Relíquias da Provi: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
(Criou página com ' O termo Relíquia está ligado às tradições religiosas e à arte são comuns, mas recentemente esse termo tem sido útil para se referir também a pessoas. Portanto, é com o intuito de entender e registrar a importância não só do termo, mas também do sujeito para cultura do Passinho que será analisada a categoria - sintetizando algumas perspectivas realizadas na história da palavra e a sua mais recente apropriação - evidenciando as transformações que ela s...')
 
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O termo Relíquia está ligado às tradições religiosas e à arte são comuns, mas recentemente esse termo tem sido útil para se referir também a pessoas. Portanto, é com o intuito de entender e registrar a importância não só do termo, mas também do sujeito para cultura do Passinho que será analisada a categoria - sintetizando algumas perspectivas realizadas na história da palavra e a sua mais recente apropriação - evidenciando as transformações que ela sofreu ao longo dos anos. Para isso, aciono Bakhtin e Volochinov (1992) quando dizem que: “tratar a língua viva como se fosse algo acabado” é uma “atitude hostil em relação a todas as inovações linguísticas” (Pág.104); ou seja, a língua carece de uma abordagem histórica e viva.
O termo "Relíquia" transcende seu significado religioso e artístico para, no contexto favelado, valorizar indivíduos e suas contribuições culturais. "Relíquia da Providência" simboliza a resistência e continuidade da identidade local, reconhecendo figuras históricas e contemporâneas que moldam a cultura e a memória da comunidade.
Autor: [[Lideranças comunitárias e pesquisadores de coletivos de favelas e periferias|Hugo Oliveira]]


Autor: Hugo Oliveira
= Sobre =
Relíquia: O Significado e a Relevância no Contexto Favelado


Sobre
O termo "Relíquia", tradicionalmente associado a tradições religiosas e artísticas, tem se expandido para incluir significados que transcendem o sagrado e abarcam também a dimensão humana. Historicamente, relíquias eram partes do corpo de santos ou objetos que pertenciam a eles, simbolizando a continuidade entre o corpo vivo e o morto, com uma forte carga de devoção e respeito. No entanto, na contemporaneidade, essa palavra ganha novas camadas de significado, especialmente nas culturas periféricas e faveladas.


Relíquias da Provi:
No contexto da favela, o termo relíquia assume um significado potente, ao referir-se a pessoas que, através de suas ações e contribuições, deixaram uma marca indelével na comunidade. Essas pessoas, muitas vezes marginalizadas ou vistas de forma pejorativa, são reconhecidas como portadoras de uma herança cultural e social valiosa, transformando-se em figuras de reverência e respeito.


Vertambém
A relíquia, nesse sentido, não é apenas um objeto ou uma memória estática, mas um símbolo vivo da resistência, da luta e da identidade de um povo. Assim como as relíquias religiosas carregam a história e o poder de transformação espiritual, as "Relíquias da Providência" carregam a história de vida, luta e superação dos moradores da favela, simbolizando a continuidade de uma cultura que resiste e re-existe.
 
O uso do termo pelos jovens, especialmente no universo do funk carioca e entre pichadores, ilustra essa transformação. O termo, antes restrito a um contexto religioso, é agora uma forma de reconhecer e valorizar aqueles que, no passado, pavimentaram o caminho para as novas gerações. Esses indivíduos, conhecidos como "Relíquias", são os guardiões de uma memória coletiva e de uma cultura rica em significados e valores.
 
Além disso, o termo também é utilizado para distinguir os moradores antigos das favelas, aqueles que, com sua história e experiência, construíram e continuam a construir a identidade do lugar. Esse reconhecimento é tanto interno, vindo da própria comunidade, quanto externo, de quem admira e respeita a cultura local.
 
Essa nova apropriação do termo reflete uma linguagem viva e em constante transformação, como bem pontuam Bakhtin e Volochinov ao afirmar que a língua não é estática, mas sim dinâmica e carregada de inovações linguísticas. O termo "Relíquia" é, assim, uma ponte entre o passado e o presente, entre o sagrado e o profano, entre o objeto e o sujeito, representando uma rica tessitura de significados que dialogam com a realidade contemporânea.
 
Nesse contexto, "Relíquia da Providência" ganha ainda mais força, tornando-se um símbolo da resistência e da continuidade de uma cultura que, apesar das adversidades, mantém-se viva e pulsante. É a palavra que, ao mesmo tempo, reconhece e afirma a importância daqueles que construíram e constroem a história do lugar, gerando uma identificação e um respeito mútuo que alimenta a autoestima e o orgulho de ser parte dessa comunidade.
 
= Relíquias da Provi: =
 
=== Tia Aurenir ===
Mulher guerreira, aos 12 anos veio do Ceará em busca de realizar seus sonhos na capital fluminense. E foi na comunidade do Morro da Pedra Lisa, que ela encontrou refúgio. O artesanato e a criação de semijoias foram seus primeiros empreendimentos no Rio de Janeiro, que possibilitaram estabelecer sua casa e sua família na comunidade. Com 69 anos de trajetória, ela sempre compartilhou sua empatia e amor, conquistando a confiança de todos que esperam encontrar em sua barraquinha suas cartas e encomendas.
 
=== Dona Marizinha e o Seu Moa ===
A Mariazinha era considerada mãe do King Kong. Ela abria a casa dela para todo mundo, sem discriminação. Se alguém não tinha o que comer, ela dividia o que tinha, se alguém não tinha onde morar, ela cedia o sofá da sala. Mariazinha era alegria pura, sorriso aberto, samba no pé... E o Seu Moa, seu companheiro, era sábio, respeitoso, gentil, amava pescar e contar histórias. Ele sempre lia seu jornal no portão de casa esperando algum morador para entregar cartas, sabia o nome de todos de cor e nunca negava conselhos para quem pedia.
 
=== Dona Chiquinha ===
Há mais de cinco décadas ela é a guardiã da Capela das Almas. Tombada pela prefeitura em 1986, a capela fica em um pequeno santuário erguido no alto do Morro da Providência. Nascida na Paraíba, Dona Chiquinha veio para o Rio em busca de uma vida melhor. Na cidade, foi logo morar na Providência. Mãe de cinco filhos e viúva, ela tem a chave do oratório há cerca de 50 anos e sempre que precisa vai ao oratório para ter paz e se encontrar com Deus.
 
=== Tia Bené ===
Dona Benedita sempre será uma relíquia do morro da Providência! Cozinheira de mão cheia e dona de uma casa que exalava seus temperos e seus incensos do altar budista sempre impecavelmente arrumado. Mulher preta que tinha em seus quitutes e quentinhas sua fonte de renda, mas também o alimento para toda sua família, a de sangue e a de samba! Porque batucada e comida boa não faltavam na casa da Ladeira do Barroso, principalmente nos domingos de família reunida, com as tias-vizinhas, os amigos da mercearia, os sobrinhos da rua, gerações que cresceram nas casas abertas da Providência como a de Dona Bené e aprenderam lá a respeitar suas raízes e a saudar seus mais velhos.
 
=== Jarbas Carvalho - "Senhor Binha" ===
Pai de sete filhos, esposo da dona Zeni e morador do Santo Cristo(Vila Portuária). Com seu irmão Geraldo Babão e o grande sambista Djalma Sabiá, Binha compôs o samba Chico Rei, samba - enredo do Salgueiro em 1964. Além disso, participou da primeira viagem diplomática de uma escola de samba do Brasil em 1959 ao visitar Cuba. Trabalhou por anos no Porto, mas encontrou sua paixão no samba. Binha faleceu em 2016 aos 82 anos e deixou o seu amor pela música como herança para sua família e amigos.
 
=== Mãe Glória ===
Yalorixá do Ilê Axé Yemonjá Omi Fun Fun, único candomblé ainda ativo no Morro da Providência, localizado na antiga sede do Barroso Futebol Clube. Ela segue os ensinamentos da nação Ketu e é uma figura fundamental para manter viva a tradição do candomblé na região. Olorum modupé por tudo, Mãe Glória!
 
=== Ângela Sol ===
É cria da Providência, cantora e compositora, mas sua notoriedade se dá como backing vocal pelas inúmeras gravações de samba enredos da maioria das escolas do grupo A e também de participações em discos e cds de artistas renomados como: Jovelina Pérola Negra, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija Flor, Martinho da Vila entre outros.
 
= Ver também =

Edição das 02h31min de 18 de agosto de 2024

O termo "Relíquia" transcende seu significado religioso e artístico para, no contexto favelado, valorizar indivíduos e suas contribuições culturais. "Relíquia da Providência" simboliza a resistência e continuidade da identidade local, reconhecendo figuras históricas e contemporâneas que moldam a cultura e a memória da comunidade.

Autor: Hugo Oliveira

Sobre

Relíquia: O Significado e a Relevância no Contexto Favelado

O termo "Relíquia", tradicionalmente associado a tradições religiosas e artísticas, tem se expandido para incluir significados que transcendem o sagrado e abarcam também a dimensão humana. Historicamente, relíquias eram partes do corpo de santos ou objetos que pertenciam a eles, simbolizando a continuidade entre o corpo vivo e o morto, com uma forte carga de devoção e respeito. No entanto, na contemporaneidade, essa palavra ganha novas camadas de significado, especialmente nas culturas periféricas e faveladas.

No contexto da favela, o termo relíquia assume um significado potente, ao referir-se a pessoas que, através de suas ações e contribuições, deixaram uma marca indelével na comunidade. Essas pessoas, muitas vezes marginalizadas ou vistas de forma pejorativa, são reconhecidas como portadoras de uma herança cultural e social valiosa, transformando-se em figuras de reverência e respeito.

A relíquia, nesse sentido, não é apenas um objeto ou uma memória estática, mas um símbolo vivo da resistência, da luta e da identidade de um povo. Assim como as relíquias religiosas carregam a história e o poder de transformação espiritual, as "Relíquias da Providência" carregam a história de vida, luta e superação dos moradores da favela, simbolizando a continuidade de uma cultura que resiste e re-existe.

O uso do termo pelos jovens, especialmente no universo do funk carioca e entre pichadores, ilustra essa transformação. O termo, antes restrito a um contexto religioso, é agora uma forma de reconhecer e valorizar aqueles que, no passado, pavimentaram o caminho para as novas gerações. Esses indivíduos, conhecidos como "Relíquias", são os guardiões de uma memória coletiva e de uma cultura rica em significados e valores.

Além disso, o termo também é utilizado para distinguir os moradores antigos das favelas, aqueles que, com sua história e experiência, construíram e continuam a construir a identidade do lugar. Esse reconhecimento é tanto interno, vindo da própria comunidade, quanto externo, de quem admira e respeita a cultura local.

Essa nova apropriação do termo reflete uma linguagem viva e em constante transformação, como bem pontuam Bakhtin e Volochinov ao afirmar que a língua não é estática, mas sim dinâmica e carregada de inovações linguísticas. O termo "Relíquia" é, assim, uma ponte entre o passado e o presente, entre o sagrado e o profano, entre o objeto e o sujeito, representando uma rica tessitura de significados que dialogam com a realidade contemporânea.

Nesse contexto, "Relíquia da Providência" ganha ainda mais força, tornando-se um símbolo da resistência e da continuidade de uma cultura que, apesar das adversidades, mantém-se viva e pulsante. É a palavra que, ao mesmo tempo, reconhece e afirma a importância daqueles que construíram e constroem a história do lugar, gerando uma identificação e um respeito mútuo que alimenta a autoestima e o orgulho de ser parte dessa comunidade.

Relíquias da Provi:

Tia Aurenir

Mulher guerreira, aos 12 anos veio do Ceará em busca de realizar seus sonhos na capital fluminense. E foi na comunidade do Morro da Pedra Lisa, que ela encontrou refúgio. O artesanato e a criação de semijoias foram seus primeiros empreendimentos no Rio de Janeiro, que possibilitaram estabelecer sua casa e sua família na comunidade. Com 69 anos de trajetória, ela sempre compartilhou sua empatia e amor, conquistando a confiança de todos que esperam encontrar em sua barraquinha suas cartas e encomendas.

Dona Marizinha e o Seu Moa

A Mariazinha era considerada mãe do King Kong. Ela abria a casa dela para todo mundo, sem discriminação. Se alguém não tinha o que comer, ela dividia o que tinha, se alguém não tinha onde morar, ela cedia o sofá da sala. Mariazinha era alegria pura, sorriso aberto, samba no pé... E o Seu Moa, seu companheiro, era sábio, respeitoso, gentil, amava pescar e contar histórias. Ele sempre lia seu jornal no portão de casa esperando algum morador para entregar cartas, sabia o nome de todos de cor e nunca negava conselhos para quem pedia.

Dona Chiquinha

Há mais de cinco décadas ela é a guardiã da Capela das Almas. Tombada pela prefeitura em 1986, a capela fica em um pequeno santuário erguido no alto do Morro da Providência. Nascida na Paraíba, Dona Chiquinha veio para o Rio em busca de uma vida melhor. Na cidade, foi logo morar na Providência. Mãe de cinco filhos e viúva, ela tem a chave do oratório há cerca de 50 anos e sempre que precisa vai ao oratório para ter paz e se encontrar com Deus.

Tia Bené

Dona Benedita sempre será uma relíquia do morro da Providência! Cozinheira de mão cheia e dona de uma casa que exalava seus temperos e seus incensos do altar budista sempre impecavelmente arrumado. Mulher preta que tinha em seus quitutes e quentinhas sua fonte de renda, mas também o alimento para toda sua família, a de sangue e a de samba! Porque batucada e comida boa não faltavam na casa da Ladeira do Barroso, principalmente nos domingos de família reunida, com as tias-vizinhas, os amigos da mercearia, os sobrinhos da rua, gerações que cresceram nas casas abertas da Providência como a de Dona Bené e aprenderam lá a respeitar suas raízes e a saudar seus mais velhos.

Jarbas Carvalho - "Senhor Binha"

Pai de sete filhos, esposo da dona Zeni e morador do Santo Cristo(Vila Portuária). Com seu irmão Geraldo Babão e o grande sambista Djalma Sabiá, Binha compôs o samba Chico Rei, samba - enredo do Salgueiro em 1964. Além disso, participou da primeira viagem diplomática de uma escola de samba do Brasil em 1959 ao visitar Cuba. Trabalhou por anos no Porto, mas encontrou sua paixão no samba. Binha faleceu em 2016 aos 82 anos e deixou o seu amor pela música como herança para sua família e amigos.

Mãe Glória

Yalorixá do Ilê Axé Yemonjá Omi Fun Fun, único candomblé ainda ativo no Morro da Providência, localizado na antiga sede do Barroso Futebol Clube. Ela segue os ensinamentos da nação Ketu e é uma figura fundamental para manter viva a tradição do candomblé na região. Olorum modupé por tudo, Mãe Glória!

Ângela Sol

É cria da Providência, cantora e compositora, mas sua notoriedade se dá como backing vocal pelas inúmeras gravações de samba enredos da maioria das escolas do grupo A e também de participações em discos e cds de artistas renomados como: Jovelina Pérola Negra, Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Neguinho da Beija Flor, Martinho da Vila entre outros.

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