Chácara do Céu
Autoria: Diego Francisco.
Introdução[editar | editar código-fonte]
Ao cantar “como é linda a vista lá do meu Borel”, os autores do samba enredo de 2020 da Unidos da Tijuca só podiam estar se referindo à imensidão de Rio de Janeiro que se consegue avistar do alto do morro do Borel, que é onde fica a Chácara do Céu, favela com pouco mais de 2 mil habitantes e que tem uma história pra contar. Ao chegar no campo de futebol que marca o centro da Chácara do Céu a vista é de se espantar: de um lado, as montanhas do maciço da Tijuca e do outro os bairros da Tijuca, Andaraí, Grajaú e Vila Isabel, a ponte Rio-Niterói e o estádio do Maracanã, que parece disponível a um pulo.
Ao chegar na Chácara do Céu é possível pensar que você foi transportado para uma pequena cidade bem distante do barulho e da correria que se encontra numa cidade como o Rio de Janeiro. Na Chácara do Céu, atualmente existe um capela que foi desativada e se tornou um espaço de oferta de cursos e realizações comunitárias, tem a sede da Associação Projeto Roda Viva, uma creche Santa Mônica, parceria da Secretaria Municipal de Educação com a ONG Ação Comunitária e, a base da Unidade de Polícia Pacificadora que atende ao Complexo do Borel, desde 2010.
Muita luta e união[editar | editar código-fonte]
A ocupação da Chácara do Céu começou pelo menos quarenta anos depois do Borel, o fenômeno pode ser explicado pela distância da rua principal, a Rua São Miguel, a dificuldade de se estabelecer tão alto e o ainda pequeno desenvolvimento do Morro da Casa Branca, que depois vai estar interligado à Chácara do Céu, assim como Morro do Cruz, acessado pelo Andaraí.
Mas o nome Chácara do Céu vem ainda das primeiras décadas do século XX, quando imigrantes vieram em busca de trabalho e de uma vida melhor. Na parte mais alta do morro, morava um senhor português, João de Souza, mais conhecido como Zé do Bode. É comum ouvir a história de que ele tinha uma grande horta, com muitos legumes e verduras, além de criação de porcos, bodes e até cavalos. Segundo os membros mais antigos da comunidade, quando vinham comprar os seus produtos, as pessoas diziam: “Aqui parece uma chácara do céu”. Essa comparação acabou nomeando a comunidade.
O que não se sabe ao certo é o grau de veracidade desta história que se soma a muitos outros “mitos de fundação” da localidade. Mas é mesmo na década de 1970, com a chegada de organizações filantrópicas e da Igreja Católica, que é possível observar um movimento maior inclusive, de luta pela moradia.
Vale lembrar que neste período a organização do Borel e da Casa Branca já estavam mais consolidadas, assim como o histórico de lutas por direito à moradia no Borel, registrado em diversos trabalhos acadêmicos e no livro As lutas do povo do Borel, de Manoel Gomes. Enquanto isso, na Chácara do Céu tinha registro de pequenas moradias em condições mais precarizadas e até mesmo de um interesse especulativo sobre os terrenos no alto do morro. Cercada por vários morros, a Chácara possuía naquele momento uma das vistas mais bonitas da cidade. Conta-se que empresas queriam o espaço para a construção de um hotel.
Mas o que se estabeleceu ali foi uma comunidade de trocas bastante interessante que se ajudou muito no processo de permanência e na melhoria das condições de vida. Muitas casas foram erguidas sob mutirões animados. Da mesma forma foram pensados os primeiros sistemas de abastecimento de água, a partir das fontes nas matas.
Naquela época, a Chácara do Céu vivia quase que as mesmas dificuldades de uma pequena cidade do interior do país onde também não havia luz elétrica. Tudo o que os moradores podiam fazer era garantir a iluminação por meio dos lampiões de querosene.A construção das casas seguia o padrão das casas das primeiras favelas, assentadas em estuque, madeirite, zinco e sapê. Os moradores costumam lembrar da aflição que sofriam em dias de vento forte, quando havia o risco de as folhas de zinco que serviam de telhado voarem, deixando muitas casas descobertas.
Quando acontecia algo desse tipo, os moradores se organizavam para ajudar. No período das chuvas, o transtorno era ainda maior, pois, mesmo com o telhado, chovia no interior das casas. Muitos moradores lembram de que as famílias utilizavam fogão à lenha e contam também da dificuldade em ter de lavar roupas em uma bica que ficava na Rua São Miguel. Sempre fico pensando na distância que deveria ser muito maior, uma vez que hoje, com estradas pavimentadas e caminhos construídos, a distância é enorme para quem percorre a pé.
Favela-Bairro[editar | editar código-fonte]
É na década de 1990 que as intervenções urbanísticas chegam à Chácara do Céu com o programa Favela-Bairro. As mudanças foram muito significativas pois foi a primeira vez que o governo fez a implantação da rede de saneamento básico, levando água e esgoto às residências. Também foi ampliado o reservatório de água e construído o campo de futebol, emblemático e que antes era apenas um campinho de barro.
Outra intervenção importante foi a pavimentação do acesso que leva os moradores da Chácara do Céu ao bairro do Andaraí e a criação de uma estrada que a liga ao Morro da Casa Branca. Essa estrada é bastante famosa por ser pouco utilizada por veículos, uma vez que é muito íngreme. Com a pavimentação dos acessos, a Chácara do Céu está oficialmente ligada às favelas do Borel, Casa Branca e Morro do Cruz.
Unidade de Polícia Pacificadora[editar | editar código-fonte]
Em 2010, com a chegada da Unidade de Polícia Pacificadora ao Borel e que ligou às favelas ao que se convencionou naquele momento a chamar Complexo do Borel, a Chácara do Céu é escolhida como local para receber a sede da unidade, uma vez que dispunha de uma vista privilegiada e fácil acesso às outras favelas do “Complexo”. Até hoje a sede da UPP está localizada bem ao lado do Campo de Futebol da Chácara, onde foram realizados muitos eventos na fase de “ouro” das UPPs.
Batalha do Passinho[editar | editar código-fonte]
Em 2011 foi realizada na Chácara do Céu uma das etapas da Batalha do Passinho. O evento movimentou a favela e é sempre lembrado pelos moradores, que se queixam da falta de atividades culturais por ali.
Instituições da Chácara do Céu[editar | editar código-fonte]
Ação Comunitária Pró-favela Dr. Marcelo Cândia[editar | editar código-fonte]
A ONG Ação Comunitária Pró-Favela nasce da necessidade de assumir as obras sociais lideradas pela Sociedade Beneficente São Camilo. O que antes era um dos projetos da Sociedade, tem a necessidade de se institucionalizar quando o professor Olinto Pegoraro deixa a Igreja. A Associação mantém convênio com a Secretaria Municipal de Educação e mantém as creches Santa Mônica no Borel, com duas unidades e na Chácara do Céu, com uma unidade. Durante alguns anos manteve o projeto Curumim, de apoio e reforço escolar no Borel. Sem recursos, o projeto foi encerrado. A coordenadora da instituição é Claudia Sabino, conhecida como “Dão”.
Associação Projeto Roda Viva[editar | editar código-fonte]
A Associação Projeto Roda Viva foi criada em 1986 e institucionalizada em 1989. Localizada na Chácara do Céu, atuou em parceria também no Borel com a Ação Comunitária Pró-favela no projeto Curumim. A iniciativa de um grupo de professores/as teve seu início com atividades de reforço escolar para crianças, mas ao longo dos anos já ofereceu projetos para jovens, mulheres e par aa terceira idade com ações voltadas para a educação continuada ou reforço escolar e profissionalização. A instituição tem um longo histórico de atuação no Borel e já ganhou duas edições do prêmio Itaú-Unicef.
A instituição trabalha por meio de núcleos temáticos e promove desde sua fundação as atividades do Núcleo de Educação Integral, com ações socio-pedagógicas e culturais dirigidas a crianças e adolescentes oriundas do ensino fundamental público.Composto por oficinas de Apoio Pedagógico, Arte e Educação, Cultura Musical, Esporte e Entretenimento, Cultura Digital, Capoeira, Dança e Expressão Corporal, Teatro e Contação de Histórias.
No núcleo de Inclusão Sócio-produtiva, que foi criado pensando na formação de pessoas para a identificação e aperfeiçoamento de habilidades que possibilitem, através do uso de diferentes ferramentas e metodologias, o desenvolvimento de iniciativas que incluam a produção de bens e serviços como caminho possível para a geração de trabalho e renda. É possível encontrar cursos de qualificação profissional para jovens e adultos nas áreas de panificação, beleza e moda.
Uma das ações que a instituição acredita ser mais importante, diante do contexto de vulnerabilidade social em que atua é o atendimento psicossocial em que oferece atendimento de profissionais da Psicologia e do Serviço Social, com intervenção voltada para a garantia dos direitos sociais da população local. Os profissionais intervêm de forma transversal com os outros núcleos da instituição, tendo como objetivo dar apoio as crianças, adolescentes, familiares e educadores, através de visitas domiciliares, atendimento psicoterápico individual e em grupo, reuniões com responsáveis e estímulo à participação nas atividades que a Roda Viva oferece.
Cícero dos Santos – doador do terreno que deu origem à Igreja de São Sebastião[editar | editar código-fonte]
Relato extraído do Livro História das Favelas da Grande Tijuca
Nascido em Campina Grande, cidade da Paraíba, veio para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Ao chegar em 1969, foi morar na Chácara do Céu. Ele nos conta que, quando chegou à Chácara do Céu, havia cerca de dez casas, e o resto do morro era só mato. Lembra-se de que só existiam alguns poços d’água, mas muitos deles com água salobra, que não servia para beber.
Para conseguir água que pudesse ser usada, era preciso descer até a ladeira, já na mata do Borel. Segundo ele, as pessoas chegavam de madrugada com seus vasilhames e formavam uma fila enorme. Havia gente que chegava às seis horas da manhã e só saia de lá depois do meio-dia. Esse problema só foi resolvido na segunda gestão da associação de moradores(as), a partir de 1975, quando as pessoas se organizaram, pressionaram a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae).
E o sr. Cícero participou ativamente dessa luta e sempre encabeçava as passeatas. Nessa ocasião, seu Cícero representava a Chácara do Céu na Associação de Moradores do Borel. Ele participou ativamente do mutirão que trouxe água da mata para dentro da comunidade, que teve que percorrer cerca de três quilômetros. Seu Cícero também se lembra de que, em dias de chuva, a Chácara do Céu ficava totalmente sem comunicação, em virtude do difícil acesso, e muitas vezes teve que ajudar pessoas doentes que precisavam descer acamadas ou em cadeiras, pois nenhum veículo conseguia chegar ao local.
Outro fato importante recordado por seu Cícero é a primeira missa rezada na Chácara do Céu, que se realizou na sala da sua casa pelo padre Olinto Pegoraro. Segundo relata, o padre chegou e perguntou se havia algum lugar onde pudesse rezar uma missa. Seu Cícero, então, ofereceu sua casa. Isso se repetiu durante quase um ano, até que uma oportunidade de mudança de local surgiu. O padre Olinto comprou um barraco em cujo terreno seu Cícero, algum tempo depois, iniciaria a construção da Igreja de São Sebastião.