Economia no cotidiano das favelas: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Uma das questões suscitadas em debate acerca dos textos trabalhados nesta aula foi sobre a <u>inflação</u> enquanto um conceito que não é dado, mas sim construído socialmente, no sentido de que não deve ser encarado como um fenômeno natural, uma espécie de terremoto, mas sim por um constructo de indicadores sobre os preços que combina uma série de fatores e não possui efeitos automáticos em toda a população. Assim, embora inflação possa ser um termo comentado na vida cotidiana, seus ecos são sentidos a partir de outras narrativas, como a do aumento de preços nos itens mais importantes para o dia a dia das famílias numa favela como a Maré, por exemplo. O preço dos alimentos torna-se, assim, um dos grandes pontos sensíveis da pesquisa analisada por Eugênia Motta e Federico Neiburg. Diante de uma percepção generalizada de que os preços dos alimentos estavam bastante superiores ao usual, uma série de estratégias e adaptações é levada a cabo pelas famílias, de maneira consorciada e em diferentes arranjos, que nos remete às combinações de jornadas de trabalho descritas por Luiz Antônio Machado da Silva. Neste sentido, os alunos também comentaram como os limites tênues entre '''formalidade e informalidade''', ou entre as diversas formas de trabalho descritas por Machado da Silva (2018), se tornam elemento central no cenário observado por Motta e Neiburg (2023), tendo em vista as estratégias traçadas por seus interlocutores para ganhar a vida em meio a uma pandemia acompanhada de uma crise econômica.   
Uma das questões suscitadas em debate acerca dos textos trabalhados nesta aula foi sobre a <u>inflação</u> enquanto um conceito que não é dado, mas sim construído socialmente, no sentido de que não deve ser encarado como um fenômeno natural, uma espécie de terremoto, mas sim por um constructo de indicadores sobre os preços que combina uma série de fatores e não possui efeitos automáticos em toda a população. Assim, embora inflação possa ser um termo comentado na vida cotidiana, seus ecos são sentidos a partir de outras narrativas, como a do aumento de preços nos itens mais importantes para o dia a dia das famílias numa favela como a Maré, por exemplo. O preço dos alimentos torna-se, assim, um dos grandes pontos sensíveis da pesquisa analisada por Eugênia Motta e Federico Neiburg. Diante de uma percepção generalizada de que os preços dos alimentos estavam bastante superiores ao usual, uma série de estratégias e adaptações é levada a cabo pelas famílias, de maneira consorciada e em diferentes arranjos, que nos remete às combinações de jornadas de trabalho descritas por Luiz Antônio Machado da Silva. Neste sentido, os alunos também comentaram como os limites tênues entre '''formalidade e informalidade''', ou entre as diversas formas de trabalho descritas por Machado da Silva (2018), se tornam elemento central no cenário observado por Motta e Neiburg (2023), tendo em vista as estratégias traçadas por seus interlocutores para ganhar a vida em meio a uma pandemia acompanhada de uma crise econômica.   
Outro tópico de debate da aula foi a pesquisa coletiva realizada no âmbito do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC/UFRJ) sobre dinâmicas econômicas e culturas alimentares no Complexo da Maré (RJ)[https://www.youtube.com/watch?v=9FqcII8PumM]. A pesquisa é uma parceria com a organização com a Redes da Maré e tem como objetivo entender como as pessoas se alimentam, como obtém, cozinham, guardam, compartilham e, eventualmente, vendem comida. Observamos essas dinâmicas a partir das casas e das relações entre casas que ocorrem por meio da circulação de comida. Com a pesquisa queremos contribuir com uma perspectiva nova sobre segurança alimentar e nutricional que tem como foco a maneira como os alimentos circulam localmente, levando em conta as interseções entre as formas de ganhar, gastar e guardar dinheiro e a alimentação, assim como os valores sociais e culturais ligados a ela, especialmente as relações familiares e de vizinhança. Este projeto é o desdobramento de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2022 chamada "Dinâmicas econômicas na Maré em tempos de pandemia". Esta foi a primeira parceria entre as duas instituições, quando foram realizadas entrevistas remotas com dezenas de moradoras e moradores para entender como as famílias estavam enfrentando a crise sanitária. Estudando na ocasião a relação entre as casas e os negócios, ficou evidente a importância do aumento do custo de vida e da segurança alimentar como problema para as pessoas e as [http://www.nucec.net/decam.html famílias]. 


Pensar sobre a '''economia cotidiana''' de favelas faz parte de um esforço de pensar esses territórios para além dos temas que mais são associados à eles, como a violência e a criminalidade. Mais do que isso, é o reconhecimento de que seus moradores são ''agentes'' capazes de reordenar cotidianamente suas ações para viver uma vida digna, não estando assim, relegados à subsistência, à falta e à pobreza. Pensar em economia cotidiana, nesse sentido, é pensar sobre muitas esferas da vida das pessoas: alimentação, vestimentas, lazer, educação, saúde. Isto porque o dinheiro se coloca como um ator imponderável nas trocas que possibilitam a obtenção desses fatores. Territórios favelados são locais altamente diversos e que estimulam a existência de circuitos comerciais plurais e de atividades que podem ''dar dinheiro''. Salões de beleza, barracas nas feiras, mercadinhos, lojas de roupas, restaurantes, farmácias, ou então, indo de casa em casa revendendo produtos – tudo isso compõe os cenários de diferentes favelas, demarcando a <u>centralidade da economia</u> nas dinâmicas que as constroem e reconstroem todos os dias.  
Pensar sobre a '''economia cotidiana''' de favelas faz parte de um esforço de pensar esses territórios para além dos temas que mais são associados à eles, como a violência e a criminalidade. Mais do que isso, é o reconhecimento de que seus moradores são ''agentes'' capazes de reordenar cotidianamente suas ações para viver uma vida digna, não estando assim, relegados à subsistência, à falta e à pobreza. Pensar em economia cotidiana, nesse sentido, é pensar sobre muitas esferas da vida das pessoas: alimentação, vestimentas, lazer, educação, saúde. Isto porque o dinheiro se coloca como um ator imponderável nas trocas que possibilitam a obtenção desses fatores. Territórios favelados são locais altamente diversos e que estimulam a existência de circuitos comerciais plurais e de atividades que podem ''dar dinheiro''. Salões de beleza, barracas nas feiras, mercadinhos, lojas de roupas, restaurantes, farmácias, ou então, indo de casa em casa revendendo produtos – tudo isso compõe os cenários de diferentes favelas, demarcando a <u>centralidade da economia</u> nas dinâmicas que as constroem e reconstroem todos os dias.  

Edição das 15h27min de 27 de junho de 2024

Estudo relacionado ao trabalho: Clássicos e contemporâneos sobre favelas: Curso IESP-UERJ.

Autoria: Brauner Cruz, Maria Fernanda Maciel e Yasmin Jardim

Nesta aula, debatemos como a economia está presente no cotidiano de moradores de favelas e periferias. Através dos textos de Machado da Silva (2018) e Motta e Neiburg (2023), podemos refletir sobre as formas utilizadas por pessoas de território periférico para fazer dinheiro, seja através de comércios locais, trabalho assalariado, ou pela “informalidade” – como os famosos "bicos". Fala-se em estratégias para denominar essas práticas econômicas que reordenam os cotidianos de diversas famílias, mas também, para denominar uma perspectiva metodológica que pensa as dinâmicas econômicas a partir dos indivíduos. Quando estamos com pouco dinheiro e os preços dos alimentos aumentam, o que fazemos? Quando precisamos de determinado remédio mas não temos dinheiro, qual é o “jeito” que se dá? E quando queremos sair para nos divertir, mas o orçamento é baixo, para onde vamos? Todas essas ações parecem tão pequenas e individuais, mas na verdade, revelam particularidades de processos socioeconômicos maiores. Tratando-se de favelas isso igualmente pode auxiliar à compreensão de como esses territórios se organizam e gerenciam a partir das ações de seus atores.

O texto de Luiz Antonio Machado da Silva busca trabalhar uma ideia que se tornou fundamental para pensar a economia cotidiana de territórios periféricos, como as favelas, que é o de estratégias de vida. Ao consolidar algumas das pesquisas empreendidas pelo autor em cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, Machado da Silva (2018) traça algumas das combinações lançadas pelas famílias na busca pelo ganhar a vida. São, portanto, estratégias, no sentido de caminhos pensados, calculados pelas famílias em busca de seu sustento econômico.

O autor, não somente neste texto, mas ao longo de sua pesquisa, inclusive em artigos que compõem o mesmo livro referenciado, enfatiza a simultaneidade das formas de obtenção de renda da classe trabalhadora. A simultaneidade das formas de trabalho é obtida pela ausência de uma regulamentação do mesmo e são esses cenários que combinam o trabalho assalariado com o trabalho doméstico, o trabalho a domicílio ou aquele feito por conta própria. Tendo o objetivo de multiplicar o número de membros ativos economicamente na família em prol da melhora econômica daquela unidade familiar.

Como consequência, as jornadas de trabalho, sejam elas advindas dos arranjos de trabalhos fixos como de trabalhos "autônomos", acabam por conter muito mais horas do que as previstas no trabalho assalariado. por exemplo, por isso se torna fundamental contar com o auxílio de membros da casa e até de familiares que migram de suas cidades de origem para ajudar a compor tais jornadas. Já há cinquenta anos atrás, Machado aponta conceitualmente práticas que acompanham unidades familiares nos dias atuais, tendo em sua potência um olhar sobre como e quais são as estratégias de vida que eles buscam para lidar com a economia na sua forma cotidiana.

Já o texto de Motta e Neiburg (2023) joga luz à economia cotidiana das favelas no Rio de Janeiro, fortemente impactada pela pandemia do novo coronavírus e pela crise econômica que assolou o Brasil na última década. Apesar de um cenário temporalmente distante do relatado por Luiz Antônio Machado, é possível notar no trabalho de Eugênia Motta e Federico Neiburg como famílias da classe trabalhadora em contextos periféricos continuam a mobilizar diferentes estratégias de vida e jornadas de trabalho para a reprodução da vida cotidiana. O texto destes autores enfatiza não só as combinações nas formas fazer a renda, mas nas maneiras como as casas são geridas para que as estratégias de vida sejam alcançadas. São gestões que adentram na alimentação dos membros da família, no cuidado de crianças e pessoas mais velhas, na busca por melhores preços nos supermercados, entre outros aspectos. Por isso, o trabalho se mostra bastante rico e aprofundado, enfatizando como questões que atravessam diferentes camadas sociais, como uma pandemia, não chegam nelas enquanto uma avalanche que provoca os mesmos efeitos em todas as casas, mas são percebidas e encaradas de maneiras diversas.

Uma das questões suscitadas em debate acerca dos textos trabalhados nesta aula foi sobre a inflação enquanto um conceito que não é dado, mas sim construído socialmente, no sentido de que não deve ser encarado como um fenômeno natural, uma espécie de terremoto, mas sim por um constructo de indicadores sobre os preços que combina uma série de fatores e não possui efeitos automáticos em toda a população. Assim, embora inflação possa ser um termo comentado na vida cotidiana, seus ecos são sentidos a partir de outras narrativas, como a do aumento de preços nos itens mais importantes para o dia a dia das famílias numa favela como a Maré, por exemplo. O preço dos alimentos torna-se, assim, um dos grandes pontos sensíveis da pesquisa analisada por Eugênia Motta e Federico Neiburg. Diante de uma percepção generalizada de que os preços dos alimentos estavam bastante superiores ao usual, uma série de estratégias e adaptações é levada a cabo pelas famílias, de maneira consorciada e em diferentes arranjos, que nos remete às combinações de jornadas de trabalho descritas por Luiz Antônio Machado da Silva. Neste sentido, os alunos também comentaram como os limites tênues entre formalidade e informalidade, ou entre as diversas formas de trabalho descritas por Machado da Silva (2018), se tornam elemento central no cenário observado por Motta e Neiburg (2023), tendo em vista as estratégias traçadas por seus interlocutores para ganhar a vida em meio a uma pandemia acompanhada de uma crise econômica.

Outro tópico de debate da aula foi a pesquisa coletiva realizada no âmbito do Núcleo de Pesquisas em Cultura e Economia (NuCEC/UFRJ) sobre dinâmicas econômicas e culturas alimentares no Complexo da Maré (RJ)[1]. A pesquisa é uma parceria com a organização com a Redes da Maré e tem como objetivo entender como as pessoas se alimentam, como obtém, cozinham, guardam, compartilham e, eventualmente, vendem comida. Observamos essas dinâmicas a partir das casas e das relações entre casas que ocorrem por meio da circulação de comida. Com a pesquisa queremos contribuir com uma perspectiva nova sobre segurança alimentar e nutricional que tem como foco a maneira como os alimentos circulam localmente, levando em conta as interseções entre as formas de ganhar, gastar e guardar dinheiro e a alimentação, assim como os valores sociais e culturais ligados a ela, especialmente as relações familiares e de vizinhança. Este projeto é o desdobramento de uma pesquisa realizada entre 2020 e 2022 chamada "Dinâmicas econômicas na Maré em tempos de pandemia". Esta foi a primeira parceria entre as duas instituições, quando foram realizadas entrevistas remotas com dezenas de moradoras e moradores para entender como as famílias estavam enfrentando a crise sanitária. Estudando na ocasião a relação entre as casas e os negócios, ficou evidente a importância do aumento do custo de vida e da segurança alimentar como problema para as pessoas e as famílias.

Pensar sobre a economia cotidiana de favelas faz parte de um esforço de pensar esses territórios para além dos temas que mais são associados à eles, como a violência e a criminalidade. Mais do que isso, é o reconhecimento de que seus moradores são agentes capazes de reordenar cotidianamente suas ações para viver uma vida digna, não estando assim, relegados à subsistência, à falta e à pobreza. Pensar em economia cotidiana, nesse sentido, é pensar sobre muitas esferas da vida das pessoas: alimentação, vestimentas, lazer, educação, saúde. Isto porque o dinheiro se coloca como um ator imponderável nas trocas que possibilitam a obtenção desses fatores. Territórios favelados são locais altamente diversos e que estimulam a existência de circuitos comerciais plurais e de atividades que podem dar dinheiro. Salões de beleza, barracas nas feiras, mercadinhos, lojas de roupas, restaurantes, farmácias, ou então, indo de casa em casa revendendo produtos – tudo isso compõe os cenários de diferentes favelas, demarcando a centralidade da economia nas dinâmicas que as constroem e reconstroem todos os dias.

Bibliografia:

  • Motta, Eugênia. Neiburg, Federico. Misalignments: House money and inflationary experiences. International Sociology, 38 (6), 2023.
  • Silva, Luiz Antonio Machado da. Estratégias de vida e jornada de trabalho. In:__. Araujo, Marcella. Cavalcanti Mariana. Motta Eugênia (org.). O mundo popular: trabalho e condições de vida. Rio de Janeiro: Papeis Selvagens, 2018 [1984].


Bibliografia complementar:

  • Motta, Eugênia. Economia cotidiana na favela. In:_. LEAL, Claudio Figueiredo Coelho et al. (Org.). Um olhar territorial para o desenvolvimento: Sudeste. Rio de Janeiro : Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 2015. p. [436]-461.
  • Motta, Eugênia. Casas e economia cotidiana. In: _. Rodrigues, Rute Imanishi (org.). Vida social e política nas favelas: pesquisas de campo no Complexo do Alemão. Rio de Janeiro: Ipea, 2016.
  • Motta, Eugênia. O que faz o dinheiro da casa. Horizontes Antropológicos [Online], 66, 2023.

    Debatedoras/es: Maria Fernanda, Yasmin, Brauner