Quilombo Santa Rita do Bracuí

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A comunidade Remanescente de Quilombo de Santa Rita do Bracuí encontra-se localizada no município de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.

Autoria: Martha Abreu, Hebe Matos, Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (Fiocruz) e Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco[1][2]
Fonte- Redes sociais do Quilombo

Sobre

O quilombo do Bracuí, situado em Angra do Reis (RJ) foi, e ainda é, palco de muitas lutas de trabalhadores descendentes de africanos escravizados. Na defesa de direitos, seus moradores transformaram em bandeira de luta e afirmação da identidade quilombola a sua própria história, a vigorosa tradição oral e o patrimônio do jongo (expressão de dança, canto e versos diretamente ligados ao legado africano no Brasil).

Contar “causos” de antepassados escravizados para os filhos, sobrinhos e netos foi uma estratégia dos mais velhos de um grupo não letrado para que não se esquecesse a história da comunidade. Através de conversas, também falavam sobre antigos senhores, lembravam de casos de resistência dos escravizados e das muitas violências da escravidão e do tráfico.

A narrativa mais estruturante da comunidade é a memória coletiva sobre a doação de lotes de terra para os escravizados da antiga fazenda no testamento de José de Souza Breves, de 1878, então proprietário da Santa Rita. A família Souza Breves era proprietária de muitas fazendas e de centenas de escravizados e sempre esteve envolvida com o lucrativo comércio ilegal de africanos.

A área da fazenda de Santa Rita, de frente para as calmas águas de Angra dos Reis, suficientemente distantes do Rio de Janeiro para as atividades ilegais e estrategicamente próximas do Vale do Paraíba paulista e fluminense, foi local de chegada dos milhares de africanos. Recuperados da longa viagem na fazenda, logo subiam a Serra do Mar, em direção a Bananal, para suprir as plantações de café de mão de obra.

Por isso, a narrativa mais impactante diz respeito à memória coletiva dos quilombolas sobre os negócios ilegais do tráfico, emblematicamente representada pelo depoimento do Sr. Manoel Morais, um dos mais antigos moradores do quilombo e hoje já falecido. Neto de escravizados de José Breves, esse depoimento relata um desembarque clandestino ocorrido em 1852, que, ao que  tudo indica, foi um dos últimos ocorridos nas águas da Baía de Angra.

A narrativa do Sr. Moraes é, sem dúvida, uma poderosa versão oral do episódio que ficou conhecido como o “caso do Bracuí”, quando o Brigue Camargo, vindo de Moçambique com 540 africanos, afundou e o governo imperial não poupou esforços para mostrar que estava realmente decidido a eliminar o tráfico de africanos para o Brasil.  A comunidade do Bracuí nunca esqueceu os desembarques ilegais.

Fonte: Redes sociais do Quilombo

História

Ao falecer em 1878, José de Souza Breves deixou as terras da Fazenda do Bracuí, então de muito pouco valor depois do fim do tráfico ilegal na década de 1850, para seus antigos escravizados, tornados livres a partir daí. Sem nunca terem tido acesso aos direitos de legítimos proprietários, os libertos e descendentes permaneceram em seus lotes utilizando coletivamente os recursos do rio e as máquinas do engenho de cana, hoje em ruínas. Ao longo de grande parte do século XX, reconheciam os limites dos lotes de suas famílias e trabalhavam na agricultura de subsistência e na pesca. A única atividade monetária era a produção de banana, vendida a comerciantes de Angra dos Reis.  

Na primeira metade do século XX, há notícias de grileiros e as terras dos camponeses negros da Fazenda Santa Rita teriam sido registradas em nome de Honório Lima. Entre os anos 1950 e 70, os herdeiros negros do Bracui, apesar das tentativas jurídicas infrutíferas de fazerem valer seus direitos, não conseguiram reconhecimento de sua propriedade. Relatam, entretanto, que as maiores ameaças de expulsão começaram mesmo a partir da construção da Rodovia Rio-Santos, responsável pela abertura da região à produção de energia nuclear, ao turismo e à especulação imobiliária.

A estrada cortou a fazenda de Santa Rita em duas: a parte do mar e a parte do sertão.  Novos grileiros passaram a chegar e o grande empreendimento da Imobiliária Porto Bracuí tomou posse da fazenda ao comprar Santa Rita de proprietários ilegítimos. Com apoio do poder público, a imobiliária começou a utilizar de medidas coercitivas para os moradores abandonarem suas terras e conseguiu ocupar a maior parte da antiga fazenda do lado do mar. No entanto,  não deixou de explorar os recursos do lado do sertão, onde a comunidade conseguiu, com muita luta, permanecer, apesar das diversas pressões e violências.

A partir dos anos 1980 e 1990, com apoio da Pastoral da Terra da Igreja Católica e envolvimento com as lutas dos trabalhadores de Angra; com as mobilizações do movimento negro, com o apoio do Quilombo do Campinho em Parati e da Fundação Palmares, a organização da comunidade começou a ser feita em outras bases. Na luta pelos direitos historicamente negados e pela legitimidade das terras ocupadas há mais de cem anos, os herdeiros do Bracuí, acionaram o artigo 68 dos ADCT da Constituição de 1988 e o decreto 4.887 de 20 de novembro de 2003. Em 2005, com 250 famílias, fundaram ARQUISABRA (Associação dos Remanescentes de Quilombo de Santa Rita do Bracui). Em 2012, obtiveram o reconhecimento da comunidade do Bracuí como Remanescente de Quilombo pela Fundação Palmares. Até hoje, porém, o quilombo do Bracui, ainda não foi titulado, mas a comunidade segue organizando a luta por seus direitos, mobilizando esforços na construção da escola quilombola, na sede da associação, na valorização da cultura negra local com o jongo, na criação de locais de visitação e na participação em redes maiores de associações quilombolas e de jongueiros, como o Pontão de Cultura do Jongo/Caxambu.

Para saber mais:

  • Abreu, Martha. “O caso do Bracuhy”. Em: Mattos, Hebe/Schnoor, Eduardo (Orgs.):  Resgate: Uma Janela para o Oitocentos. Rio de Janeiro:  Top Books, 1995
  • Abreu, M. e Mattos, H. “Remanescentes das Comunidades dos Quilombos”: memória do cativeiro, patrimônio cultural e direito à reparação. Habitus, vol 7, no. 12, Goiania,  2009.  http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/habitus/article/view/2016
  • Mattos, H., Abreu, M. Souza, M., Couto, P. Relatório antropológico de caracterização histórica, econômica e sociocultural do Quilombo de Santa Rita do Bracuí. Niterói: UFF/Incra-SRRJ, 2009.
  • Site Projeto Passados Presentes, Memória da Escravidão no Brasil. http://passadospresentes.com.br/site/Site/index.php
  • Filme: Passados Presentes – Memória Negra no Sul Fluminense http://www.labhoi.uff.br/passadospresentes/
  • Visitas à comunidade podem ser agendadas com Marilda de Souza (WhatsApp (24) 988172696), atual presidente da ARQUISABRA.

Cronologia

  • 1877: Ex-escravos do Comendador Breves recebem 260 alqueires parte das antigas fazendas do cafeicultor na região.
  • 1964: Quilmbolas começam a receber ameaças e a sofrer pressão por parte da empresa Bracuhy Administração, Participações e Empreendimentos Ltda para se retirarem do local, também são realizadas ações violentas a fim de inviabilizar a permanência dos quilombolas no local. Terras região sofrem grande valorização devido à construção da estrada Rio-Santos e incentivos ao turismo.
  • 1978: Os quilombolas entram com uma ação ordinária de reivindicação contra a empresa, através de um advogado e assessor da Fetag-RJ.
  • 1988: Famílias da comunidade, expulsas de seu território tradicional pela empresa, são reassentadas em outra área pela Prefeitura Municipal de Angra dos Reis.
  • 05 de abril de 1999: Fundação Cultural Palmares (FCP) reconhece oficialmente a comunidade Santa Rita do Bracuí como remanescente de quilombos.
  • Novembro de 2004: Realizado o I Fórum Social da baía da Ilha Grande, no qual iniciou-se a parceria entre a comunidade e a Centro de Ação Comunitária (CEDAC) para projeto de revalorização da identidade quilombola no local.
  • 2006: Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) inicia apoio do projeto “Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Quilombolas” da SAPE. A comunidade de Santa Rita do Bracuí é beneficiada pelo projeto.
  • 30 de abril de 2006: Quilombolas de Santa Rita do Bracuí participam de ato público em Itacuruçá, município de Mangaratiba, pela titulação das terras da comunidade quilombola da Ilha da Marambaia.
  • 25 e 26 de novembro de 2006: Quilombolas de Santa Rita do Bracuí participam do IV Encontro do Projeto Etnodesenvolvimento Quilombola, promovido pela ONG Koinonia e sediado na Comunidade Preto Forro, em Cabo Frio.
  • 28 de abril de 2007: KOINONIA, através do projeto Egbé Territórios Negros, realiza reunião com comunidades quilombolas do sul fluminense, a fim de discutir a conjuntura da temática quilombola e estabelecer um canal de comunicação mais intenso entre o programa e as comunidades atendidas. Reunião é realizada na comunidade Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis e contou com a participação de representantes das comunidades Alto da Serra (Rio Claro), Campinho da Independência (Paraty) e Ilha da Marambaia (Mangaratiba).
  • 25 de outubro de 2007: Quilombolas do estado do Rio de Janeiro se reúnem em Rio Claro, na comunidade Alto da Serra, para discutir os conflitos e demandas das comunidades presentes. Além de representantes da comunidade anfitriã, estavam presentes membros das comunidades Ilha da Marambaia (Mangaratiba), Santana (Quatis) e Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis).
  • 07 de novembro de 2007: Cerca de 50 quilombolas ocuparam a sede do Incra-RJ para manifestar no recém-criado Dia Nacional Pela Regularização Fundiária. Comunidades presentes: Campinho da Independência e Cabral (Paraty), Ilha da Marambaia (Mangaratiba), Alto da Serra (Rio Claro), Rasa (Búzios), Caveira/Botafogo (São Pedro d’Aldeia), Santa Rita do Bracuí (Angra dos Reis), Maria Conga (Magé), Lagoa Feia (Campos dos Goytacazes), Sacopã e Pedra do Sal (Rio de Janeiro).
  • 12 de outubro de 2008: Governo do Estado do Rio de Janeiro e ACQQUILERJ realizam em Campos dos Goytacazes encontro entre jovens quilombolas do estado. Quilombolas de Santa Rita do Bracuí participam do encontro.
  • 22 de maio de 2009: Projeto “Pelos caminhos do Jongo” da Comunidade Quilombola de Santa Rita do Bracuí é selecionado no edital Pontos de Cultura do Estado do Rio de Janeiro da Secretaria de Estado de Cultura, Ministério da Cultura (MINC) para receber recursos financeiros do Programa Mais Cultura. Este edital apóia projetos de instituições da sociedade civil sem fins lucrativos que contribuam para a inclusão social e construção da cidadania, seja através da geração de emprego e renda, seja por meio de ações de fortalecimento das identidades culturais.
  • Março de 2012: FCP certifica comunidade como remanescente de quilombo.

Quilombo do Bracuí recebe título de terra

Em 2023, uma portaria do INCRA garantiu aos remanescentes do Quilombo Santa Rita do Bracuí, em Angra dos Reis/RJ, o direito à titulação das terras pertencentes ao quilombo. A entrega simbólica da escritura foi realizada no território.

De acordo com a Fundação Cultural Palmares, atualmente, o Brasil possui 3.475 comunidades remanescentes de quilombos, sendo 2.819 delas certificadas por esta entidade. A Fundação faz parte do Ministério da Cultura e é responsável pela preservação da cultura e promoção de políticas públicas voltadas à população negra.

O direito das comunidades quilombolas às terras onde estão localizadas é garantido pela Constituição Federal de 1988, conforme Artigo 68, “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir os títulos respectivos.”

Para o reconhecimento desses territórios, é necessário que os grupos passem por análise e, assim, recebam a titulação das terras. Na esfera federal, o órgão responsável pela realização desse título é o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), mas os estados e municípios também se enquadram como competentes para efetuarem os procedimentos.

Para empreenderem a abertura do processo, as comunidades devem possuir uma certidão de registro no Cadastro Geral de Comunidades Remanescentes de Quilombos da Fundação Cultural Palmares. Inicialmente, o Incra realiza um estudo do território para elaboração do Relatório Técnico e Delimitação (RTID), formado pelo relatório antropológico, levantamento fundiário, elaboração de mapa territorial e pelo cadastramento das famílias. Após isso, o documento passa por uma fase em que são analisadas e julgadas contestações que podem ter sido feitas. O RTID também é encaminhado para diferentes órgãos – Fundação Cultural Palmares, IPHAN, SPU, FUNAI, Conselho de Defesa Nacional, Serviço Florestal Brasileiro, IBAMA, Instituto Chico Mendes e os órgãos ambientais estaduais – para avaliação dos dados levantados.[3]

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