Chacina da Penha - 20 de agosto de 2018
Pelo menos oito pessoas foram mortas na manhã da segunda-feira de 20 de agosto de 2018, em uma operação das Forças Armadas no complexo de favelas da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro. Durante a ação foram utilizados blindados, mais de quatro mil homens das Forças Armadas e 70 policiais civis mobilizados.
Autoria: Este trabalho é uma parceria entre os grupos GENI/UFF e CASA (IESP-UERJ) com o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
História
Desde o dia 16 de agosto, as favelas que integram o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, têm sido o alvo de uma operação ligada à intervenção federal no estado.
Segundo informações da Agência Brasil, na madrugada da última quinta-feira (16), algumas das regiões foram ocupadas por cerca de 250 integrantes do exército, da polícia militar e dezenas de policiais civis. A ação aconteceu após supostas denúncias de tráfico de drogas e outros crimes, mas o balanço não foi divulgado.
Na madrugada de segunda-feira (20/08/2018) a cena se repetiu. As favelas do Alemão, Maré e Penha acordaram cercadas por mais de 4,2 mil militares das Forças Armadas e 70 policiais civis, blindados e helicópteros. A polícia militar também auxiliou, mas os números não foram informados.
O resultado foram oito pessoas mortas no Complexo da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, durante a operação deflagrada pelo Comando Conjunto do Exército na madrugada desta segunda-feira (20). As equipes atuam também nos Complexos do Alemão e da Maré. As mortes foram confirmadas pelo CML (Comando Militar do Leste), mas as vítimas não tiveram suas identidades reveladas.
No início da tarde, porém, o coronel Carlos Frederico Cinelli, porta-voz do Comando Militar do Leste (CML), corrigiu o número de mortos dentro das comunidades (passando de oito para cinco).
Comércios e escolas não abriram, alterando completamente a rotina dos locais. Nas redes sociais, moradores e moradoras relataram situações de violência como, por exemplo, invasão forçada a domicílio sem mandado judicial, crianças tendo suas mochilas de escola revistada por homens do exército, celulares de moradores sendo averiguados, também sem mandado ou autorização.
Contradição nos dados divulgados
Inicialmente, fontes militares chegaram a informar que 14 pessoas morreram em decorrência da ação: oito dentro das comunidades e outras seis em um acesso à ponte Rio-Niterói.
No início da tarde, porém, o coronel Carlos Frederico Cinelli, porta-voz do Comando Militar do Leste (CML), corrigiu o número de mortos dentro das comunidades (passando de oito para cinco) e descartou que houvesse relação direta entre os mortos na ponte e as operações nas três comunidades.
Ainda pela tarde, as 15:34h, uma notícia foi publicada pelo jornal Brasil de Fato:
Foram registrados seis mortos, um militar que atuava na megaoperação e cinco suspeitos, mas denúncias apontam até 11 vítimas nas ações. A polícia disse que “vai investigar se as vítimas têm antecedentes criminais”.
Os militares fizeram vistorias e checaram antecedentes de moradores. Há também denúncias de que os militares estão abrindo os celulares e detendo pessoas.
De acordo com nota Comando Militar do Leste divulgado nesta manhã cerca de 550 mil pessoas estão sendo impactadas em 26 comunidades.
Letalidade
Em 5 meses, mortes pela polícia aumentam 38% (2017-2018)
O número de mortes provocadas por ações policiais no estado do Rio de Janeiro aumentou 38% nos cinco primeiros meses completos de intervenção federal no Rio de Janeiro, segundo dados divulgados pelo ISP (Instituto de Segurança Pública). No mesmo período do ano passado (2017), foram registradas 460 mortes contra 636 entre março e julho deste ano (2018), dado mais recente.
A intervenção federal na segurança, decretada em 16 de fevereiro de 2017 estava prevista para durar até 31 de dezembro, completou seis meses em 16/08/2018.
Fontes ligadas à intervenção federal interpretam o aumento da letalidade policial como uma consequência de ações mais fortes contra o crime organizado, que estariam tentando resistir às ações das forças de segurança para retomar áreas conflagradas. Críticos dizem que a polícia estaria agindo com mais violência.
Depoimentos - Fala dos moradores
Nas redes sociais, orientação é apagar mensagens dos celulares
Em um intervalo de quatro horas --entre 6h e 10h-- desta segunda-feira, o aplicativo Fogo Cruzado, que monitora conflitos armados no Rio, relatou tiros em seis localidades diferentes dos complexos da Penha, Maré e Alemão. Alguns desses tiroteios aconteceram em locais de grande circulação de moradores, como a praça do Inter, na Penha. No Facebook, moradores do bairro avisam, uns aos outros, quanto à iminência de novos tiroteios.
"Ouviu-se muitos disparos de arma de fogo próximo à região da Vila da Penha. No momento, helicóptero sobrevoa a região, mas sem disparo", diz uma postagem.
Na página Maré Vive, moradores do conjunto de favelas são orientados até mesmo em relação à maneira com que devem compartilhar informações de novos tiroteios.
"Limpem as mensagens dos seus celulares e ao informarem seus familiares sobre a situação da favela, tentem colocar mais informações nas frases, para evitar que revistem seu celular (o que é proibido) e acabem usando alguma frase sua para querer te acusar de informante ou alguma outra ligação com o tráfico!", diz o aviso.
Nos comentários moradores afirmam que tiveram suas casas invadidas por militares, no início da manhã.
"Acordei com eles no meu quarto. E tiveram a cara de pau de falar que eu deixei a porta aberta, às 5h50 da manhã", afirma uma moradora do Complexo da Maré.
A reportagem não recebeu uma resposta do Gabinete de Intervenção Federal quanto aos relatos de invasão de residências.
Denúncias
O Coletivo Papo Reto, que atua no Alemão divulgou uma nota em sua rede social informando que moradores dos Complexos do Alemão e Penha procuraram integrantes do coletivo para relatar que há corpos na mata que liga as duas favelas, mas que a Polícia Civil e o Exército não estão deixando os familiares se aproximarem.
O Papo Reto exigiu um posicionamento da Anistia Internacional e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) sobre o caso.
Já a organização não governamental Justiça Global publicou nota de solidariedade aos moradores das comunidades alvo da operação.
"Relatos apontam gravíssimas situações de abuso. Casas foram invadidas, celulares estão sendo revistados, e pessoas estão sendo detidas por participarem de grupos de WhatsApp que traziam alertas de segurança aos moradores. Por mais uma vez, aulas foram suspensas nas escolas das proximidades", diz a nota da Justiça Global.
Nota do Coletivo Papo Reto
“Nós do Coletivo Papo Reto exigimos um posicionamento imediato Anistia Internacional Brasil, do Marcelo Freixo e da Comissão de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, de outros órgãos públicos do campo dos Direitos Humanos e de toda a sociedade que sabe que esse tipo de atitude jamais construirá mudanças positivas na realidade da nossa cidade. Pelo contrário, alimenta ainda mais o caos!”
Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, afirmou em nota publica na página de Facebook da organização que “as autoridades devem agir para garantir uma investigação imediata, independente, imparcial e minuciosa das mortes decorrentes das operações policiais que ocorreram no Rio de Janeiro nesta segunda-feira (20)”.
O Comunicado reforça ainda que a letalidade das operações policiais aumentou muito durante o período da intervenção federal e é extremamente preocupante que essas mortes não estejam sendo investigadas.
De acordo com informações da plataforma Onde Tem Tiroteio (OTT), a última segunda-feira (20) registrou o maior número de tiroteios em um único dia no ano de 2018 no Rio de Janeiro: foram 43 casos em todo o estado.
Dados do aplicativo Fogo Cruzado, desde o início da intervenção federal no Rio, em fevereiro, já foram registrados cinco mil tiroteios na região metropolitana, o que significa um aumento de 61% comparado ao ano anterior.
Ocupação de espaço cultural
Também na segunda-feira, 20 de agosto, o Observatório de Favelas emitiu uma nota alertando que, durante a madrugada da segunda-feira, por volta das 5h20 da manhã, um grupo de militares do exército ocupou a Arena Carioca Carlos Roberto de Oliveira – Dicró, equipamento público de cultura que é o cogerido pelo Observatório há seis anos junto à Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.
Segundo a nota, parte da tropa mobilizada pela operação nos Conjuntos de Favelas da Penha, Alemão e Maré foram ao local sem aviso prévio ou qualquer documento em mãos que justificasse esta ação.
Fontes
https://www.brasildefatorj.com.br/2018/08/20/operacao-na-mare-penha-e-alemao-ja-deixa-8-mortos