Envolvido

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Revisão de 19h21min de 3 de setembro de 2019 por Carolina Rocha Silva (discussão | contribs)

Autores(as): Fatima Cecchetto, Rodrigo Monteiro e Jacqueline Muniz.

Envolvido. Envolvimento. Envolvido-com. A categoria envolvido-com apresenta-se como uma nova forma de rotulação criminal. Essa acusacao ocorre através da fabricação de nexos causais, descritos como suspeitos ou criminosos, entre as pessoas e suas interações. O termo cobre uma ampla área de classificação, indo do mundo da política ao chamado submundo do crime; mundos que produziriam respectivamente “bandidos” de colarinho-branco e comum. A bifurcação entre os mundos, entretanto, reitera uma visão repressiva sobre os jovens de favela ou de periferias. Estes, uma vez reconhecidos como envolvidos-com a criminalidade seriam os proprietários de vidas desqualificadas que dispensariam qualquer reabilitação. No universo das camadas populares, a engenhosidade da categoria envolvido-com parece encontrar um solo fértil para mobilizar vigilâncias difusas e controles ampliados sobre e entre os grupos sociais. Ela encerra regimes regulatórios que alimentam uma microeconomia para lidar com a acusação perene do envolvimento. Transparece nas narrativas dos rapazes e moças de favela como um anátema da condição territorial: “Na favela todo mundo é visto como envolvido”. O peso do estigma sócio-espacial é experimentado como uma dimensão chave em suas interações, afetando desde os deslocamentos pela cidade, o ir e vir de seus locais de moradia até os encontros com a polícia, a milícia e o crime. O “envolvido” distingue-se da categoria classe perigosa. Sua modernidade está na manifestação gerencial de um individualismo de mercado. Através dela se consegue o que nem Cesare Lombroso imaginava em sua ambição de classificar o tipo criminoso: por no banco dos réus a própria interação social. Se, por um lado, envolvido-com aparece como novidade na narrativa contemporânea de controle do crime, por outro lado, não há nada de novo na associação histórica de discursos criminológicos entre juventudes pobres e crime. Tem-se uma associação perversa, instantânea, há muito internalizada, entre jovem de favela e “crime organizado”. Narrativas a serviço do controle. Insinua-se uma moralidade específica que busca dar conta da trajetória desviante, suas causas e efeitos. O que serve para justificar distintas formas de intervenção corretiva, seja pela inclusão tutelada de alguns, seja pela exclusão deliberada de outros matáveis, seja pela indiferença diante dos muitos que não “fizeram por merecer” o projeto social salvador ou a morte redentora.