Monitorar negociar e confrontar - as (re)definições na gestão dos ilegalismos em favelas pacificadas (resenha)
Referência
Breve contextualização
Palloma Valle Menezes possui doutorado em sociologia pelo mesmo instituto em co-tutela com o Department of Social and Cultural Anthropology da Vrije Universiteit Amsterdam. Ao longo de seu doutorado produziu uma extensa pesquisa de campo sobre o processo de "pacificação" nas favelas do Rio de Janeiro a partir das UPPs. Atualmente, é professora do IESP-UERJ e coordenadora de pesquisa do Dicionário de Favelas Marielle Franco (FIOCRUZ). O artigo em questão é produto da sua tese de doutorado e do campo mencionado anteriormente.
Principais argumentos
O objetivo principal do trabalho é analisar como a implementação das UPPs no Santa Marta e na Cidade de Deus gera mudanças nos comportamentos, nas ações e interações entre policiais e jovens do comércio varejista de drogas a partir do policiamento por proximidade. Com uma análise desde o processo inicial de "pacificação" até a sua crise, a autora apresenta a hipótese que o monitoramento, a negociação e o confronto se tornam as principais formas de ilegalismos nas favelas.
O texto é dividido em cinco partes principais, que passam por uma evolução - histórica e processual - da implementação das UPPs. Na primeira parte, a autora fala sobre a chegada das UPPs no Santa Marta e na Cidade de Deus e sobre os estranhamentos produzidos por ser um modelo que não foi divulgado, debatido ou explicado, apenas executado. Assim, a chegada das UPPs geram um recuo no tráfico por ser algo inesperado: os policiais que iam e vinham, entraram e ficaram. A partir disso, começa um processo de reconhecimento mútuo entre policiais e traficantes, quase como um mapeamento das atividades como forma de pensar novas maneiras de agir. Em seguida, Menezes aponta para como esse mapeamento resulta em novas formas de agir dos jovens e do comércio de drogas. Com a mudança na dinâmica há uma maior valorização de habilidades estratégicas e "mentais", menos do ethos guerreiro (utilizando aqui o conceito de Zaluar (1996)). Além disso o comércio se adapta, com a venda sendo menos "sedentária", armas mais escondidas, aumento da utilização de menores de idade, de olheiros, dentre outros processos que tornavam o trafico menos ostensivo. Com o passar do tempo, as UPPs deixam de ser uma modificação na dinâmica e se tornam rotina, o tráfico se adapta e há um retorno da corrupção - a autora ressalta que um ponto importante da implementação das UPPs era a esperança de que trouxessem uma diminuição da corrupção nas coorporações e do "arrego" policial. Esse processo era visto pelos policiais como uma adaptação do tráfico as UPPs e pelos moradores como um retorno da corrupção policial. A crise se agrava a partir da implementação do projeto nas favelas maiores, que possuem grandes dificuldades de "pacificação", necessitando deslocamento de efetivos e reforços através de incursões momentâneas do BOPE e do Core.
Alguns pontos centrais do texto merecem destaque. O processo de rotinização das UPPs e de readaptação do tráfico a essa rotina ressalta porque soluções tópicas para o "problema da segurança pública" são falhas. Além disso, o processo de rotinização produz outras formas de sociabilidade dentro das favelas para além do tráfico e da polícia. Ainda, a noção de vigilância e de monitoramento - o jogo de gato e rato - que permanência da policia nas favelas produz é de extrema importância, porque não apenas modifica as formas de agir do tráfico mas toda uma maneira de agir em sociedade a partir de uma vigilância constante.
Apreciação crítica
O texto produz um histórico importante do processo de implementação e crise das UPPs no Rio de Janeiro. Além disso, identifica dinâmicas importantes como a vigilância, a mudança de comportamento do traficante, do policial e do comércio varejista de drogas e a importância dos rumores no mapeamento dessas mudanças. Um ponto que é tocado ao final do texto e pouco explorado ao longo dele (porém, como mencionado pela autora, melhor elaborado ao longo da tese) é o impacto dessas mudanças sobre o cotidiano dos moradores de favela, algo que Magalhães (2021) observa como foi agravado pela intervenção militar de 2018.