Biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado
Verbete produzido através de informações retiradas da internet.
O Vale Encantado, comunidade situada na Floresta da Tijuca, Rio de Janeiro, considerada como incubadora de práticas sustentáveis inaugurou em junho de 2022 um biossistema para tratamento de todo o esgoto da comunidade e painéis solares na sede cooperativa local. Esses dois projetos, bem como os demais que existem na comunidade, contaram com a participação, a qualificação e o trabalho dos moradores que, há décadas, buscam sua subsistência de maneira sustentável. Os lançamentos do biossistema interligando toda a comunidade e dos painéis solares representam mais uma conquista do Vale, que já é considerado um modelo a ser seguido por outras favelas.
A construção
O ponto de partida para a construção do biossistema de saneamento ecológico foi o pedido do líder comunitário Otávio Barros, que queria um modo de resolver o problema do tratamento de esgoto sanitário na comunidade do Vale Encantado que, como o nome bem sugere, é um enclave de 27 casas em meio ao verde da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista. Para os pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio), Leonardo Adler e Tito Cals, que há sete anos conheciam o potencial do biodigestor em sistemas de pequena escala, o problema seria um bom meio de testar na prática o que andavam pesquisando.
Assim, o biossistema começou a ser construído em 2015, através de uma parceria com os pesquisadores da PUC-Rio, que ganharam um edital da FAPERJ. Com esse recurso, construíram um biodigestor de porte e tamanho apropriados para tratar o esgoto de todas as casas da comunidade. Porém, neste primeiro, por falta de recursos, só completaram a conexão de cinco casas ao sistema, apesar da capacidade de tratar o esgoto de todas as 27 casas da comunidade.
Em 2021, a Rede Favela Sustentável (RFS), através da organização gestora Comunidades Catalisadoras (ComCat), e o Instituto Ambiente em Movimento, através da ONG Alemã Viva Con Agua, com a parceria técnica da Taboa Engenharia, atraíram os recursos para conectar todas as casas do Vale Encantado à rede de saneamento ecológico.
Com a inauguração em junho de 2022, o sistema entrou completamente em funcionamento, interligando a todas as casas e tratando 100% do esgoto da comunidade. O Vale Encantado tornou-se a primeira favela com 100% de esgotamento ecológico no Rio de Janeiro.
O biossistema
O biossistema é a integração das etapas anaeróbica e aeróbica do tratamento de esgoto. A biodigestão é a primeira etapa. Nela, os resíduos passam pelo biodigestor, uma câmara inteiramente fechada, onde não há entrada de oxigênio, o que favorece a proliferação de bactérias anaeróbicas que digerem aquela matéria orgânica presente nos esgotos domésticos, gerando, em contrapartida, biogás, que nada mais é do que uma combinação dos gases metano, carbônico e sulfídrico. Com a vantagem que o biogás gerado pode ser muito bem aproveitado, alimentando, por exemplo, um fogão, ou mesmo um aquecedor. “Em escalas maiores é possível gerar energia elétrica ou até combustível automotivo”, afirma o professor da PUC Leonardo Adler.
Os sólidos não digeridos se depositam no fundo do biodigestor, de onde são removidos manualmente uma vez por ano e encaminhado à caixa de compostagem. Ali, em condições ideais de temperatura, aeração e umidade, a ação dos microorganismos presentes nos resíduos promove a degradação aeróbia desse material. O que resulta desse processo inteiramente natural pode ser utilizado como fertilizante, empregado em plantações de frutíferas. É a chamada compostagem.
Já os efluentes líquidos são encaminhados à segunda fase do tratamento, a chamada zona de raízes, uma sequência de tanques, preenchidos com material filtrante – que nada mais são do que pedras de brita de tamanhos diferentes, no caso, 1 e 4 – e plantas de brejo (que podem ser sombrinha chinesa ou papiro). Essas plantas absorvem os nutrientes (nitrogênio, fósforo e potássio) e transferem oxigênio para esses efluentes. “Também há oxigenação do material a partir do preenchimento e do transbordamento dos tanques que compõe a zona de raízes. No final, o que resta é água limpa, livre de contaminantes ou tratamento químico, que pode ser descartada sem maiores problemas”, afirma Adler.
O esgoto mais limpo do Rio está numa favela
Outras iniciativas verdes
A moradora Rozineida Pereira dá seu relato sobre essas iniciativas verdes. Ela faz parte da cozinha comunitária da Cooperativa do Vale Encantado, que utiliza alimentos cultivados localmente. Esses pratos vegetarianos são vendidos para visitantes à comunidade.
Assim como Rozineida, outros moradores contaram como os projetos verdes da comunidade impactaram em suas vidas. Otávio Barros, morador e Presidente da Associação de Moradores, fala sobre a sua relação de amor e do sentimento de pertencimento com o lugar, além de contar como surgiu a ideia de construir o biossistema e instaurar a energia solar. Otávio percebeu o potencial do Vale em se voltar para sua vocação verde e desenvolver a comunidade com base em seus ativos, gerar emprego e renda, além de contribuir para a luta contra ameaças de remoção.
Esse projeto do biodigestor caiu como uma luva porque a gente estava sofrendo ameaça de remoção. Um dos fatores que eles queriam remover a gente é que eles diziam que a gente estava poluindo, jogando esgoto a céu aberto. Aqui a gente não tem saneamento básico nenhum. A gente não ‘joga o esgoto’, a gente tem fossa, tudo direitinho, mas a gente não faz isso porque a gente quer, é porque a gente não tem!” — Rozineida Pereira, moradora e integrante da cozinha comunitária da Cooperativa do Vale Encantado.
Segundo moradores, essas iniciativas verdes têm impactos múltiplos. Para a moradora Luciana Cardoso, o biossistema será muito bom, pois diminuirá a incidência de doenças e a quantidade de baratas e ratos. Sua vizinha Magdalena Cordeiro destaca que o projeto trará coisas muito boas e seu caráter inovador na canalização do esgoto da comunidade, que ela nunca viu sendo implementada pelo poder público. Já Renan Fernandes que, além de morador, foi assistente de obras na conexão das casas ao biodigestor, refletiu sobre a importância da formação e da capacitação dos moradores no âmbito do projeto, fato também citado por outros moradores.
“Quando começaram o projeto, não levei muita fé nesse lance de mexer com dejetos. Mas explicando, tivemos aulas e cursos sobre a parte do encanamento, dos bambus que mantêm a bactéria que libera o gás. Aí você acaba gostando e se adaptando àquele negócio e não quer mais largar. É muito bom!” — Luiz Carlos, morador e assistente de obra do biossistema de saneamento ecológico do Vale Encantado