Chacina do Jacarezinho - 06 de maio de 2021
Autoria: Equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco.
A Chacina do Jacarezinho ocorreu no dia 6 de maio de 2021 e é conhecida por ser a mais letal da história do Rio de Janeiro: ao menos 27 civis foram assassinados e um policial. A operação foi organizada pela Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, mesmo após a proibição de operações policiais nas favelas durante a pandemia através de decisão liminar (provisória) do ministro do STF, Edson Fachin, a ADPF 635.
A chacina
O dia 06 de maio de 2021 amanheceu na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, com a mais brutal chacina da história do Rio de Janeiro. Durante horas, uma megaoperação levou o horror e a morte para as famílias do local, tendo executado mais de 40 pessoas e ferido tantas outras. Sem contar nas denúncias dos moradores de outras violações de direito, como as invasões nas casas dos moradores, agressões, abusos de poder e execuções sumárias. Diversas organizações da sociedade civil, com destaque aos movimentos de favela e de defensores de direitos humanos, tem realizado as denuncias e cobranças para que o caso seja apurado e as pessoas responsáveis sejam identificadas. Cabe destacar que a chacina ocorre durante a pandemia do coronavírus, com uma ação (ADPF 635) julgada pelo Supremo Tribunal Federal, que determinou que as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro, enquanto durar a pandemia de Covid-19, fossem restritas. Nem mesmo a pandemia ou a determinação do STF foram suficientes para barrar a chacina feita pela Polícia Civil. Os detalhes ainda estão sendo apurados.
O episódio gerou a indignação da comunidade, que pede o fim da violência policial nas favelas, além de ter amplificado o debate em torno das políticas de segurança pública em territórios periféricos por parte da imprensa, dos movimentos sociais e de órgãos públicos. Há um latente oposição de narrativas empreendidas entre frações do poder público e a população: enquanto líderes comunitários denunciam os rotineiros abusos de poder aos quais os moradores da favelas estão submetidos, o governador Cláudio Castro lamentou as perdas mas alegou em comunicado, no entanto, que "a ação foi pautada e orientada por um longo e detalhado trabalho de inteligência e investigação, que demorou dez meses para ser concluído".
Repercussão na imprensa
Corpos no chão, invasão de casas e celulares confiscados: os relatos de moradores do Jacarezinho
Moradores do Jacarezinho relatam cenas de terror na invasão de casas
Registros de ocorrência mostram que mortes ocorreram em ao menos 10 locais do Jacarezinho
Operação no Jacarezinho é a mais letal da história do RJ
Ação da polícia com 25 mortos é considerada a maior chacina da história do Rio
Operação policial mata 25 pessoas no Jacarezinho, em segunda maior chacina da história do Rio
Vi a maior chacina da história do Rio de Janeiro acontecer na minha favela
Operação no Jacarezinho foi a 2ª maior da história do RJ, diz ONG Fogo Cruzado
Mortos na chacina do Jacarezinho sobem para 28. Ao menos 13 não eram investigados na operação
Número de mortos na chacina do Jacarezinho sobe para 29
Mãe de vítima do Jacarezinho se recusou a deixar o túmulo: 'Que dia das mães é esse?'
Quem acolhe as mães das vítimas da chacina do Jacarezinho
Chacina: começam protestos, após operação brutal
Moradores realizam protesto e pedem justiça para a chacina do Jacarezinho (vídeos)
Jacarezinho protesta contra chacina: "Parem de nos matar"
Movimento Negro fecha Paulista e protesta contra chacina no Jacarezinho
SP: Ato exige punição dos culpados pela chacina do Jacarezinho
Protestos contra chacina do Jacarezinho devolvem o povo para a rua
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Jovens agredidos e presos por PMs em ato contra chacina do Jacarezinho são soltos
ONU se diz "perturbada" com chacina no Jacarezinho
ONU pede investigação independente do massacre no Jacarezinho
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Chacina do Jacarezinho: pelo fim da violência policiasl nas favelas
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Massacre do Jacarezinho e o temor da impunidade
Notas e denúncias por parte da sociedade civil
#ChacinadoJacarezinho: queremos respostas do governador Cláudio Castro e do STF
Originalmente publicado em 6 de maio de 2021 pela Rede de Observatórios da Segurança.
Nunca presenciamos ações tão chocantes quanto as ocorridas na favela do Jacarezinho durante a manhã desta quinta-feira, 06 de maio, que ficará marcada como o instante do massacre. Foram ao menos 25 mortos, na operação policial mais sangrenta da história do Rio de Janeiro e a segunda maior chacina do estado – ficando atrás apenas da chacina da Baixada que registrou 29 mortos e que foi praticada por grupo de extermínio.
Hoje, moradores tiveram suas casas transformadas em locais de tortura onde pessoas foram executadas. Homens já rendidos levaram tiros a queima roupa. Quem saia de casa encontrava corpos pelas ruas. Um menino foi executado e colocado sentado numa cadeira de plástico no meio da rua, com o dedo na boca, em uma pose de chacota para que todos pudessem ver. Parte das ações foram filmadas e circulam nas redes sociais.
O que assistimos hoje é na verdade uma escalada da letalidade nas ações policiais no Rio de Janeiro: a Rede de Observatórios registrou 19 chacinas policiais no primeiro trimestre do ano, com 71 mortos. Em 2020, foram 9 chacinas e 31 mortos no mesmo período. O primeiro trimestre de 2021 já é o mais letal em termos de mortes decorrentes de toda a série histórica. Pelos dados oficiais de março publicados pelo Instituto de Segurança Pública, são mais de cinco pessoas mortas pela polícia diariamente.
A Rede de observatórios denuncia a barbárie, manifesta seu repúdio à continuidade e à escalada de letalidade das ações policiais no RJ em plena vigência da determinação do STF de controle das operações policiais na pandemia. Também prestamos solidariedade a todas as mães que choram pelos seus filhos.
A ação aconteceu há 17 dias da audiência pública para mostrar ao STF a anatomia da violência policial no RJ. O governador Cláudio Castro, que oficialmente ocupa o cargo há cinco dias, desafia o STF e as polícias do estado entram na favela para demonstrar poder. Até quando vamos fingir que isso é democracia?
Queremos respostas do governador Cláudio Castro!
Queremos respostas do STF!
Rede de Observatórios da Segurança
Nota pública de organizações, coletivos e Ong’s que atuam no Jacarézinho (RJ)
Originalmente publicado em 6 de maio de 2021 pela Coalizão Negra por Direitos.
Na manhã desta quinta-feira, 06/05/2021, moradores do Jacarezinho foram acordados sob intenso tiroteio, em uma operação da DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente), com o apoio da CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais), que resultou no assassinato de mais de 24 civis e um militar, em uma incursão policial que durou mais de 9 horas.
Em meio a uma pandemia que matou 410 mil pessoas, 45 mil só no Rio de Janeiro, ocorreu a operação mais letal da história do estado, sob a justificativa de proteger “os direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades”, como relata nota do MPRJ. Uma pessoa morta dentro do quarto de uma criança de 8 anos protege quais crianças? Quais direitos estão sendo garantidos?
Como se já não bastasse estarmos morrendo por uma doença pela qual já existe vacina, ainda somos submetidos a um cotidiano de brutal violência por parte do Estado. Não há outro nome para o que acontece nas favelas e periferias, o que vivemos é genocídio contra a população negra desse país. Diante dessa realidade de extermínio, seguimos com o mesmo questionamento: quais vidas importam?
Será que em bairros nobres localizados na Zona Sul da cidade do Rio ou em condomínios luxuosos na Barra da Tijuca, o método de suspeição é o mesmo? Será que se sentem coagidos ou com medo de serem acordados por uma operação policial?
O genocídio contra corpos negros e favelados segue naturalizado e sem causar espantos. As instituições públicas, como em um acordo tácito, seguem silenciosas, sem criar qualquer tipo de mecanismo eficaz que possa frear o extermínio desses mesmos corpos.
O papel da mídia hegemônica no reforço de uma narrativa de criminalização da pobreza e de espaços favelados, sem que colocasse em pauta o massacre que ocorria ao vivo, tornou um grande espetáculo a ação do dia 06 de maio, o que foi essencial para um processo de naturalização da barbaridade ocorrida na favela do Jacarezinho.
Exigimos explicações e questionamos: como o Estado pretende atuar no território depois dessa chacina? Como recuperar o trauma das milhares de pessoas que foram submetidas ao terror policial? Como os familiares das vítimas serão amparados? Quais os mecanismos institucionais de prevenção às ações como as que vivenciamos no dia de hoje?
Esperamos respostas! Convocamos todos para o ato que ocorrerá amanhã, 07/05/2021, às 17h em frente à quadra da G.R.E.S Unidos do Jacarezinho.
Assinam a nota
– Associação de moradores do Jacarezinho
– Cafuné na Laje
– G.R.E.S Unidos do Jacarezinho
– Instituto de Defesa da População Negra (IDPN)
– Jcré Facilitador
– Jacaré Basquete
– LabJaca
– NICA (Núcleo Independente e Comunitário de Aprendizagem)
– ONG Viva Jacarezinho
Chacina do Jacarezinho: Pena de morte na favela
Originalmente publicado por Itamar Silva, presidente do Grupo Eco - Santa Marta, em 7 de maio de 2021, no seu perfil pessoal do Facebook.
Até o momento em que escrevo este texto, 16 pessoas haviam sido reconhecidas no Instituto Médico Legal, vítimas da maior chacina já ocorrida no Rio de Janeiro. O dia 06 de maio ficará na história desta cidade como evidência da atuação arbitrária e extremamente letal da policia nas favela do Rio.
Sob o comando da polícia civil e apoio da PM, 27 pessoas foram assassinadas no Jacarezinho, favela da zona norte da cidade, onde vivem aproximadamente quarenta mil pessoas. As circunstâncias e os depoimentos de moradores não deixam dúvidas de que houve uma chacina naquele local: “muitos se entregaram e foram assassinados”. “A polícia matou pessoas dentro de casa”. “Os corpos foram levados para o hospital sem vida”. “Banho de sangue”, como disse Patrícia Felix, representante da comissão de Direitos Humanos da OAB.
Raí, Romulo, Maurício, Jhonatan, John, Richard, Francisco, Toni, Isaac, Cleiton, Natan, tinham entre 18 e 30 anos de idade. Wagner, Márcio, Jonas, Marlon e Carlos, tinham entre 31 e 43 anos. Ainda não foram divulgados os outros nomes das vítimas. Também morreu o policial civil, André Frias.
A cobertura da mídia destacou, ao longo do dia, a fala dos delegados: Felipe Cury e do Subsecretário Operacional da Polícia Civil, Rodrigo Oliveira que, em entrevista coletiva, de maneira didática, justificaram a operação. Afirmaram que a operação seguiu todos os protocolos e foi resultado de dez meses de planejamento. Destacaram que era preciso agir porque o tráfico de drogas estava aliciando menores e, também, era necessário garantir o direito de ir e vir das pessoas, inclusive, o direito de namorar quem desejar. E sublinharam que a única execução que houve foi a do policial André.
Uma fala calma e didática que distrai o cinismo, o deboche e a arrogância que constrói a narrativa desses policiais. Nenhum dos argumentos apresentados, justificariam uma ação tão desastrosa. Concordo com a pesquisadora Julita Lemgruber quando diz que: “a polícia do Rio de Janeiro quer convencer os “cidadãos de bens” que trabalham em nome de sua segurança”. Mas em nenhum momento foi levado em consideração à segurança dos moradores da favela do Jacarezinho e arredores. Operação mal planejada.
No entanto, o governador do Rio de Janeiro se colocou, incondicionalmente, ao lado da polícia e chamou o maior massacre da história do estado como “trabalho de inteligência”: corpos no chão, poças de sangue, invasão de casas, celulares confiscados. Não podemos esperar nada de Claudio Castro. Sua participação no governo Witzel e agora de braços dados com o governo Bolsonaro, indica que o Rio de Janeiro seguirá aperfeiçoando sua política de morte e as favelas como laboratório da necropolítica.
Itamar Silva
Presidente Grupo Eco – Favela Santa Marta
Nota da Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia em repúdio à operação policial na comunidade de Jacarezinho no Rio de Janeiro
Publicado originalmente em 7 de maio de 2021 pela Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
A Comissão de Direitos Humanos da Associação Brasileira de Antropologia (CDH/ABA) vem a público manifestar repúdio à operação policial realizada nesse 6 de maio de 2021, na comunidade de Jacarezinho, zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Até o momento dessa Nota, foi informada a morte de 25 pessoas, além de terem sido registradas e denunciadas pessoas baleadas, invasões de casas e arrombamento de portas. Pelos seus resultados, a operação se constitui como a maior chacina ocorrida no Rio de Janeiro por policiais em serviço. A denominada operação “Exceptis” foi realizada sob coordenação da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), com apoio de outras unidades do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento-Geral de Polícia da Capital (DGPC) e da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), mobilizando recursos extraordinários da Polícia Civil.
É preciso ressaltar que a operação se desenvolve no contexto da pandemia Covid-19 e especificamente na vigência da ADPF 635 através da qual o do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, desde o dia 05 de junho de 2020, a suspensão das operações policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia. Elas só poderiam ser realizadas em casos absolutamente “excepcionais” e mediante comunicação ao Ministério Público. De forma única na história do país, o STF convocou para os dias 16 e 19 de abril uma audiência pública para ouvir organizações da sociedade civil, movimentos sociais, familiares de vítimas de violência de estado, pesquisadores e representantes de órgãos do estado. O objetivo declarado da liminar do STF é a preservação da vida e, nesse sentido, as ações da agências da Segurança Públicas são obrigadas a se adequar a esse objetivo prioritário da ordem constitucional e do estado democrático de direito.
Contudo, é gritante o desrespeito brutal da decisão do STF na operação no Jacarezinho. Em pleno horário de trabalho, de circulação de moradores da comunidade e de cumprimento de medidas de prevenção da pandemia, os agentes de segurança expuseram os moradores – homens, mulheres e crianças – à mais brutal das ações já registradas no campo da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.
Não se trata da única operação realizada em vigência dessa liminar. Pelo contrário, operações com resultados letais têm sido registradas por moradores e movimentos sociais durante todo o período. Durante o ano de 2020, foram registradas 1.239 pessoas mortas por policiais fluminenses, uma média de 3 pessoas por dia. A repercussão e dimensão trágica da operação em Jacarezinho demonstra a não excepcionalidade e a produção sistemática de uma política de Segurança Pública sustentada e impulsionada pela repressão, o racismo e a morte. É a exceção que confirma a regra.
Dianto do ocorrido no Jacarezinho, subscrevendo às demandas manifestadas pelo Comitê Cidadania, Violência e Gestão Estatal da ABA, em Nota publicada no dia 6 de maio, a Comissão de Direitos Humanos da ABA exige:
– Ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, garantir a investigação célere, independente e eficaz dos fatos, com a participação de órgãos de perícia independentes e autônomos.
– Ao Governador do Estado do Rio de Janeiro, a suspensão das operações policiais de acoro com o cumprimento estrito da ADPF 635.
Por fim, expressa sua solidariedade com todos os moradores do Jacarezinho e familiares das vítimas.
Brasília, 07 de maio de 2021.
'Associação Brasileira de Antropologia' (ABA) e sua Comissão de Direitos Humanos
Justiça para o Jacarezinho! Nota em solidariedade às vítimas e contra a política letal e racista adotada no Rio de Janeiro
Publicado originalmente em 7 de maio de 2021 pela Rede de Comunidades e Movimentos contra a violência.
Racismo e criminalização da pobreza. Isso define a ação da Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho que levou à morte de 25 pessoas. Os movimentos sociais e organizações abaixo listados exigem que o Ministério Público investigue de forma célere todo terror cometido pela polícia, no interior da favela. Instamos por justiça, nesse momento que o mundo inteiro discute políticas e medidas de combate ao racismo e à violência policial.
Na manhã desta quinta-feira, 6 de maio de 2021, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro realizou um verdadeiro massacre. Uma operação na favela do Jacarezinho, que fica localizada na zona norte da cidade - com o uso de equipamentos de guerra: caveirões, fuzis, helicópteros - levou o terror e mortes para os becos e vielas do jacarezinho. A favela mais negra da cidade. Tornando-se a operação policial mais violenta da história do Rio de Janeiro, realizada pela polícia que mais mata no mundo.
Vale destacar que essa política de morte é histórica e estrutural, mas na conjuntura atual se intensifica mediante o desmantelamento dos espaços de controle social até então ocupados por movimentos sociais e organizações da sociedade civil. Esse desmantelamento ganha materialidade na extinção da Secretaria de Segurança Pública, da Corregedoria Central da Polícia Militar, e no fim do Conselho Estadual de Segurança Pública, desde a chegada de Bolsonaro ao poder e da eleição do agora impeachmado Wilson Witzel.
A ação coordenada pela DPCA (Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente) e com a participação de 200 policiais civis visava coibir o tráfico de drogas e a participação de adolescentes em atividades ilícitas, segundo a Polícia Civil. A chacina do Jacarezinho é resultado da política de segurança pública extremamente letal e racista posta em prática no Rio de Janeiro, que desconsidera veementemente os direitos humanos e a possibilidade de uma vida digna para os moradores de favelas, sobretudo os negros.
A operação policial mais letal que se tem registro na história do Rio de Janeiro, aconteceu num contexto de crise sanitária e humanitária mundial, quando o Brasil registra mais de 414 mil mortes por COVID-19. E quando, em razão desta mesma pandemia, uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 635 determinou a suspensão das operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro, podendo estas ocorrerem apenas em 'hipóteses absolutamente excepcionais', com justificativa ao Ministério Público Estadual por escrito. No entanto, só o racismo entranhado
na sociedade brasileira pode explicar os porquês dessa operação ter sido deflagrada nesse momento. A suposta “excepcionalidade” abriu margem para uma verdadeira chacina promovida por agentes do estado, explicitando a barbárie institucionalizada e a violação do direito à vida dos moradores de favela.
Os registros de imagens mostram corpos espalhados pelos becos e vielas da favela, rastros de sangue nas casas, helicóptero atirando a esmo contra as casas. A unidade de saúde que tem realizado aplicação de vacinas contra a covid-19 precisou ser fechada. Somam-se a todas essas violações ainda, a invasão de casas sem mandado e o confisco de telefones celulares de moradores.
A autorização de uma operação policial como a ocorrida pelo governo do Estado do Rio de Janeiro hoje no Jacarezinho é vivenciada como se houvesse a decretação de um estado de exceção nas favelas. Como se para esses territórios e seus moradores, os direitos estivessem suspensos permanentemente. É inaceitável e estarrecedor, que num contexto de crise sanitária, social e econômica, em que a priorização das autoridades públicas deveria ser uma agenda de preservação da vida, o governo do Estado autorize a entrada das suas forças de segurança nas favelas para alimentar mecanismos de produção da morte. Numa democracia esses mecanismos não deveriam ser alimentados em nenhuma hipótese.
Diferente do que alegam as autoridades responsáveis pela operação, nós, movimentos de favelas e organizações da sociedade civil, estamos preocupados com todas as vidas, sem distinção, pois compreendemos que o direito à vida deve ser o norteador, maior e absoluto, de todas as ações propostas pelo Estado. Compreendemos também que todas as ações do Estado devem ser feitas dentro dos parâmetros legais, zelando toda a dignidade e a vida. Não aceitaremos mais que operações como essa sejam realizadas em territórios negros, e que a população desses territórios seja tratada como inimiga! Não aceitaremos que as “nossas autoridades”, ao realizar seu suposto trabalho, sigam rasgando a Constituição e violando direitos!
Sendo assim, o que nos cabe e será feito com toda a seriedade possível é cobrar dos órgãos competentes a responsabilização por essas 25 mortes, pois esse não é um caso particular ou um acidente. É a prática cotidiana do Estado racista que é o Brasil. Nossa total solidariedade às famílias das 25 pessoas mortas.
Justiça para o Jacarezinho!
Justiça para todas as vítimas da violência letal do Estado!
Assinaturas:
Anistia Internacional Brasil
Articuladas - Mulheres no Enfrentamento à Violência Institucional
Associação Apadrinhe um Sorriso
Associação Casa Fluminense
Centro pela Justiça e o Direito Internacional CEJIL
CIDADES - Núcleo de Estudos Urbanos (UERJ)
Coletivo Papo Reto
Comunidades Catalisadoras (ComCat)
Conectas Direitos Humanos
Educafro
FASE
Frente de Juristas Negras e Negros (FJUNN)
Fórum Social de Manguinhos
Geni/UFF
IDPN - Instituto Defesa da Pop. Negra
Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial-Baixada Fluminense-RJ
Instituto de Estudos da Religião- ISER
Instituto Maria e João Aleixo - IMJA
Instituto Marielle Franco
Justiça Global
LACED/Museu Nacional/UFRJ
Movimenta Caxias
Movimento Candelária Nunca Mais
Movimento Favelas Na Luta
Movimento Mães de Acari
Movimento Mães de Manguinho
Movimento Negro Unificado (MNU)
Nova Frente Brasileira
Observatório de Favelas
Olodum
Rede de Comunidade e Movimento contra Violência
Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Terrorismo do Estado
Redes da Maré
Chacina do Jacarezinho: o Ministério Público do Rio precisa falar o que pensa
Originalmente publicado em 8 de maio de 2021 pela Rede de Observatórios da Segurança.
Felipe da Silva Freitas**
A Chacina da Jacarezinho deixa para trás um rio de sangue, mas deixa também duras provas do papel perverso das instituições na produção da violência. A operação que deu início a chacina ocorreu durante a vigência da decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu as incursões policiais em comunidades, determinando que as operações deveriam permanecer restritas aos casos excepcionais justificados, informados e acompanhados pelo Ministério Público.
Nas manifestações oficiais após o ocorrido o Ministério Público do Rio e o Ministério Público Federal questionaram o que chamam de “eventual” descumprimento da decisão do Supremo e a “suposta” prática de extermínio. Os documentos públicos emitidos por estas instituições afirmam que os fatos “parecem” graves e que há “indícios” de atos que poderiam configurar execução; tudo afirmado de modo indireto e hipotético como se não houvesse qualquer relato ou registro cabal sobre o que aconteceu.
No caso do Jacarezinho o Ministério Público alega que a cautela se deve ao necessário respeito à presunção de inocência. Muito diferente de como funciona no dia a dia do sistema de justiça criminal quando a retórica dos promotores criminais costuma expor suas convicções sobre a culpa dos acusados antes mesmo do curso do inquérito ou da oitiva das testemunhas.
Ocorre que “suposições”, “indícios” e “evidências” são palavras que não servem para exprimir o que efetivamente se sabe em relação a chacina do Jacarezinho. Fotos, vídeos, áudios, depoimentos, transmissões já apontam elementos que permitem identificar fatos e contabilizar resultados da operação. Das 21 pessoas investigadas apenas 3 foram detidas e outros 3 foram mortas. Pelo menos 13 dos 29 mortos não tem relação com os crimes investigados pela operação. Evidências são evidências e fatos são fatos.
A decisão do ministro Edson Fachin, confirmada pelo Plenário do Tribunal em agosto de 2020, buscava prevenir operações sem plano de controle de letalidade visando conter a escalada de mortes decorrentes de intervenção policial. Na ocasião, o plenário do Supremo afirmou que, nos casos extraordinários, as operações deveriam prover os cuidados necessários para não colocar em risco ainda maior a população.
As questões em debate, portanto não exigem grande conhecimento jurídico. São questões práticas, objetivas e legíveis por parte de todos. Era necessário, urgente e indispensável a realização daquela operação policial mesmo diante do risco de morte iminente? Não! Aquela reação policial visou preservar vidas e conter lesões à comunidade? Não! Nos casos de morte a cena do crime foi preservada pela polícia? Não! Foram adotadas medidas para limitar os efeitos negativos da presença policial na comunidade e para limitar o número de disparos, de invasões de domicílio e de destruição dos imóveis? Não. Portanto, não cabe ao MP deslizar sobre as palavras fingindo defender garantias constitucionais como se a operação não tivesse sido transmitida ao vivo pelas emissoras de TV e replicada à exaustão pelas redes sociais.
Não há proteção ao devido processo legal se recusarmo-nos a olhar para o que está acontecendo e se não há lealdade no debate travado na esfera pública.
É fundamental investigar, individualizar condutas, garantir o contraditório e ampla defesa, porém negar o que é fato público e notório não passa de cumplicidade macabra e corporativismo genocida. Quem defende a chacina do Jacarezinho precisa falar com todas as letras qual a sua posição e não se esconder numa verborragia jurídica que é tão letal quanto a bala de um fuzil.
Felipe da Silva Freitas** é doutor em direito pela Universidade de Brasília, integrante do Grupo de Pesquisa em Criminologia da Universidade Estadual de Feira de Santana e diretor do Projeto Justa.
Massacre no Jacarezinho é recado de grupos políticos para abrir mais espaço para a milícia
Originalmente publicado em 7 de maio de 2021 por QuarentenaNews. Por José Cláudio Souza Alves*
O que tivemos no Rio de Janeiro com essa operação é o que já vem acontecendo na Baixada Fluminense há bastante tempo. Mesmo com a ADPF do STF, que suspendeu as operações no período da pandemia, elas vêm acontecendo já algum tempo, provocando mortes seguidas numa área específica da Baixada, o Complexo do Roseiral, em Belford Roxo, onde desde 11 de janeiro já houve 20 mortos. Vale do Ipê, Lote 15, Itaipu e Bacia são comunidades que vêm sofrendo várias operações diariamente em função da colocação de um destacamento do 39º BPM naquela região. Isso que está acontecendo no Rio é a continuidade de um descumprimento dessa ADPF porque simplesmente as polícias civil e militar não respondem a ninguém. Têm autonomia e se comportam de acordo com os interesses delas. E nos dois casos, no Roseiral e no Jacarezinho, são operações contra uma facção específica do tráfico, que é o Comando Vermelho. Isso vem acontecendo há anos seguidos. Sempre foi o objetivo fundamental do aparato policial, que é afetar e destruir efetivamente essa facção. Esse é um projeto antigo e consolidado. Para a instalação de novos projetos do crime organizado naquelas áreas.
Tanto no caso do Roseiral como do Jacarezinho, o interesse é abrir espaço para os interesses da milícia. A polícia jamais fez uma operação dessas em áreas de milícias. A milícia já ocupa 57% do território da cidade. Jacarezinho virou um ponto chave. Por trás dessa ação, há interesse de um grupo armado – a milícia – que busca o controle eleitoral dos grupos políticos que estão no poder no Rio de Janeiro. Outra facção beneficiada será o Terceiro Comando Puro, que sempre negocia com a milícia. Já o Comando Vermelho é um óbice aos interesses desses grupos políticos, não se sujeita. Não se subordina porque tem suas próprias interações dentro do Estado. Daí há uma operação desse porte contra o Comando Vermelho, a favor da ampliação das milícias.
Em outubro de 2020, houve uma operação policial de porte na Baixada Fluminense, com cinco mortos em Nova Iguaçu e 12 mortos em Itaguaí. Foram mortos membros do bando do Ecko. A um mês das eleições. Foi um momento de ultrapassagem, indicando que fariam isso na direção do tráfico. Foi apenas um truque. O discurso hegemônico bandido bom é bandido morto é o que tem prevalecido. Seis meses depois, temos uma consolidação real das operações de massacre ao Comando Vermelho. Essa ação no Jacarezinho foi brutal, desrespeitando a lei e a norma do STF. É um ato de terrorismo do estado. Um sinal claro de que alianças entre o projeto poder político do governo e da prefeitura se associam. São grupos assassinos e cães de guarda dessa estrutura de poder em expansão no Rio com maior intensidade. Sempre foi assim, de acordo com o mapa da violência feito por pesquisadores. A operação do Jacarezinho, portanto, é um recado desses grupos armados: “Nós controlamos, vamos matar, pouco importa ADPF, STF, e atuar em função dos interesses do crime organizado chamado milícia”.
- José Cláudio Souza Alves é sociólogo e autor do livro “Dos barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense”.
Materiais sobre a mobilização contra o massacre
Vídeos sobre a chacina: informações, análises e mais
Memorial aos mortos da chacina
O Memorial aos mortos na Chacina do Jacarezinho foi um monumento erguido no dia em que completou-se um ano da maior chacina da história do Estado do Rio de Janeiro. Foi construído pela sociedade civil e derrubado poucos dias depois pela Polícia Civil. A ação de destruição do memorial foi fortemente criticada pelas entidades ligadas à defesa dos direitos humanos, compreendida como uma violência simbólica aos mortos e suas famílias.
Ver também
Memorial aos mortos na Chacina do Jacarezinho
Segurança Pública e Direitos Humanos - ADPF das Favelas (ADPF 635)