Facções criminosas no Rio Grande do Sul: mudanças entre as edições

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Edição das 16h41min de 6 de outubro de 2024

O estado do Rio Grande do Sul apresenta um alto número de grupos criminosos ativos no país. De acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), pelo menos 15 desses grupos competem pelo controle em diversas cidades gaúchas. O 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública divulgou dados que mostram como esse conflito contribui para o aumento da violência e do número de mortes. O presente verbete pretende apresentar alguns dos grupos armados que ocupam esse estado brasileiro.

Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco

O estado que concentra o maior número de facções do país

Em 2022 o Estado registrou 2.154 mortes violentas intencionais no Rio Grande do Sul, representando um aumento de 3,8% em relação a 2021, quando foram registradas 2.073 mortes.  Porto Alegre, a capital do estado, viu um aumento significativo de 24,8% no número de mortes violentas intencionais, sendo o terceiro maior aumento percentual no país, de acordo com o Anuário. O crescimento das mortes violentas intencionais está diretamente ligado ao agravamento dos conflitos entre as organizações criminosas que buscam o domínio no estado. Segundo Betina Barros, pesquisadora do FBSP e doutoranda em Sociologia na Universidade de São Paulo, a situação atingiu seu pico em 2017, quando as facções entraram em confronto, e a partir de 2019 começou a se estabilizar.

As duas principais facções no estado são o "Bala na Cara" e os "Manos". Essas facções têm a capacidade de influenciar o mercado de drogas em grande escala, enquanto as demais têm uma atuação mais regional. Também existem grupos menores, como os "Abertos", "Tauras", "V7", entre outros, cada um com suas peculiaridades. O "Bala na Cara" se destacou por sua origem nas ruas de Porto Alegre, enquanto os "Manos" possuem armamento pesado e realizam roubos a instituições financeiras em cidades do interior do estado.

A rivalidade entre os "Bala na Cara" e os "Manos" levou à criação dos "Antibala" por grupos menores liderados pelo "V7." Esses últimos representam uma coalizão com uma postura contrária aos "Bala na Cara."

Parte dessas organizações criminosas teve origem na Cadeia Pública de Porto Alegre, conhecida como Presídio Central, construída na década de 1950. As primeiras manifestações de organização no crime surgiram no final dos anos 1980, com a formação da facção "Falange Gaúcha", inspirada no "Comando Vermelho" do Rio de Janeiro. A partir da "Falange Gaúcha", surgiram os "Manos" e os "Brasas" no interior do presídio, resultando em conflitos na unidade.

Em 1995, a segurança do presídio passou a ser de responsabilidade da Brigada Militar do estado, que tentou envolver presos na segurança da instituição, sem sucesso. Entre 2006 e 2010, o presídio foi dividido em galerias, estabelecendo um certo controle sobre os conflitos.

A presença da facção "Bala na Cara" começou a se manifestar em 2005, com atos de violência no bairro Bom Jesus, na zona leste de Porto Alegre. A partir dos anos 2000, as facções passaram a sair dos presídios e atuar nas ruas em busca do tráfico de drogas.[1]

Nas próximas seções apresentaremos alguns dos grupos que ocupam o Rio Grande do Sul.

Bala na Cara

Imagem: Marcelli Cipriani

A principal facção gaúcha é a violenta Bala Na Cara, fundada nos anos 2000, também conhecida no mundo do crime pela sigla BNC ou 2.13.3 [números que correspondem às siglas no alfabeto 2=B; 13=N e 3=C]. O grupo está fixado em Porto Alegre, mas com operações de dimensão internacional. Investigações da Polícia Federal apontam uma ligação do grupo Bala na Cara com o PCC, apesar de não serem o mesmo conglomerado criminoso.[2] José Dalvani Nunes Rodrigues, o Minhoca é apontado como um dos principais líderes da facção.

O tamanho dos Bala na Cara

O quadro abaixo foi retirado de uma matéria de jornal de 2014, o que pode significar que algumas das informações abaixo estejam desatualizadas. Ainda assim, pela riqueza de detalhes das dinâmicas de conflito territorial feita pelo grupo que estão presentes nessa reportagem, consideramos importante acrescentar as informações no verbete como forma de contextualização.

Atuação e territorialização do grupo no RS[3]
Município Forma de ocupação
Bom Jesus É o berço da facção. Hoje, são hegemônicos no tráfico de drogas do bairro, e com influência sobre o Jardim Carvalho, Vila Jardim e Jardim Itu Sabará.
Serraria A Vila dos Sargentos é, talvez, a área de domínio mais presente da facção. Em 2009, um traficante local, reforçado pelos Bala, eliminou um antigo gerente, que tinha dívidas com o grupo. Ele foi decapitado. Da vila, sairiam os soldados que cumpririam ordens da facção para disputas do tráfico em toda a Zona Sul da Capital.
Mario Quintana Vila Safira é considerada pela polícia uma das principais bases da facção. Atualmente não há conflito pelo domínio do tráfico neste bairro, mas as disputas são constantes com a Gangue dos Bobós, do Rubem Berta. Até 2011, os grupos eram parceiros, mas houve um racha na quadrilha.
Lomba do Pinheiro Vila Tamanca é vista como uma das zonas de influência da facção, mas há domínios dos Bala na Cara em outros pontos do bairro. Atualmente, haveria um racha interno. Integrantes da facção estariam em desacordo com a liderança da Vila dos Sargentos.
Sarandi Três quadrilhas disputam o controle do tráfico local. Uma delas, liderado por um traficante conhecido como Carroça, de acordo com a 3ª DHPP, teria o reforço dos Bala.
São Geraldo A facção tomou conta dos pontos entre os bairros São Geraldo e Navegantes, entrando em enfrentamento com a facção dos Farrapos, que também domina uma galeria no Presídio Central. Nessa região da cidade, o bando também estaria controlando um esquema de prostituição.
Santa Tereza Os Bala na Cara estariam por trás de pelo menos duas das guerras pelo controle de pontos de tráfico na Vila Cruzeiro.
Vila Nova A Vila Monte Cristo e o Campo Novo são apontados como redutos da facção na região. Integrantes da V7 e da Vila dos Sargentos estariam atuando em confrontos principalmente com traficantes da Cohab Cavalhada, que seria dominada pelos Manos.
Restinga As gangues dos Miltons e dos Primeira são investigadas como relacionadas com os Bala na Cara. A região, porém, não se configura como um domínio sem rivais à facção pelo grande número de gangues atuando na mesma região.
Partenon A Vila Maria da Conceição sempre foi um objetivo dos líderes dos Bala na Cara. E essa aproximação estaria acontecendo dentro do Presídio Central, desde que o tráfico na área considerada a mais lucrativa da Capital rachou. Alguns líderes ligados aos Bala estariam na galeria dominada pela Maria da Conceição.
Alvorada Os bairros Umbu, Maria Regina e Aparecida seriam os principais pontos de atuação da facção na cidade, mas a polícia investiga a presença dos Bala em quase todas as regiões da cidade.
Cachoeirinha O bairro Navegantes foi a primeira área tomada por uma gangue ligada aos Bala na Cara. Desde o ano passado, porém, a polícia investiga a tomada de pontos na Vila Anair e no Bairro Vista Alegre, em uma parceria com traficantes presos recentemente.
Canoas Desde a morte de Nego Jaime, a liderança dos Bala na Cara no Bairro Mathias Velho estaria vaga, mas eles continuariam atuando na região, assim como no Bairro Guajuviras. Há suspeita de ligações da Gangue dos Bicudos, do Bairro Rio Branco, com os Bala na Cara.
Eldorado do Sul A polícia desmascarou a investida da facção sobre o Delta do Jacuí, por ordem do traficante conhecido como Pequeno.
Esteio Traficantes da Vila Pedreira teriam retomado o poder nas bocas locais com o suporte dos Bala.
Gravataí Há pelo menos cinco anos a polícia investiga a presença dos Bala na Cara no tráfico da Vila Rica. Mais recentemente, o bando estaria por trás da guerra do tráfico no Bairro Rincão da Madalena.
Viamão Foi uma das primeiras áreas de expansão da quadrilha, pela influência do Alemão Lico na região da Hidráulica. Regiões dos bairros Santa Cecília e Santa Isabel também teriam atuação de traficantes ligados à facção. A região seria um dos núcleos da receptação de veículos roubados da quadrilha.

Manos

Imagem: Marcelli Cipriani

Os Manos são uma organização criminosa que nasceu em presídios na região de Porto Alegre nos anos de 1990. O grupo tem investido pesado em armas e munições de grosso calibre e focado sua atuação, além do tráfico de drogas, em roubos a bancos e casa de valores no interior do estado. Em 2023, a socióloga e pesquisadora Marcelli Cipriani da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontou que a capacidade de impactar o mercado das drogas no atacado na região da grande Porto Alegre está restrito a essas duas organizações.[2]

Antibala

Surgiu nos anos 2000 com uma espécie de fusão entre facções rivais e dissidentes para fazer frente a outras organizações, principalmente a facção Bala Na Cara.[2]

Tauras

Aviso do grupo postado em perfil no Twitter

Tauras é tida como a principal facção de uma área que abrange 25 municípios, como. É o que aponta o estudo “Facções e cena criminal na Zona Sul do Rio Grande do Sul”, dos professores Luiz Antônio Bogo Chies e Samuel Malafaia Rivero, da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), apresentado em 2020 na 44ª reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs).[4]

Chies e Rivero analisaram o que seria o estatuto da facção, que prega respeito, humildade, mas também hierarquia e disciplina.

O grupo declara não procurar guerra “MAS SE ATRAVESSAR EM NOSSO CAMINHO E NÓS VAMOS COM A RAZÃO VAMOS PRA CIMA COM TODOS OS TIPOS DE ARMAS” (em maiúsculas no texto).

Os autores também reproduzem o que chamaram de “algumas perspectivas morais da facção”, escritas a mão novamente em caixa alta: “QUE FIQUEM BEM CLARO QUE ESTRUPADORES (sic), CAGUETAS E MATADORES DE CRIANÇAS NÃO TEM EM NOSSA ORGANIZAÇÃO, OS TAURA RESPEITAM FAMÍLIAS DE NOSSOS CONTRA, CASO MEXEREM COM A NOSSA FAMÍLIA VÃO TER SUAS FAMÍLIAS”.

A facção Mata Rindo, diz a pesquisa, é a principal rival dos Taura na territorialização do crime na região. Identifica-se também através de um personagem de animação, no caso, o coelho Pernalonga, também presente nas tatuagens do seus componentes.

Em 2024, durante as enchentes que atingiram o RS, a onda de roubos às casas abandonadas devido às cheias motivou uma advertência inesperada em Pelotas. Em comunicado atribuído ao grupo Dos Tauras e postado no X, antigo Twitter, existe um aviso muito claro: “Queremos deixar a visão a todos que essas casas foram deixadas pelo motivo das enchentes, intervenção da Defesa Civil, e entre outros motivos, caso forem saqueadas, violadas ou qualquer ato de chinelagem, as consequências serão imediatamente postas em prática”, expressa a mensagem.

“Viemos por meia desse comunicar, avisar a todos os integrantes da FACÇÃO DOS TAURAS e seus representantes dentro de cada cidade no qual somos responsáveis, para ajudar nesse momento de fragilidade que encontramos a todos que ali necessitem de ajuda”.

Com 11 linhas, traz como ilustração uma imagem colorida do símbolo da facção, o Diabo da Tasmânia, personagem de desenho animado.

O estudo dos professores da UCPel repara que, no Rio Grande do Sul, ao contrário de outros estados, a cena do crime organizado não está sob poder de facções nacionais, mas regionais. Se em Pelotas quem comanda são Dos Tauras e Mata Rindo, em Porto Alegre o domínio pertence aos grupos Os Manos e Bala na Cara. [4]

V7

Com o slogan "V7: mais que uma quadrilha, e sim uma família", grupo polariza guerra do tráfico em Porto Alegre. O grupo é da Vila Cruzeiro, formado dentro da cadeia, e um dos principais pilares da frente Anti-Bala que sustenta uma guerra do tráfico na Capital. Com armas e jovens arrojados, os V7, como são conhecidos, conseguiram unir quadrilhas contra os Bala na Cara e despontam como o embrião de uma nova facção criminosa.[5]

Falange Gaúcha: o presídio central e a história do crime organizado no RS (recomendação)

Livro Falange Gaúcha, de Renato Dornelles

O livro "Falange Gaúcha", do jornalista Renato Dornelles, mapeia as origens das facções do estado":

A narrativa conta a história da formação das primeiras organizações criminosas no Presídio Central de Porto Alegre, a maior unidade prisional do Estado, a partir dos anos 1980, e a paulatina extensão do poder dessas facções para o tráfico de drogas. A série de reportagens que deu origem ao livro Falange Gaúcha recebeu o prêmio ARI de Jornalismo, a distinção máxima da imprensa gaúcha, em 2007.[6]

Ver também

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