Aluguel Social

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 11h29min de 22 de maio de 2019 por Luciana Ximenes (discussão | contribs)

As políticas brasileiras de habitação social aconteceram historicamente dentro da lógica do acesso à moradia pela “casa própria”. O aluguel nunca foi considerado como alternativa permanente para as políticas de habitação social, como ocorreu na maioria dos países desenvolvidos. No entanto, Estados e Municípios passaram a empregar o aluguel como alternativa de enfrentamento de situações emergenciais nas quais fosse necessário alocar famílias em uma moradia provisória. No estado do Rio de Janeiro, este benefício eventual e temporário é denominado “aluguel social”, criado para atender famílias que perderam a sua moradia por efeitos de calamidades ou para a realização de obras de infraestrutura. É um auxílio provisório e muitas vezes estabelecido com tempo limitado, independente de as famílias terem encontrado uma solução permanente de moradia ao final do prazo estipulado.

Um exemplo de política de aluguel social foi o Programa Morar Seguro realizado no Estado do Rio de Janeiro a partir do impacto dos temporais em 2010, tendo o benefício condicionado à demarcação das áreas de risco pelas Prefeituras. Uma das diversas críticas apontadas a esta ação é que a alegação do risco foi utilizada para legitimar remoções em áreas bem valorizadas, tendo como base relatórios genéricos em que os “estudos” não envolveram a participação das populações afetadas.

Considerando que o alto preço dos aluguéis é um dos principais problemas habitacionais da população urbana, uma alternativa aos programas de aluguel social seria a adoção de programas de locação social, sendo este mais amplo e duradouro. Trata-se, nesse caso, de uma ação que envolve diferentes estratégias de intervenção e gestão por parte do poder público com a finalidade de promover, de modo permanente, moradia para população de baixa renda na forma de locação em bens públicos ou privados, com valores de aluguel adequados à capacidade de pagamento das famílias. Ele envolve o aluguel de unidades habitacionais sob regras e valores diferenciados da locação de mercado, com subsídios diretos ou indiretos pagos pelo Estado às famílias, às entidades públicas ou privadas envolvidas na manutenção ou gestão dos imóveis, ou abatidos do valor das locações de acordo com as condições financeiras dos beneficiários. A locação social envolve, ainda, medidas específicas de gestão dos bens e dos contratos de locação de modo a assegurar a sua continuidade. Como exemplos destas ações, a União e o município do Rio de Janeiro têm iniciativas de locação social, mas que ainda não foram aprovadas e implantadas.


 

Breve histórico

Pode-se dizer que as políticas habitacionais praticadas no Brasil remontam ao primeiro período Vargas (1930-1945), constituindo-se como parte das políticas de previdência e assistência social, voltadas para os trabalhadores urbanos integrados ao mercado de trabalho formal (com carteira assinada). Desde esse primeiro momento, os conjuntos habitacionais produzidos pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) tinham como modelo de acesso à moradia a “casa própria”, justificada pelos seus dirigentes como a forma mais adequada para disciplinar os trabalhadores e afastar a influência de “ideias exóticas”, como o socialismo ou o anarquismo. A mesma justificativa aparece, cerca de 30 anos mais tarde, quando o Banco Nacional de Habitação (BNH), criado pela ditadura militar em 1964, institui a sua política habitacional também fundada no instituto da propriedade privada da moradia. Finalmente, o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) criado pelo Governo Lula em 2009 mantém o mesmo modelo, embora sem acionar as mesmas justificativas.

A experiência das políticas habitacionais no Brasil se diferencia substancialmente dos modelos adotados na maioria dos países desenvolvidos, baseados fundamentalmente na “locação social” e não na produção de habitações como propriedade privada. De modo sintético, pode-se definir a locação social como a promoção, por parte do poder público, de moradia para população de baixa renda na forma de locação de imóveis com valores de aluguel adequados à capacidade de pagamento das famílias. Embora adotando modelos institucionais diversificados entre os países e mesmo dentro de cada país, a locação social se caracteriza por: (1) um marco institucional bem estruturado e permanente, com garantias efetivas de que as famílias atendidas não estejam em momento algum sob ameaças de despejos e, portanto, em situação de insegurança de posse; (2) um sistema de subsídios e isenções fiscais voltados tanto para produção quanto para o consumo e para a gestão dos estoques de habitação de interesse social (HIS) produzidos para locação social; (3) um sistema de regulação do setor, seja ele público, público não governamental ou privado, que permite a sua autonomia e o seu funcionamento em largo prazo, garantindo sustentabilidade e segurança a todos os envolvidos.

Uma das principais vantagens de uma política habitacional baseada na locação social é que esta se constitui como um serviço de interesse público (à semelhança das políticas de saúde e educação), criando um estoque habitacional destinado à população de baixa renda, com unidades habitacionais que podem ser reutilizadas e redistribuídas de acordo com as necessidades habitacionais da população ao longo do tempo. Desta forma, não se constitui como transferência de um bem que adquire valor de mercado e que está, portanto, sujeito às pressões da dinâmica imobiliária. Considerando suas vantagens, a possibilidade de que o Brasil pudesse criar programas voltados para a locação social foi discutida em 2008 no Ministério das Cidades e no Conselho Nacional das Cidades.

No ano de 2009, foi incorporado ao Plano Nacional de Habitação (PlanHAB) uma linha programática voltada para a promoção pública de locação social de unidades habitacionais em centros históricos e áreas urbanas consolidadas. Esta ação proposta tinha como objetivo estabelecer subsídios a aluguéis em centros históricos e áreas urbanas consolidadas, constituindo-se como uma alternativa de acesso à moradia que permitiria mobilidade residencial aos beneficiários. Neste mesmo ano foi apresentado o Projeto de Lei 6342-A que propõem no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) a criação do Serviço de Moradia Social para famílias de baixa renda. Desde então esse projeto segue em tramitação no Congresso.

Apesar do significativo avanço desta pauta no desenho das políticas habitacionais, isto não se refletiu amplamente na implementação de projetos nacionais de locação social. Uma exceção tem sido a experiência do município de São onde um programa de locação social surgiu no âmbito do programa municipal Morar no Centro, criado em 2001, contando com recursos alocados no Fundo Municipal de Habitação (FMH). Em 2002, foi criado pelo Conselho do FMH o Programa de Locação Social, destinado a atender à demanda de baixa renda através de oferta de moradias acessíveis na área central da cidade. O programa era considerado complementar às ações baseadas no modelo de casa própria, sendo destinado a famílias sem condições financeiras para a aquisição ou que tivessem o aluguel como opção, permanente ou ocasional. O valor a ser pago efetivamente pelas famílias corresponderia a no máximo 15% da renda familiar, com um subsídio de até 90% do custo por unidade, com contratos de 48 meses de validade, renováveis. A partir de 2004, com recursos do governo federal e, mais tarde com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), foi possível ampliar a proposta, com a previsão de realização de 16 empreendimentos com 2.150 unidades no total. Ao término da gestão de Marta Suplicy (2001-2004) na Prefeitura de São Paulo, 2 empreendimentos já estavam concluídos, o Parque do Gato, destinado ao atendimento de famílias moradoras da Favela do Gato, e o Olarias, que atendeu demandas da Secretaria de Habitação e indicações dos movimentos de moradia.

A locação social permanece na agenda do governo entre 2005 e 2015, mas sem prioridade efetiva, já que o programa Morar no Centro passa a ser direcionado para a participação da iniciativa privada e a oferta para a classe média. Mesmo assim, nos anos seguintes, houve continuidade dos empreendimentos já em andamento. Esses empreendimentos foram concluídos, mantendo-se o subsídio que permitiu aluguéis acessíveis à população de baixa renda. A partir de 2012, com a nova gestão de Fernando Haddad (2012-2015), a política habitacional da Prefeitura de São Paulo passa a dar ênfase à implementação do PMCMV em áreas periféricas, e a locação social é pensada apenas como alternativa para atendimento à população de rua. No entanto, ainda neste período, por pressão e mobilização de grupos sociais, dois empreendimentos são viabilizados por locação social – o Palacete dos Artistas e o Mário de Andrade, o primeiro voltado para acolhimento de artistas aposentados e o segundo para população de rua.

A experiência de São Paulo apresenta resultados contraditórios, pois houve registro, por exemplo, de problemas recorrentes de inadimplência e dificuldades de manutenção de alguns equipamentos, o que levou a um posicionamento crescente, dentro do Conselho do FMH, com relação à inviabilidade financeira do programa e à necessidade de extingui-lo, passando-se o título de propriedade aos moradores. Com a chegada do Programa Minha Casa Minha Vida, parte das justificativas para o Programa de Locação Social (a de que seria a única opção para atendimento das populações mais vulneráveis, de renda até 3 SM) deixam de ser relevantes já que o PMCMV ofereceu acesso à propriedade para essa faixa, com subsídio integral.

À parte a experiência de São Paulo, alguns governos municipais ou estaduais vinham, desde os anos 1990, utilizando não a “locação social”, mas o “aluguel social” como estratégia para dar atendimento habitacional a famílias moradoras de cortiços e a famílias desalojadas de suas residências em situações de desastres ou iminência de risco. Tais políticas municipais e estaduais de aluguel social encontram embasamento jurídico no dever do estado em prover o direito à moradia a todos (como consta no artigo 6º da Constituição Federal) e na previsão de pagamento de benefícios para atender necessidades advindas de vulnerabilidade temporária e calamidade pública (apresentada na Lei Orgânica da Assistência Social, nº 8.742/93).

Conforme tratado no verbete Posse e Propriedade, a garantia do direito à moradia pelo estado não se restringe à provisão de propriedade privada individual e exclusiva, podendo ocorrer também por meio de mecanismos de segurança da posse. O aluguel social e a locação social são programas que permitem aos moradores exercerem a posse de suas moradias através de um contrato pactuado com o proprietário do imóvel, podendo este ser público ou privado. A diferença entre eles, que será apresentada de forma mais detalhada a seguir a partir do caso do Rio de Janeiro, é que o aluguel social enquanto política habitacional tem gerado uma baixa segurança da posse, colocando as famílias beneficiárias desta política à mercê de mudanças conjunturais.


 

Como o aluguel e a locação social foram inseridos nas políticas públicas do Rio de Janeiro

As primeiras experiências de aluguel social no estado do Rio de Janeiro têm sua origem nas demandas decorrentes de projetos de urbanização de favelas, nos quais era necessária a remoção de famílias para a aplicação das soluções projetadas. Estas experiências se deram tanto em ações promovidas pelo governo estadual quanto pelo municipal.

Durante a implementação do Programa Favela-Bairro foi criado o “auxílio-habitação”, através do Decreto 17.308 de 1999. Este dispositivo era voltado para a viabilização deste programa de urbanização de favelas, possibilitando a remoção de famílias que estivessem em condições de moradia subumanas ou de risco, ou que tivesse sofrido processo de deslocamento forçado (despejo, imissão ou reintegração de posse, ou ainda de diligências administrativas de mesmo efeito).

O Governo do Estado do Rio de Janeiro só irá criar o “aluguel social” em 2008, através do Decreto 41148. Este decreto tem como objeto aprovar “diretrizes de relocação de edificações de assentamentos populares”, tendo como principal motivação a necessidade de realocação de famílias e demolição de casas para a realização de obras de urbanização de favelas por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em sua linha Urbanização de Assentamentos Precários (UAP). Por meio deste Decreto é dada a possibilidade de pagamento de aluguel provisório, no valor de r$ 250,00 ao titular de edificação a ser demolida, quando este optar pela transferência para uma nova edificação a ser construída na mesma localidade. Já com o decreto 41.219 do mesmo ano, são estendidas as diretrizes de reassentamento para “situações de emergência, tais como incêndios, enchentes, desabamentos e despejos”.

A partir da ocorrência de fortes temporais em 2010, que atingiram gravemente a população em maior vulnerabilidade socioambiental e deixaram um enorme contingente de desabrigados, o Governo do Estado instituiu o Programa Morar seguro, através do Decreto 42.406. Esse programa alocou recursos da ordem de R$ 1 bilhão para a construção de unidades habitacionais e reassentamento, incluindo como opção de atendimento provisório a concessão do aluguel social no valor de R$ 500,00. Finalmente, em 2011, o Governo Estadual promulga o decreto 43.091, que regulamenta os procedimentos para a concessão, fiscalização e supervisão do aluguel social no Estado. Nele se estabelece que: (1) o aluguel social é um benefício provisório e assistencial; (2) que poderá ser concedido pelo período de 12 meses, renovável por mais 12 meses, sendo cancelado tão logo a nova moradia esteja disponível; (3) será concedido apenas a uma família, mesmo que na moradia destruída residisse mais de uma. Em 2013, o Decreto 44.520, tratando em particular do caso dos atingidos pelas enchentes de 2011, determina que o benefício será concedido “enquanto não estiverem disponíveis as unidades habitacionais para reassentamento da população”, não mais valendo a determinação anterior que limitava ao período máximo de 12 meses.

No passado, a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro teve como uma de suas ações o Programa Novas Alternativa. Criado durante a primeira gestão de Cesar Maia (1993-1996), o programa visava a reforma de antigos cortiços (tendo como foco a recuperação de imóveis de relevante interesse histórico e arquitetônico para o uso habitacional) e a construção de edificações residenciais em vazios urbanos na região central. Logo o programa foi modificado, passando as reformas a serem executas com recursos da Caixa Econômica e as unidades vendidas. Apesar de tornar-se referência nacional por sua intenção em promover moradia popular na área central com a preservação do patrimônio arquitetônico, o programa enfrentou grandes entraves como o alto custo das obras e da manutenção dos casarios reformados.

Após um longo período sem ações expressivas, o Programa Novas Alternativas voltou a ter destaque na agenda pública com sua inclusão dentre as alternativas habitacionais previstas no âmbito do Projeto Porto Maravilha. Este grande projeto urbano prevê ações de reestruturação da antiga zona portuária da cidade por meio de uma grande Operação Urbana Consorciada, tendo como gestora a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (CDURP). Como soluções para produção de habitação de interesse social, a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro mapeou e desapropriou diversos imóveis na área de abrangência deste Projeto, colocando-os à disposição da CDURP para a realização de intervenções por meio do Programa Novas Alternativas.

Este processo levou à remoção de dezenas famílias que haviam ocupado estes imóveis, que estavam até então estavam abandonados. Apoiadas pelo Núcleo de Terras e Habitação da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUTH), algumas das famílias removidas passaram a receber mensalmente o benefício do aluguel social e os imóveis encontram-se vazios, diante da não centralidade da provisão de habitacional para baixa renda dentre as ações do Projeto Porto Maravilha. Cabe destacar a remoção colocou estas famílias em condições similares ou piores de moradia, uma vez que os valores recebidos por meio do aluguel social não são suficientes para arcar com alugueis de moradias regulares na área central da cidade e especialmente na zona portuária, que vem passando por um processo de valorização imobiliária decorrente do Projeto Porto Maravilha.   

Nesse contexto, a Prefeitura apresentou o Projeto de Lei n. 1.445 de 2015, onde propôs a criação de um programa de locação social voltado para as áreas central e portuária. O programa teve como finalidade “ofertar imóveis para aluguel a preços subsidiados para membros de famílias com renda familiar mensal de até o equivalente à Faixa 3 do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal, agentes culturais e sociais e micro e pequenos empresários que mantenham negócios populares e tradicionais”. O programa inovava ao prever a destinação de imóveis públicos para o programa e o subsídio público dos aluguéis destinados aos locatários ou locadores que destinassem imóveis ao Programa. No entanto, o projeto de lei tinha alguns problemas, pois, por exemplo, não estava articulado com medidas de regulação do preço do solo, não estava combinado com uma política fiscal condizente e muitas questões estavam condicionadas a uma série de medidas de regulamentação pelo Poder Executivo.


 

Reflexão crítica sobre a condição do aluguel social hoje no Rio de Janeiro

A prerrogativa de que os poderes públicos possam lançar mão da concessão de auxílio emergencial para atendimento a famílias desabrigadas ou sob ameaça de desabrigo representa um avanço significativo. Ao logo de todo o período que antecede os marcos normativos relativos ao direito constitucional à moradia, o atendimento habitacional em casos de reassentamento ou de emergências era feito de forma improvisada, em lugares não destinados à moradia e que apresentavam precariedade em termos de conforto, privacidade etc., ou ainda em moradias provisórias de baixa qualidade. Estas situações eram agravadas pelo fato de que as soluções “provisórias” frequentemente se tornavam permanentes pela ausência de uma política estruturada e eficiente de provisão habitacional.

A partir da nova Constituição de 1988, surgem bases jurídicas para a adoção sistemática do aluguel social. Além disso, com base nestes regulamentos e no princípio constitucional do direito à moradia, o Judiciário vem provendo sentenças em que determina que este instrumento seja utilizado, mesmo em casos em que o poder público não tenha se posicionado favoravelmente. Esse fato tem acontecido, por exemplo, no caso de domicílios situados em áreas de risco em que as casas tenham sido interditadas pelo Poder Público (MEDEIROS, LUFT, SANTOS, 2016).

Nem sempre, no entanto, o Judiciário tem seguido essa orientação, como nos casos de remoções em prédios ocupados na área central da cidade do Rio de Janeiro. A Defensoria Pública moveu ações judiciais em prol das famílias que ocupavam estes imóveis para moradia que visaram garantir o acesso ao benefício, entretanto estas solicitações não foram aceitas pelo Judiciário sob o argumento de que o direito à moradia seria um princípio “programático” sem exigência de aplicação imediata!

Em que pese os avanços representados pela adoção do aluguel social, a sua gestão pelo poder público no Rio de Janeiro tem apresentado questões que demandam discussões e reflexões. Um primeiro ponto diz respeito ao valor do benefício, fixado por decreto, sem que seja levado em consideração as especificidades de cada caso, como o valor do solo nas diferentes localizações ou a composição das famílias atendidas (número de membros, presença de idosos, etc.). Frequentemente, o valor fixado não permite que as famílias consigam alugar um imóvel na mesma localização em que residiam, levando-as a condições piores de moradia, causando deslocamentos forçados e o acesso à moradia por meio do mercado informal em situações precárias. Além disso, a permanência no aluguel social se dá com os valores estabelecidos na legislação vigente na época da concessão do benefício, sem que haja a atualização.

Nos casos de emergências, riscos ou de reassentamento, nem sempre os critérios de demarcação de áreas e de identificação de famílias a serem atendidas é cuidadoso e eficiente. No caso do Vale do Cuiabá, na região serrana do Rio de Janeiro, onde famílias foram gravemente atingidas pelas chuvas de 2011, existem relatos que mostram que casas que não tinham sido atingidas foram consideradas como “em risco” e suas famílias removidas, enquanto famílias desabrigadas não conseguiam acessar o benefício, já que não estavam em áreas demarcadas como “de risco” (Pinheiro, 2015). A demarcação pouco criteriosa destas áreas abre espaço ainda para a recorrente utilização das alegações de risco como mecanismo de remoção de populações de áreas valorizadas pelo capital imobiliário.

Na cidade do Rio de Janeiro, após as grandes chuvas de 2011, o então Prefeito Eduardo Paes publicou uma enorme lista de áreas de favelas a serem removidas, sob o argumento de risco elevado e embasado sobre laudos técnicos elaborados pela Fundação Instituto de Geotécnica (Geo-Rio), órgão da Secretaria Municipal de Obras da Prefeitura. A partir da mobilização da população ameaçada de remoção e contando com apoio de entidades técnicas da área da Arquitetura e da Engenharia, foi possível contestar laudos que revelaram-se tecnicamente falhos e conter, ao menos em parte, as ameaças de remoção (MALAGUTY, 2013).

O grande número de famílias que recebem o benefício do aluguel social como solução provisória de moradia coloca ainda uma questão sobre a gestão administrativa destes processos. No âmbito da atuação do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o benefício foi utilizado para o reassentamento de famílias atingidas por processos de remoções para realização de obras de urbanização de favelas e para o atendimento emergencial de famílias atingidas por chuvas, enchentes e deslizamentos. Com isso, a partir do ano de 2010 o Governo do Estado passa a assumir um compromisso mensal de pagamento de benefício a mais de 20 mil famílias. A gestão administrativa desse processo tem revelado ineficiências com relação ao controle e supervisão da situação das famílias e da atuação dos municípios responsáveis pelo pagamento, como evidenciado em auditoria do TCE, implicando em atrasos e irregularidades no recebimento do benefício pelas famílias.

A expressiva dimensão do número de famílias atendidas por esta política impõe ainda o desafio de inserir no horizonte das gestões municipais e estaduais a promoção de soluções habitacionais definitivas em grande escala. Diante da ineficiência de políticas neste sentido, parte das famílias assistidas por este benefício vivem nesta condição a diversos anos. No caso dos municípios atingidos pelas chuvas de 2010 e 2011, destaca-se a permanência da demanda por soluções de moradias permanentes.  Da mesma forma, comunidades como a CCPL e a SKOL (nomes que fazem referência à antiga atividade industrial desenvolvida nos imóveis posteriormente ocupados para fins de moradia), que sofreram remoções por obras de urbanização promovidas no âmbito do PAC na cidade do Rio de Janeiro, permanecem com um grande número de famílias ainda beneficiárias de aluguel social.

 

Aluguel Social nos municípios do Estado do Rio de Janeiro nos anos de 2013 e 2019

Município Valor do benefício por família (RS) Nº de famílias em 2013 Nº de famílias
em 2019
Areal 400,00 343 79
Barra Mansa 400,00 38 1
Bom Jardim 400,00 294 0
Niterói 400,00 3.317 1.311
Nova Friburgo 400,00 3.040 39
Petrópolis 400,00 885 715
São Gonçalo 400,00 1.167 140
São José do Vale do Rio Preto 400,00 339 69
Sapucaia 400,00 149 0
Sumidouro 400,00 230 45
Teresópolis 500,00 2.942 308
TOTAL   12.744 2.707

Fonte: Portal do Aluguel Social. Disponível em: http://www.portalaluguelsocial.rj.gov.br. Acesso em 23 de abril de 2019

Aluguel Social nas comunidades CCPL e SKOL nos anos de 2013 e 2019

  Nº de famílias
em 2013
Nº de famílias
em 2019
CCPL 1.283 396
SKOL 576 547

Fonte: Portal do Aluguel Social. Disponível em: http://www.portalaluguelsocial.rj.gov.br. Acesso em 23 de abril de 2019

 

Além da longa permanência numa situação habitacional provisória, que deveria ser de curto prazo, as famílias recorrentemente têm sido ameaçadas pelo atraso do pagamento, uma vez que a crise fiscal do Estado do Rio de Janeiro levou a problemas de inadimplência em relação aos seus compromissos, inclusive o aluguel social. Reportagens de jornais mostram problemas de atraso desde o início do ano de 2016, situação que permanece problemática ainda em 2019. Esses fatos têm gerado situações de insegurança e ameaça de desabrigo, numa clara demonstração de violação do direito à moradia.

Concluindo, a experiência do Rio de Janeiro tem revelado que, concebido originalmente como um recurso importante para a realização do direito à moradia, o aluguel social tem apresentado claras distorções, necessitando de aperfeiçoamento e controle para evitar que as famílias em situação de moradia provisória e dependentes do Estado para a sua sobrevivência não sejam colocadas em ameaça de despejo e desabrigo como tem ocorrido frequentemente.

Uma política mais efetiva teria que ir além do pagamento de um aluguel temporário às famílias, determinado por situações emergenciais de calamidade pública e vulnerabilidade social ou por demandas de realocação por parte dos poderes públicos. Diante das questões aqui brevemente expostas, fica claro que este arranjo vigente não responde efetivamente às demandas por moradia e é vulnerável na medida em que fica à mercê das escolhas políticas e da capacidade financeira do Estado, assim como das oscilações de preços de aluguel do mercado. É fundamental para a realização de uma política duradoura de locação social:

  • A disponibilização e a gestão permanente de bens imóveis que apresentem condições mínimas de localização, qualidade e segurança;
  • Que a oferta ocorra de acordo com critérios estabelecidos pelo Estado segundo o interesse social e não pelo mercado, o que pode afetar itens fundamentais como os limites de renda das famílias atendidas, os critérios de prioridade, os benefícios aplicáveis, os valores de aluguel etc.;
  • A fixação de condições para que os próprios beneficiários sejam agentes permanentes do programa, contribuindo para sua manutenção.

 

Referências Bibliográficas:

MALAGUTY, Geraldiny. Administração pública do risco ambiental: os estudos de caso do Morro dos Prazeres e Morro do Urubu. 2013.  159 f. Dissertação (Mestrado em Planejamento Urbano e Regional) – Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://objdig.ufrj.br/42/teses/859228.pdf

MEDEIROS, Mariana; LUFT, Rosangela M.; SANTOS, Ângela Moulin Penalva. Direito à Moradia: um direito social em construção no Brasil - a experiência do aluguel social no Rio de Janeiro. Revista PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PUBLICAS, v.46, IPEA, 2016.

PINHEIRO, Francine Damasceno. A atuação do INEA no Vale do Cuiabá, Petrópolis, RJ: remoções e violações de direitos como justificativa de proteção à vida dos afetados. O Social em Questão, Ano XVIII, nº 33, 2015.