Zona Oeste Ativa - produção cultural na ZO
O coletivo Zona Oeste Ativa teve início em 2015, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A construção do grupo aconteceu a partir dos desejos da jovem Kharine Gil, na época com 15 anos, de dar centralidade à Zona Oeste e seus moradores nas discussões políticas.
A partir disso, surgiu a ideia de criar uma roda de conversa em uma praça pública da região. Os convites foram feitos pelo Facebook à amigos e conhecidos que pudessem ter interesse em participar do evento. Inicialmente não havia uma ideia materializada sobre a construção de um projeto ou coletivo, apenas o desejo de estar nas ruas da Z.O promovendo debates.
Mesmo assim, a cada encontro o grupo agregava mais pessoas de diferentes bairros e partes da cidade, construindo uma história de grande impacto e resistência na área. Seu lema principal, estampado nos adesivos, é "a Zona Oeste é o foco, a cidade é a missão", sendo um direcionamento central para sua atuação.
Autoria: Kharine Gil
Memória e construção
O primeiro encontro
Na etapa de organização do primeiro evento, o tema proposto foi "a mulher na sociedade", que contou com a mediação de um professor e uma professora de Sociologia, que haviam sido convidados e propuseram-se a discorrer sobre o assunto. Com o propósito de incentivar a participação do público, foi apresentada a ideia de um lanche coletivo, que também poderia ser distribuído às pessoas em situação de rua que ocupam a praça. Assim que o evento foi criado no Facebook, mais pessoas interessaram-se em contribuir para a realização do encontro. Um grupo de mulheres decidiu fazer uma apresentação teatral e outras pessoas ofereceram-se a realizar uma oficina de cartazes sobre o tema para colar pela praça.
Com a aparente animação das pessoas em participar do encontro, visto que na época não era comum ocorrer eventos desse tipo nos bairros da Zona Oeste, o futuro grupo foi nomeado como "Zona Oeste Ativa". Na arte de divulgação, que foi compartilhada nas redes sociais, havia a sombra de uma mulher segurando um megafone. Existia a vontade de demonstrar que, de alguma forma, o encontro tinha como propósito dar voz à essas pessoas e às discussões que fossem resultado dali.
A data escolhida para acontecer a primeira reunião foi 30 de agosto de 2015, na Praça Guilherme da Silveira, em Padre Miguel. A escolha por essa praça se deu pela proximidade com a estação de trem, além da possibilidade de vans, kombis e ônibus para pessoas que residissem em outras áreas do bairro. A mobilidade urbana e a facilidade para que as pessoas chegassem até lá era uma prioridade.
Reuniram-se quase 40 pessoas na praça. Essa quantidade foi bastante expressiva, principalmente porque muitas das pessoas não se conheciam entre si e tiveram o primeiro contato com o grupo apenas pelo evento do Facebook. No dia foi questionado se a sigla do coletivo é "o ZOA" ou "a ZOA", e houve uma decisão unânime pela escolha do artigo feminino, pois é como uma analogia e uma referência (de brincadeira) à expressão "zoar".
Manifestações culturais e políticas na Zona Oeste
Redução da maioridade penal
A partir do primeiro encontro, a ZOA começou a consolidar-se enquanto um grupo. Alguns membros interessados decidiram compor a coordenação e a produção de novas reuniões, ficando responsáveis pela escolha dos temas e o convite de palestrantes, mediadores e expositores. O segundo evento, que ocorreu em outubro de 2015, teve como assunto a “redução da maioridade penal” e também foi realizado na Praça Guilherme da Silveira.
A escolha pelo tema foi devido a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 115/15 que estava sendo discutida na Câmara dos Deputados em 2015 e propunha a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Uma ideia fundamental para a realização dos eventos era fortalecer a cultura que existe na Zona Oeste e os trabalhos da população local. Como desta vez havia o apoio de novas pessoas, houve uma estrutura maior e foi possível levar alguns microfones e uma caixa de som para a praça. Com isso, houve também apresentações musicais, leitura de poesia, exposição de desenhos e até uma oficina de grafite. O resultado da oficina foi a frase “não à redução da maioridade penal” grafitada na pista de skate da praça. O evento também contou com a colaboração do público em levar 1kg de alimentos não perecíveis para serem doados à Associação Obra de Assistência à Infância de Bangu, instituição que acolhe diversas crianças e adolescentes da região.
Formação histórica e cultural da Zona Oeste
O terceiro evento aconteceu em dezembro de 2015. Como não havia financiamento ou incentivo financeiro para a realização dos encontros, os membros da coordenação preparavam lanches para arrecadar pequenas quantias de dinheiro que custeassem a estrutura para a promoção de novos encontros. A cada vez mais, mais pessoas participavam, então foi preciso conseguir um alvará da prefeitura para colocar a ZOA na rua, já que sempre era ocupado um largo espaço da praça.
Desta vez o tema da roda de conversa foi “Zona Oeste e a cidade do Rio de Janeiro”, com o propósito de explorar a memória da região, e teve como principal expositor um antigo morador de Bangu, sr. Murillo, já com seus 90 anos, que discutiu sobre a história da área. A ideia do debate era refletir sobre a história da Zona Oeste, sua formação e sua suas representações culturais. O evento também contou com a participação de Tobias Tomines, coordenador do Instituto de Formação Humana e Educação Popular - IFHEP de Campo Grande, e Marcos Guimarães, historiador.
As apresentações culturais ficaram por conta da Cia. Capoeira - Mestre Sapucaia e das apresentações musicais de artistas locais, indo do rap à MPB. Ao final, o público se direcionou à estação de trem Guilherme da Silveira para demarcar a presença do coletivo e a ocupação do espaço público, e o artista T.O Grafiti grafitou a "ZOA" na parede da estação.
Elementos do hip-hop: resistência e representação da periferia
Apenas um mês após o terceiro evento, a ZOA conseguiu estar na rua novamente. A Praça Guilherme da Silveira tornou-se um ponto fixo dos encontros. Por ser próxima à estação de trem e estar em uma área de fácil acesso para os moradores da Zona Oeste, foi decidido que as reuniões aconteceriam sempre por ali. O tema da vez foi “Periferia central: a batalha”, que promoveu uma longa discussão sobre a cultura do hip-hop, bem como sobre seus impactos nas favelas e periferias e como representação destes lugares.
O encontro contou com a participação do Grupo Máfia Black, com apresentação de dança estilo charme; West Gong Sound System, grupo djs que tocou rap e hip-hop para o público; a presença da Roda Cultural Guilherme da Silveira, que promoveu uma batalha de rima entre diversos MCs locais; o artista Dtone, que grafitou durante o evento um painel para os eventos da ZOA, e abriu espaço para uma oficina livre de grafites, em que todo o público pôde contribuir no desenho; o Cine Oeste, que realizou a projeção de alguns vídeos sobre hip-hop e batalhas de rima em todo o evento; e o coletivo A RUA É QUEM, que fotografou os momentos do encontro.
Golpe de 2016 e conjuntura política
Em 2016 estava ocorrendo no Senado a tramitação do processo que decidia sobre o futuro do mandato da presidenta Dilma. Com a possibilidade iminente de um impeachment ocorrer, a mídia interferiu no jogo político, contribuindo para o processo de cassação do cargo no Congresso Nacional. Na época, houve uma polarização nos debates sobre o caso: parte da população defendia que havia justificativas para o impeachment, enquanto outra parte acreditava que se tratava de um golpe. Por isso, em junho de 2016, a ZOA levantou em sua roda de conversa o seguinte questionamento: "é golpe ou não é golpe?" (vale lembrar que o encerramento do processo ocorreu apenas em 31 de agosto do mesmo ano, momento que foi decretado o impeachment da presidenta).
Este encontro, além de promover um espaço de debate e reflexão sobre a conjuntura política brasileira, permitiu também a abertura de um diálogo sobre os impactos políticos e sociais do impeachment na Zona Oeste. O evento contou com a presença de três expositores: Tobias Tomines, IFHEP; Mauro Pereira Junior, Cientista Social e professor de Sociologia; e Livia Cassemiro, militante da LSR-RJ.
A parte cultural evento ficou por conta da parceria com o Sarau dos Poetas Anônimos, que promoveu um espaço com microfone aberto para que todos pudessem apresentar suas poesias, textos e músicas.
Reforma (e representação) política
Em julho de 2016 a ZOA retornou às ruas para discutir sobre reforma política, apenas um mês após o quinto evento. A proposta do encontro teve como direcionamento a discussão sobre o tema que estava sendo mobilizado no Senado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016, que discutia sobre o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais (vereadores e deputados) e a criação de uma cláusula de barreira para a atuação dos partidos políticos. O evento também dialogou com discussões como a representação feminina e negra na política brasileira.
Os expositores da conversa foram Marielle Franco (in memoriam), na época Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ; Maíra Marinho, militante do Levante Popular da Juventude; e Thamires Castro, coordenadora da ZOA. Houve também a participação de skatistas, atores, desenhistas, Mcs, dreadmakers e poetas, que compuseram as apresentações artísticas do evento.
O coletivo estava cada vez mais conhecido pela região e contava com um público de diversos bairros da Zona Oeste, como Bangu, Campo Grande, Santíssimo, Santa Cruz, Magalhães Bastos, Realengo, Inhoaíba, Taquara etc.
Vale ressaltar que a produção dos eventos sempre foi patrocinada pelos próprios produtores e contava principalmente com os recursos obtidos pela venda dos lanches e do bar do evento, pois não havia recursos financeiros externos ao projeto. Mesmo assim, a ZOA nunca deixou de participar ativamente da construção sócio-política da Zona Oeste e continuou promovendo seus encontros em praça pública.
Eleições de 2016 e a Z.O
Em setembro de 2016 o coletivo decidiu convidar alguns candidatos e candidatas a vereadores que estivessem propondo representar a Zona Oeste, as favelas e periferias em seus mandatos. Um dos objetivos do evento foi que os convidados pudessem apresentar suas propostas políticas e as intenções de trabalho, e o público levantasse questionamentos e proposições.
Os candidatos convidados foram:
- Indianara Siqueira (PSOL), fundadora da CasaNem e do prepatarório PreparaNem;
- William Siri (PSOL), morador da Zona Oeste e fundador do Coletivo TudoNumaCoisaSó;
- Vivi Sales (PCdoB), moradora da Cidade de Deus e fundadora da Poesia de Esquina;
- Mitã Chalfun (PT), morador de Oswaldo Cruz e militante do movimento estudantil;
- Binho Cultura (PDT), morador da Vila Aliança, fundador da Biblioteca Quilombo dos Poetas e da Festa Literária da Zona Oeste (FLIZO).
Especial mulheres
Em maio de 2017 a ZOA conseguiu lançar na rua dois eventos sobre mulheres. O primeiro, que aconteceu em 6 de maio, teve como foco a mulher na sociedade, refletindo sobre suas trajetórias, lutas e desafios. As convidadas para a exposição do debate foram Eleuteria Amora, coordenadora geral da Casa da Mulher Trabalhadora (CAMTRA) e Rosineide Freire, educadora popular, coordenadora do pré-vestibular do IFHEP e professora do Cap UERJ. Neste dia cerca de 80 pessoas compareceram ao evento. As apresentações culturais e exposições de artes foram protagonizadas por mulheres da Z.O, que representaram com poesias, músicas e grafite.
O segundo evento do mês de maio, realizado no dia 27, teve como proposta pensar nas mulheres enquanto classe trabalhadora, e foi uma parceria entre a Secretaria de Mulheres do núcleo PSOL/Bangu e a ZOA. O encontro foi mediado pela vereadora Marielle Franco; pela professora de Serviço Social da UERJ Cleier Marconsin; e mais uma vez teve a presença de Rosineide Freire. A manifestação cultural ficou por conta da artista Valquiria Pires, que expôs seu trabalho “Xilopretura: mulher preta resiste!”.
Repressão e resistência
Em novembro de 2017 a ZOA organizou sua primeira festa, nomeada como “FarOeste - Nuvem Preta”, que era parte da programação do mês da consciência negra. Assim como os outros eventos, a festa foi gratuita e contou unicamente com a colaboração das vendas do bar. O baile aconteceu na mesma quadra da Praça Guilherme da Silveira onde ocorriam as rodas de conversa e além de exposições de arte, o encontro propôs um pocket show de rap e a apresentação de vários djs residentes da área.
Entretanto, o contexto político do Rio de Janeiro em 2017 era de bastante repressão aos movimentos culturais. Diante da bancada evangélica no Legislativo e do mandato do prefeito Marcelo Crivella, houve um incentivo à restrição de projetos culturais e movimentos artísticos na cidade, como o Carnaval e outros modelos de eventos, como os da ZOA.
Isso refletiu na festa organizada pelo coletivo, que foi surpreendentemente impedida de acontecer pela polícia. Após o início da festa, alguns policiais estacionaram a viatura ao lado da quadra de esportes onde o evento estava ocorrendo. Assim que os membros perceberam a presença da polícia direcionaram-se aos policiais e explicaram que havia um alvará emitido pela prefeitura que permitia a realização do evento. Ainda assim, um dos integrantes foi detido de forma totalmente arbitrária, pois foi algemado e exposto ao vexatório em meio a praça pública, visto que os policiais andaram com ele algemado por toda a praça, enquanto recusaram-se a falar sobre o motivo da detenção.
O integrante foi levado à delegacia e apenas no local teve conhecimento de ter sido detido por suposta obstrução do trabalho policial, mesmo que isso não tivesse ocorrido.
É possível obter maiores informações sobre o acontecido por aqui.
Mesmo assim, em janeiro de 2018 a ZOA estava na rua novamente. O "Festival Juntey" foi um evento organizado por três coletivos da Zona Oeste: ZOA, Artrash e Studio2. A ideia era promover cultura, arte, informação, lazer, educação e saúde na região. Para a realização do evento foi preciso suporte de parlamentares da Assembleia Legislativa do RJ e de parlamentares da Câmara Municipal do RJ, além do alvará da prefeitura. A programação contava com exposição de artes em xilogravura, brechós, pintura ao vivo de grafite, exibição do curta-metragem “O olho do cão” e discussão sobre guerra às drogas, com participação de Orlando Zaccone e Renato Cinco, bem como apresentações de grupos de dança e djs.
Já em abril de 2018 a ZOA promoveu o evento “Intervenção Federal pra que(m)?”, que contou com a presença da professora de Direito da UFRJ Luciana Boiteux. A parte artística do evento ficou por conta da oficina de stencil, exposição de artes e produção de grafite.
Por fim, o último evento em praça pública da ZOA foi “Funk é cultura SIM!”, realizado em setembro de 2018. O coletivo questionou porque a sociedade brasileira tem dificuldade em reconhecer o funk enquanto manifestação cultural legítima. O evento contou com a presença de Talíria Petrone, Marcelo Gularte e produtores de festas de funk da Zona Oeste, além de djs e grupos de dança. Infelizmente, mais uma vez o grupo foi ameaçado, quando um homem que estava próximo ao local discordou da defesa do funk como uma expressão cultural e pegou o microfone, para ofender os produtores e os artistas, dizendo que possuía uma arma e voltaria ao evento novamente.
Desde então a ZOA não produziu mais eventos em praça pública, mas permaneceu presente e ativa construindo e lutando pelas demandas da Zona Oeste. Esse coletivo cultural foi e é composto por corpos e mentes em movimento para construir espaços de reflexão, diálogo, produção de cultura e participação cidadã na região. Todas as reuniões e encontros da ZOA foram gratuitos para a população e promoveram um profundo diálogo com a comunidade.
É possível acessar a página oficial desse coletivo pelo por aqui.