democratização da Associação de Moradores. No final dessa década, o Brasil começa a sair da ditadura e há maior movimentação social no país. No Santa Marta, são plantadas sementes que se- riam colhidas futuramente.
Os anos 80 foram de conquistas: Nova direção na Associação de Moradores; construção do primeiro prédio estruturado dentro da favela (sede da Associação de Moradores – com apoio da João Fortes engenharia); água em quantidade para todos; luz direta da Light; ambulatório Dedé com enfermeira, agentes, psicóloga e médicos; mutirões para melhorar caminhos; mutirões para construir e reformar barracos (Casa Santa Marta/Asia); creches e pré-escolar - Casa Santa Marta, Unape-Anchieta; colônia de Férias para crianças (Grupo Eco); Creche Comunitária Mundo Infantil (Grupo Unidas do Santa Marta) e o 1o projeto de urbanização para a favela.
Os anos 90 foram confusos e, em certa medida, de retrocessos: m do trabalho de saúde no Santa Mar- ta (fechamento do ambulatório); continuação dos conflitos armados iniciados em agosto de 87; perda de legitimidade da Associação de Moradores; assassinato de dois presidentes da associação de moradores e de uma secretária; mais de uma troca de comando à frente do tráfico; incêndio (92); manifestação de moradores contra a violência; vários jovens ligados ao tráfico mortos pela polícia e exército no morro.
2000 – retomada da articulação comunitária: assembleia para reagir à proposta do Governo do Estado de construir prédios no Santa Marta; novas eleições para a direção da associação de moradores, com a primeira diretoria composta somente por mulheres (chapa rosa); criação da comissão de urbanização; discussão de um projeto de urbanização para o Santa Marta; início das obras; plano inclinado; entrada da UPP e no- vos projetos para a favela. Futuro em aberto.
E o futuro?
A geração que tem hoje menos de 25 anos nasceu em um Santa Marta onde a água já chegava a todas as casas, diariamente. O banho de chuveiro já fazia parte de sua rotina. A falta de água um dia é um verdadeiro caos em suas vidas. A maioria também desconhece a luta coletiva de seus pais e avós para conquistar esse direito fundamental: a água.
Essa geração também já nasceu sob o signo da energia elétrica para todos. A luz de lamparina é coisa do passado, história do tempo de suas avós. Quando muito, tiveram que acender uma vela em uma noite de falta de luz porque o transformador estourou.Mas a Light aparecia relativamente rápido para consertá-lo.
A essas duas referências, luz e água, essenciais na vida de uma população, podemos incluir outros exemplos, como a presença de trabalhadores de limpeza (garis comunitários), desde 90. Se não davam conta, ainda, de recolher o lixo de porta em porta, faziam a varredura das ruas e becos da favela, cuidando de seu espaço público. Podemos ainda colocar alguns outros penduricalhos: até a inauguração do bondinho do plano inclinado, em maio de 2009, ir até o Pico do Morro, transportar uma bicicleta ou um móvel qualquer da escadaria até lá, era muitíssimo suado. O Plano inclinado é um marco no tema da mobilidade nesta favela, uma conquista alimentada desde 85, quando foi feita a primeira proposta de urbanização para o Santa Marta. Foi uma mudança radical, especialmente na vida dos moradores do Pico do Morro. No entanto, juntamente com isso, paira uma ameaça: no Pico, onde também se registra a presença de moradores muito antigos, desde os primeiros anos da favela, há a ameaça de eles serem removidos. Eles que resistiram às chamadas guerras no Santa Marta e também à entrada violenta da polícia. Eles que, ao longo dos quase oitenta anos do Santa Marta, enfrentaram a mata para chegar até o bairro de Laranjeiras ou os mais de 700 degraus para chegar até Botafogo, “agora”, que chegou a bonança, estão ameaçados de serem removidos pelas obras de urbanização (ironia do destino ou do Estado). O Pico do Morro, no projeto de urbanização do Santa Marta, dará lugar a um parque florestal para deleite dos inúmeros turistas que “agora” invadem a favela. Mas como a história é dinâmica e o Santa Marta tem uma longa experiência de resistência, vamos acompanhar os próximos lances.
Então, essa geração nascida a partir de 85 tem mais oportunidade de avançar nos estudos que seus pais. Ainda são poucos os jovens do Santa Marta que chegam à universidade, mas o número já é bem superior a antes. As casas, em sua maioria, são de tijolo e causam orgulho ao ostentar janelas de esquadrias de alumínio, laje e banheiro ladrilhado. No entanto, na maioria das casas, falta acabamento externo (emboço). Há que se esperar pela continuidade do projeto de melhorias habitacionais iniciado em 2007 e interrompido em 2008 (projeto esse que deu ao Santa Marta uma beleza plástica que passou a chamar a atenção de todos os que olhavam a favela de fora). Os canos de distribuição de água, outrora distribuídos sobre os talhados formando uma verdadeira teia de PVC “agora” estão todos elegantemente embutidos sob o cimento dos caminhos. O número de valas diminuiu. Diminuiu também a quantidade de ratos, se bem que eles, os ratos, buscam adaptar-se à nova realidade da favela semi-urbanizada: ainda há muitos locais onde encontram lixo, comida farta e esconderijos para fazer seus ninhos.
Não há dúvida de que o Santa Marta da entrada do século XXI (2001) é fisicamente muito melhor do que o daquela localidade iniciada na primeira metade do século XIX (1939) e que cresceu e se adensou nos anos 60 e 70. Hoje, somos em torno de 5.000 pessoas.
Apesar de todos esses sinais reais e palpáveis de mudança, o Santa Marta ainda pode ser usado como exemplo da desigualdade brasileira. Uma pessoa no Santa Marta, com mais de 25 anos de idade, tem em média 6 anos de estudo, quando a média na região metropolitana do Rio de Janeiro é de 9 anos.
Isto significa que a maioria de seus moradores tem menos chances de acesso a um mercado de trabalho qualificado e a consequência disso é um baixo nível de renda e menores salários, se comparados com os arredores da favela (bairro de Botafogo ou de Laranjeiras) e mesmo quando a comparação é feita com outras favelas da zona sul.
O desafio é: como fazer para que as transformações físicas que vêm acontecendo, lentamente mas de forma concreta, tenham correspondência na formação de sua população, colocando-a em outro patamar, habilitando seus moradores a disputar o mercado de trabalho qualificado oferecido na cidade, aumentando a sua renda e seu capital simbólico e, dessa forma, tirar todos os moradores do Santa Marta da linha da pobreza, aumentar significativamente os anos de estudo da maioria e qualificar os jovens para lidarem com os desafios de seu tempo e varrer o analfabetismo entre nós.
Um paradoxo: avançar, qualificar, sem perder a identidade coletiva que cria no Santa Marta um ambiente acolhedor e alegre. Mudar para continuar a ser o Santa Marta que tem história e olha para a frente.
Nota: As falas indicadas no texto foram retiradas de entrevistas realizadas em dois momentos distintos em que o Grupo Eco esteve articulado a iniciativas que pretenderam contar a história do Santa Marta. Em 1983, juntamente com Sergio Goldemberg, realizamos uma série de entrevistas com o objetivo de contar, em vídeo, a história deste lugar. (A ser concluído).
Em 1995, sob a coordenação da professora Angelina Peral- va (USP), realizamos entrevistas para a elaboração de um projeto de memória do Santa Marta. (A ser concluído).
Também me utilizei da organização temática do jornal comunitário Eco feita pelo sociólogo Atilio Peppe, para a sua tese de mestrado sobre o associativismo na favela de Santa Marta.