Memorial mulheres negras e faveladas na luta contra a militarização
Matéria originalmente produzida por Patrick Melo e publicada no IDMJR em julho de 2022.
Sobre
A história da humanidade tem se fundamentado em mitos e marcos distorcidos pela história dos vencedores, distribuída nos livros didáticos e grandes veículos de comunicação. A cartilha desonesta de mentiras contadas pela branquitude pode conter desde o apagamento de sociedades indígenas e quilombolas, à afirmação da abolição da escravatura como benesse da Princesa Isabel, ao mito da democracia racial e às cotas raciais como política de governos e não como fruto do processo de luta histórica do movimento negro brasileiro.
No último dia 29 de Julho, na semana em que se comemorou o Dia da Mulher Negra, Latinoamericana e Caribenha, a IDMJR em parceria com o Julho Negro lançou o Memorial Mulheres Negras e Faveladas na Luta Contra a Militarização, situado na Rua Visconde de Niterói, em frente ao Museu do Samba, na subida do Morro da Mangueira.
A luta contra a militarização historicamente tem sido liderada por mulheres negras e faveladas, enquanto o Estado se coloca em posição de ataque às nossas vidas, são elas que organizam suas comunidades no fronte de luta pela sobrevivência contra o racismo e a militarização. Segundo Glaucia Marinho, uma das homenageadas, a construção de memorial, além de celebrar a militância de cada uma, comunica que existem vozes contrárias ao poder constituído.
Para Gizele Martins a homenagem ratifica e reconhece a luta das mulheres que estão na linha de frente pelo direito a vida nos territórios netos e favelados, além de transformar as nossas lutas em memórias vivas.
Mais do que evocar nossas lideranças, nos posicionamos no sentido de homenagear em vida aquelas que carregam em seu corpo o exercício do direito de causar incômodo, de garantir constrangimento e o mal-estar à audiência branca, rica e cristã – como pontua Giselle Florentino – ainda em vida! Subvertendo a lógica de que nossas heroínas e heróis só serão rememorados depois de terem seus corpos tombados pela ação ou omissão do Estado.
Enquanto nos entregam à fome, subempregos, chacinas, encarceramento em massa, à falta de dignidade, temos construído memória, que além de demarcar nosso lugar diante da tentativa de controle sobre nossos corpos, deixa referências para aquelas e aqueles que virão depois de nós. O compromisso de espalhar memoriais com insubmissas mulheres negras e faveladas pela cidade, é também o de construir a história que nos foi negada, é cumprir o papel de fazer a manutenção de nossa resistência, nossos territórios e nossas vidas.
Nas palavras de Renata Trajano, foi um dia muito especial e importante para Nós Mulheres Pretas que seguimos na linha de frente. A luta segue árdua e muito dolorosa e seguimos resistindo. Seguiremos com “nossa escrevivência… não como histórias para ninar os da casa-grande e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”.
O enredo de 2019 da Estação Primeira de Mangueira, História para Ninar Gente Grande, diz: Brasil, meu nego deixa eu te contar, a história que a história não conta, o avessa do mesmo lugar, na luta é que a gente se encontra! E é deste lugar que resistiremos coletivamente contra a militarização e o racismo. Ser no muro da linha do trem, em Mangueira, traz outros sentidos, de ancestralidade e continuidade. De ligação entre territórios. Que o IDMJR pinte todos os muros dessa cidade! Somos muitas mulheres na luta contra o racismo e a militarização. Estamos em todas as partes! (Glaucia Marinho).
Segundo Patrícia Oliveira, é muito importante mostrar que são lembradas vivas! E seguiremos lembrando nossas heroínas em vida, para que as nossas e nossos, parafraseando Buba Aguiar, não sejam lembrados como sementes que germinam após tombar, mas sejam baobás que nos acolhem em suas copas nos momentos em que os dissabores de sobreviver em um Estado militarizado e racista nos cansarem, e que nos nutra com suas raízes fortes de quem resistiu e cresceu até aqui em luta, resistência e coletividade. É uma honra estar ao lado dessas mulheres de luta, obrigado a todas! (Evana Romão)
Chegou a vez de ouvir Patrícias, Giselles, Moniques, Evanas, Renatas e Glaucias. Como relata Monique Cruz: Apesar da tristeza e da dor que nos move na luta, é bom saber que não estamos sós e que colaboramos com algo que é muito maior que nós. É a nossa contribuição para a liberdade do povo negro.