O racismo estrutural organiza tanto a vida das pessoas negras quanto a vida de pessoas brancas (entrevista)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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Entrevista concedida pela professora da Universidade Federal Fluminense Ynaê dos Santos à Revista POLI - Saúde, Educação e Trabalho, nº 95, maio-jun. 2024 - publicação da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV), unidade técnico-científica da Fiocruz. A professora detalha o conceito de racismo estrutural e explica de que forma ele organiza a sociedade brasileira, além de rejeitar a ideia de que atitudes racistas são casos isolados e restritos aos indivíduos, assim como defender que tanto as pessoas quanto as instituições sejam responsabilizadas por seus atos.

Autoria: Ynaê dos Santos, entrevistada por Juliana Passos. Publicação original: Revista Poli (EPSJV-Fiocruz)[1]
Ynaê dos Santos - Foto: Ricardo Borges Divulgação EPSJV-Fiocruz
Ynaê dos Santos - Foto: Ricardo Borges Divulgação EPSJV-Fiocruz

Entrevista

Pedidos de desculpas públicas que atribuem atitudes individuais à estrutura da sociedade, negação do racismo, diferenças salariais significativas e tratamentos diferentes para brancos e negros, seja por parte da polícia, do judiciário, dos meios de comunicação e mesmo nas escolas. Essas são situações que exemplificam um termo que tem circulado com cada vez mais frequência: racismo estrutural. E não faltam dados para mostrar o impacto desse processo na sociedade. Embora formem a maior parcela da população brasileira, pretos e pardos recebem salários 60% menores do que as pessoas brancas, que concentram 69% dos cargos gerenciais. A violência também atinge essa população com maior frequência: a taxa de homicídio de pretos e pardos é três vezes maior do que entre a população branca. Os dados são das Estatísticas Sociais publicadas em 2022 pelo IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Nesta entrevista, a professora da Universidade Federal Fluminense Ynaê dos Santos detalha o conceito de racismo estrutural e explica de que forma ele organiza a sociedade brasileira. Ela rejeita a ideia de que atitudes racistas são casos isolados e restritos aos indivíduos, mas defende que tanto as pessoas quanto as instituições sejam responsabilizadas por seus atos.

Gostaria de começar pedindo para você explicar o conceito de racismo estrutural e comentar sobre como seu uso permite que essa estrutura que ele denuncia seja modificada.

O princípio desse conceito é de que o racismo é um dos elementos que organiza a sociedade brasileira e define lugares sociais e econômicos. Isso significa dizer que o racismo estrutural organiza tanto a vida das pessoas negras quanto a vida das pessoas brancas e, em última instância, todos estamos enredados pelo racismo estrutural nas mais variadas esferas, tanto na individual quanto na institucional. Tratar o racismo como parte da estrutura de funcionamento da sociedade significa repensar o que é a sociedade brasileira e os lugares racialmente definidos, não só da população negra, mas sobretudo da população branca. Uma dimensão que me parece fundamental no conceito de racismo estrutural é a ideia da ‘branquitude’ (leia mais na edição 86 da Poli), que é só um nome mais bonito para a supremacia branca, responsável por ordenar a sociedade brasileira. Todas as pessoas brancas no Brasil usufruem do princípio da supremacia branca, mesmo não concordando com ele. O fato de ter nascido branco já confere ao indivíduo uma série de vantagens. Mesmo que seja uma pessoa branca pobre. Talvez um dos exemplos que conferem maior evidência a esse privilégio, no caso do Brasil, seja visto nas abordagens policiais. A polícia aborda de maneira distinta pessoas negras e brancas. Não só por conta da classe social, mas sobretudo por conta da pertença racial dos sujeitos.

Entre os casos de grande repercussão em que o conceito de racismo estrutural é acionado, tivemos recentemente uma participante de um reality show que foi acusada de racismo por demonstrar o incômodo constante na presença de um integrante negro. Diante da repercussão, ela fez um pedido de desculpas públicas por meio das redes sociais e atribuiu sua atitude ao racismo estrutural. Qual a sua avaliação sobre esse caso?

Essa é uma situação que explica muito o Brasil, porque estamos falando de uma situação na qual a pessoa que é acusada de racismo é uma mulher rica, com uma visibilidade que ultrapassa as fronteiras nacionais, ao passo que o rapaz ganhou visibilidade somente agora, porque foi campeão do programa. Eu entendo que a participante deveria responder judicialmente, como qualquer pessoa acusada de racismo. Hoje em dia é feio você ser chamado de racista, ninguém quer ser racista, pelo menos essa ala mais progressista. E então, a pessoa vai lá, chora um pouco, pede desculpas, fala que vive num país racista e que aprendeu que sempre foi assim. E falamos de alguém que não tem nenhum tipo de dificuldade em entrar em contato com literatura, em ler um livro, em aprender. Ela tem todas as oportunidades financeiras para tanto e resolveu não fazer isso. Só se ligou quando percebeu que talvez fosse cancelada nas redes sociais. Então, eu acho que a gente tinha que pensar em mecanismos em que essa pessoa precisasse se responsabilizar pelos seus atos para além das desculpas.

Desde 1989, o Brasil tem uma lei que torna o racismo crime. E em 2023 foi aprovada a lei que criminaliza a injúria racial. Como você avalia o impacto dessas leis? Elas são efetivas?

Essas leis são importantíssimas, frutos do movimento negro e das ações dos poucos parlamentares negros que nós tivemos. Agora, não são tão efetivas, porque há um sistema judiciário que não vai entender que uma determinada situação é racismo. Então, uma das coisas que a gente ouve, inclusive de juiz, é que ‘ah, não foi exatamente isso que a pessoa quis dizer’, ‘está exagerando’, ‘isso não é motivo para tanto’. A lei é um instrumento fundamental, mas tem que ser aplicada. Mas para essa lei, de fato, ser aplicada, você precisa de uma decisão política que passa por várias instituições e esferas. E essa decisão ainda não aconteceu no Brasil, sobretudo pelo fato de ser um crime inafiançável, o que mostra a gravidade do crime. Eu concordo plenamente com isso, mas ao mesmo tempo, temos uma dificuldade muito grande em caracterizar o crime de racismo no Brasil, uma tarefa quase hercúlea. Pouquíssimas pessoas foram presas por serem racistas no Brasil. Então, acho que a gente poderia pensar numa possibilidade que passasse necessariamente pelo gasto de dinheiro, por indenização. Talvez quando as pessoas brancas racistas começarem a pagar, a gente tenha, enfim, algum tipo de transformação maior.

A PNAD Contínua divulgada no final de 2023, com dados referentes a 2022, mostra que o valor médio da hora paga às pessoas brancas é 60% maior do que às pretas e pardas. Entre aqueles que possuem ensino superior, a diferença é de 37%. Em relação à subocupação, 3% dos homens brancos se encontravam nessa situação, enquanto essa era a realidade de 9% das mulheres pretas e pardas. Qual o impacto da Lei de Cotas para a mudança desse cenário?

Eu sou uma defensora assídua das cotas raciais, tanto nas universidades quanto nos empregos públicos. Acho que a Lei [12.711, de 2012] deveria ser ampliada, porque nós temos uma estrutura sistematizada de exclusão da população negra. Isso porque, ao mesmo tempo em que a educação garante uma possibilidade de ascensão social, não há investimento no ensino público. Ou seja, não há ascensão social. A criação de cotas é uma política afirmativa para mudar a realidade de pessoas que tiveram suas gerações anteriores mantidas nesse ciclo vicioso de um racismo estrutural. Então, é uma forma de tentar quebrar essa engrenagem do racismo. Obviamente que você não quebra, porque ela se reorganiza, mas você cria mecanismos para qualificar a população negra, para disputar o mercado de trabalho, e isso amplia a possibilidade de você contratar pessoas negras, embora não necessariamente se garanta que isso vá acontecer.

Vale lembrar que, durante muito tempo, as empresas falavam que não contratavam pessoas negras porque não havia gente qualificada o suficiente. Com as cotas raciais, você permite que a população negra entre em universidades de grande qualidade, que se forme bem, assim como a população branca. E a partir de então, você não tem mais essa desculpa. Agora, o que a gente observa é a manutenção de uma predileção pela população branca. Mas, sem sombra de dúvida, as cotas raciais estão mudando esse cenário.

Por outro lado, uma coisa é o aluno entrar na universidade, outra coisa é ele se manter nela. São pessoas que muitas vezes não têm dinheiro para chegar à universidade, nem para comprar o livro de que precisam, ainda mais se for em cursos com a necessidade de compra de equipamentos ou livros mais caros, como na área da saúde. Então, é preciso ter bolsas para os cotistas para que eles consigam se manter, mas as desigualdades sociais e econômicas continuam gritando. Por exemplo, quem é o aluno que sabe inglês? Geralmente é o aluno branco, classe média ou classe média alta. O aluno pobre, não só o negro, mas geralmente negros, vai ter que correr atrás dez vezes mais.

Dificilmente uma pessoa negra não tem na escola o espaço de apresentação do racismo. E eu acredito realmente que o único lugar em que a gente pode implementar de forma efetiva uma política antirracista educacional é a escola pública.

Em seu livro ‘Racismo Brasileiro’, você trata das mudanças de interpretações para o conceito de raça. Durante o período da escravidão, o termo serviu como critério de hierarquização entre as pessoas. Já no começo do século 20, a miscigenação passa a ser exaltada pelo Estado Novo, com o apoio da obra de Gilberto Freyre. Gostaria que você comentasse a transformação do uso do conceito de raça e explicasse o que é o “mito democracia racial”.

A raça é uma categoria e, como qualquer categoria, é socialmente construída e historicamente determinada. Mas tem uma essência que se mantém, que é fazer do fenótipo dos seres humanos um atributo de definição e predeterminação da vida desse sujeito. Mas isso mudou no tempo ao longo da história, não só no Brasil, como no Ocidente. E, por isso, o racismo existe no Brasil desde o dia 22 de abril de 1500, quando os portugueses chegam aqui já com um tráfico transatlântico de africanos escravizados funcionando, com a percepção minimamente pré-definida de quem eram essas populações indígenas e o que deveria ser feito com elas. Enfim, a própria ideia da descoberta traz isso. É a negação da existência ou da importância dos povos originários que viviam aqui.

O mito da democracia racial é a ideia de que o Brasil é um país onde não há racismo e a prova disso seria justamente o alto índice de miscigenação brasileira. Esse mito não foi criado no século 20, mas na década de 1840, quando o IHGB [Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro] promove um concurso para que se defina como a História brasileira deveria ser contada. Quem ganha esse concurso é o [pesquisador e viajante alemão] Carl Von Martius e ele define o Brasil como um país formado por três raças: brancos, indígenas e negros. Isso não é o problema, o problema é qual espaço elas ocupam: Von Martius descreve o país como um grande rio português, em que povos indígenas e africanos foram representados como dois afluentes menores. E é assim que a gente entende a própria brasilidade: os sujeitos que importam são as pessoas brancas. Isso não significa que a gente não se importe com os negros e com os indígenas, significa que a importância que esses sujeitos têm é outra.

O mito é reinaugurado na década de 1930, e a obra ‘Casa Grande Senzala’ [1933], de Gilberto Freyre, tem um impacto fundamental, porque ele abre mão dos termos que eram utilizados pelo racismo científico e faz uma leitura culturalista e profundamente racista. Essa é uma ideia que acaba sendo muito cara para a própria construção do Estado Novo que, como o próprio nome diz, pretende ser uma nova fase da construção do Estado nacional brasileiro, em que o lugar das populações negra e indígena é festejado. Isso cria uma separação com a intelectualidade e políticos anteriores, que eram abertamente racistas, defendiam o racismo científico e a ideia de uma inferioridade atávica de negros e indígenas. Mas, ao mesmo tempo, essa comemoração determina os lugares sociais que cada raça deve ocupar. Não há uma implosão da ideia das raças, o que seria interessante. Pelo contrário, é essa ideia da década de 1930 que nos organiza na atualidade e que traz uma percepção muito pobre do que é cultura. Qual é e onde está a contribuição negra e indígena no Brasil? Na culinária, nas palavras do português que a gente fala, em algumas manifestações artísticas e corporais. Você determina os lugares em que esses homens e mulheres são entendidos como construtores de uma ideia de Brasil e os retira dos outros [lugares].

Os espaços de decisão continuam sendo ocupados por pessoas brancas. É diferente de sociedades como a dos Estados Unidos e da África do Sul, onde a segregação se dava na forma de lei. O Brasil nunca teve isso porque nunca precisou fazer, já que as elites brasileiras criaram vários dispositivos que garantiram a discriminação e a segregação das populações negra e indígena sem racializar esses dispositivos. E a educação foi e é talvez um dos dispositivos mais utilizados pela elite brasileira.

Nesse mesmo livro, você trata de formas de resistência, como a Frente Negra Brasileira criada também na década de 1930. Hoje a gente tem um movimento negro mais fortalecido. Em que medida o mito da democracia racial foi e é questionado?

Vários setores da população brasileira têm questionado veementemente o mito da democracia racial aqui no Brasil, sobretudo nos últimos anos. Mas o que eu estou fazendo é uma crítica muito direta à formação das elites e, sobretudo, ao funcionamento do Estado brasileiro. Estou olhando a partir das ações de sujeitos que são brancos e que se organizam em grande medida para que se mantenha seu espaço de poder e privilégio. Essa é uma maneira de contar a História. Outro olhar que também é muito interessante é pensar nas resistências múltiplas que os movimentos negros fizeram ao longo da História do Brasil. Esse apagamento da agência negra também é uma forma de racismo no Brasil. Temos que reconhecer, por um lado, uma escolha deliberada pela manutenção do racismo como um sistema de poder. Por outro lado, a gente tem que criar um repertório. Ainda estamos nessa fase de mapeamento de ações e pautas de lutas, historicamente construídas pela população negra, sobre as quais não conhecemos muito. Existe a sensação de que o movimento negro está sempre começando. O que não é verdade. O movimento negro existe desde quando o primeiro navio negreiro chegou ao Brasil. Num país marcadamente mestiço, durante muito tempo essa característica foi uma arma utilizada para falar: ‘Está vendo? Não pode haver racismo em um país como este’. Agora a gente tem que entender, historicamente, sociologicamente e antropologicamente como é que essa mestiçagem se deu. Não podemos achar que eram romances o que acontecia entre o colono português e as mulheres negras escravizadas. Não que isso não pudesse acontecer, mas ainda assim eram relações organizadas pelo racismo. Qual o lugar que esses filhos, frutos de relações interraciais, vão ocupar na sociedade? Dificilmente eles foram herdeiros. Um homem pode até se apaixonar por uma mulher que era sua escravizada, mas dificilmente ele vai comprar a liberdade dela e mesmo que essa liberdade fosse comprada, isso não muda a lógica de funcionamento da sociedade.

Qual a sua avaliação sobre a implementação da Lei nº 10.639 de 2003, que obriga o ensino da de História e cultura da África nas escolas?

Mais uma vez é uma lei que é fruto da história do movimento negro brasileiro, de uma militância árdua. É uma lei que traz a beleza de apresentar outras experiências humanas para os jovens e crianças em idade escolar. Quando digo que só um caminho, um povo, uma raça importam, entre muitos outros, além de discriminar os demais, eu também estou empobrecendo o olhar que se tem sobre o mundo. Essa é uma lei que permite essa ampliação de olhar para os povos e sociedades que construíram o Brasil que conhecemos hoje. Os grandes heróis dessa questão toda são esses professores que estão cotidianamente em sala de aula, em escolas que a gente sabe que vivem um sucateamento sistemático. Então, são espaços, muitas vezes, bem tóxicos para alunos e professores e, apesar disso, esses homens e mulheres conseguem propor novas possibilidades de enxergar o mundo e a História brasileira. Ao mesmo tempo, estamos em uma virada conservadora no Brasil e há outros setores da sociedade brasileira que estão fazendo o que podem e o que não podem para impossibilitar esse olhar mais amplo. Mas não tenho dúvida de que, da mesma maneira como a educação foi uma das ferramentas mais importantes para a manutenção do racismo, ela é a principal ferramenta para desconstrução desse racismo. Agora, é preciso ter decisão política e investimento. A gente está em uma crise, em que cada um tem a sua verdade. Eu acho muito sério o que a gente está vivendo e não consigo ver nenhuma outra saída que não passe por uma transformação muito profunda do sistema educacional brasileiro, que comece conversando com o professor. Acho que uma boa forma de mudar seria começar a escutar esses professores e pensar em políticas públicas a partir dessa escuta.

Uma estrutura que também permanece como símbolo do racismo é a polícia, criada em 1809. Nesses dois séculos, houve mudança na forma de atuação da polícia?

Há mudanças, obviamente. Inclusive, do próprio papel que a polícia tem. Uma coisa é uma polícia que funciona numa sociedade que é escravista. Outra coisa é uma polícia que funciona numa sociedade sem escravizados. Agora, do ponto de vista racial, eu vejo poucas mudanças. Então, foi criada no século 19, num contexto de escravidão e racismo científico, a ideia de que todo negro é ou um escravizado em potencial ou um criminoso em potencial. Isso não mudou. É isso, inclusive, que explica a violência sistemática contra jovens negros no Brasil, o fato de que a cada 23 minutos um menino negro é morto. O mesmo menino que poderia estar entrando numa universidade pública. Estamos falando da mesma faixa etária, o que é profundamente perverso. Por um lado, conseguimos garantir que uma parcela muito pequena desses jovens negros entre no mundo universitário e, provavelmente, tenha uma possibilidade de melhoria nas suas condições de vida. Mas, ao mesmo tempo, a imensa maioria dos jovens negros, inclusive esses que entram na universidade, continua sendo alvo da polícia brasileira. E a polícia brasileira é o braço armado do Estado. Ela não age sozinha, porque não é uma instituição autônoma. Ela está respondendo a políticas públicas que foram criadas pelo Estado. É que no caso da polícia, como ela mata, isso fica muito mais evidenciado e chega ao extremo do racismo. Mas se a gente for pegar o sistema jurídico do Brasil, olhar as sentenças, isso também se evidencia. Se um jovem negro é encontrado com maconha, é traficante, se o jovem é branco, é usuário. E isso organiza o jornal, organiza a polícia, os advogados e juízes.

No livro ‘O que é racismo estrutural?’, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, argumenta que a defesa da representatividade e da diversidade deve ser acompanhada de uma defesa da igualdade, porque, caso contrário, se limita a uma pauta moral. Você compartilha desse entendimento?

Eu concordo. Acho a representatividade fundamental, algo que foi historicamente negado à população negra. A gente não se vê nos lugares de destaque, lugares de poder e isso significa que esses lugares não são nossos. Então, é importante que haja essa representatividade e que as pessoas que chegam nesses espaços sejam tratadas de maneira igual às pessoas brancas que lá estão. O que dificilmente acontece. Mas sim, só representatividade não vai acabar com o racismo. Eleger mais políticos negros é importante porque isso vai pautar as ações de parte do Congresso Nacional, não tenho a menor dúvida. Essas são ações necessárias para a transformação de uma sociedade racista numa sociedade um pouco mais democrática, igualitária. Mas particularmente não acredito em uma sociedade que seja capitalista e que não seja racista. Não consigo vislumbrar essa possibilidade. A gente vive em um mundo em que o racismo é fundamental para a engrenagem de um sistema econômico, que se organiza a partir de desigualdades. Também não acredito nessa ideia de sucesso, de topo, de que a favela favela venceu. Eu não quero que tenha favela, eu não quero que tenha topo, eu não quero que se precise vencer, eu defendo que é preciso viver de maneira harmônica, respeitosa e sem hierarquias.

Ver também

Racismo, motor da violência (relatório)

Racismo na Favela - Como os Moradores Entendem o Preconceito Racial (artigo)

Máquina de moer gente preta - a responsabilidade da branquitude (relatório)

  1. “Conteúdo reproduzido pela Wikifavelas. Publicação original: Poli, nº 95, "Saúde, educação e trabalho", maio de 2024.