Batalha do Tanque - São Gonçalo

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A Batalha do Tanque também chamada de Roda Cultural trata-se de um duelo de MCs que através de batalhas de freestyle (estilo livre), disputam com rimas improvisadas, conta também com outras atividades públicas, como shows e teatro. É realizada na Praça dos Ex-Combatentes no bairro do Patronato em São Gonçalo-RJ. Teve início no ano de 2011 por meio da Associação Jovem Gonçalense (AJOG).

Autoria: Camilly Noleto

Destaque para Luã Gordo e Romário Régis que estiveram juntos de forma pioneira como fundadores e organizadores da Batalha do Tanque. A AJOG é um órgão que busca mapear as demandas e executar políticas públicas para a juventude. Com uma forma específica de agir e se comunicar com os jovens, eles traçam o novo perfil e realizam campanhas de conscientização nas escolas, grupos e associações para garantir seus direitos, crescimento social e seu lugar nos planos do governo vigente. A justificativa da escolha desse tema para um Verbete, no Dicionário da Marielle Franco se dá por dois motivos:

O primeiro – Apesar da Roda Cultural não estar localizada dentro de uma favela ela tem por objetivo reunir jovens de 16 a 29 anos, moradores das favelas que não tinham acesso a nenhuma forma de entretenimento próximo a sua realidade e precisavam se mobilizar, se deslocar até outros lugares que oferecessem tais atividades, por exemplo a Batalha do Real que acontecia na Lapa-RJ. Surgiu então a necessidade de criar práticas que propagassem e estimulassem a cultura local. A Batalha do Tanque se tornou o principal e o maior destaque do evento.

O segundo – Devido a criminalização da cultura urbana, ou seja, criminalização do Funk, Hip Hop, pinturas, grafites, do Rap, do skate, entre outros.

A 1° edição da Roda Cultural ocorreu no dia do Meio Ambiente com o intuito de pensar em maneiras para contribuir, cuidar e conservar o meio ambiente, logo a proposta era além da cultura urbana. Naquele dia foram distribuídas mudas de plantas oferecidas pelo Instituto Nacional do Ambiente (INEA) e o Secretário da Cultura daquela época, Carlos Ney, liberou o espaço para a realização do evento. É importante enfatizar que em 10 anos a batalha nunca contou com o apoio da prefeitura, nem com investimentos ou parcerias. Sempre foi uma mobilização dos jovens de SG liderada pela a AJOG.

Entre muitos dos jovens que participaram e se destacaram na Batalha do Tanque podemos citar: Flávio César Castro, conhecido artisticamente por Orochi. Iniciou sua carreira musical e profissional a partir da Batalha do Tanque. Orochi é um jovem negro, de 23 anos e que hoje é considerado um dos rappers brasileiros mais acompanhados. Na época era morador do bairro Vila Lage que fica localizado em Neves, SG. Importante enfatizar que esse bairro foi construído no ano de 1920, para abrigar os trabalhadores do estaleiro da Costeira S/A do famoso empreendedor Henrique Lage. Também chamada de “Vila Operária” as casas foram construídas a mando de uma fábrica local para que ali seus funcionários pudessem morar. Além dele temos também o rapper Maurício Lourenço (mais conhecido por Pelé MilFlows), nascido na cidade do Rio, mas criado em São Gonçalo, na Trindade e o João Marcelo (Choice Mc) de 24 anos, morador do bairro Caramujo, em Niterói e que deixa claro em suas letras a revolta pelo sistema educacional: “A escola me reprovou de série, mas a rua me aprovou pra ser representante dela”. Após ter repetido de série por conta de um décimo, Choice abandona a escola e se dedica a outras áreas, se encontrando no meio musical. Outros artistas como Negro Drama, Samurai Mc, Estudante e Jhony Mc também participaram e repercutiram dentro da batalha.

A Batalha do Tanque foi como um “ponta pé” inicial para o fortalecimento do Rap nacional, que aos poucos conquistava o seu espaço, ganhava o amor e a admiração do público, de sua maioria jovens e adolescentes moradores de favelas e comunidades, meninos e meninas pretos que se reconheciam e se identificavam com as rimas e as letras. Alguns grupos como Modéstia Parte (composto pelo Orochi, Azevedo e Maquiny) e a 1Kilo que contava com a participação do Pelé se formaram e arrastaram multidões em seus shows, fazendo sucesso entre os fãs. O que há de comum no discurso desses artistas é que todos eles enxergaram na Batalha do Tanque uma oportunidade de ascender socialmente, realizar o sonho da casa própria, de construir e seguir uma carreira artística e proporcionar um futuro melhor para si e suas famílias. Todos eles buscam e lutam pelo reconhecimento, valorização e expansão do Rap nacional e da cultura urbana no geral.

Em uma entrevista transmitida pelo Youtube no canal Podpah a rapper Isabela Oliveira (Azzy), de 20 anos conta um pouco da sua história de superação, as dificuldades que passou durante a sua infância e adolescência e como desde nova aprendeu a se virar sozinha. Azzy foi vítima de abuso sexual e fugiu de casa aos 12 anos, sem ajuda ou apoio de ninguém, sem ter o que comer e onde morar, ela se encontrou na vida do crime, onde permaneceu por dois anos e meio. Ela conta como foi descobrir a existência da Batalha do Tanque “largava o plantão e ia para a batalha”, o apoio que recebia dos próprios traficantes que diziam que ela levava jeito e tinha talento para batalhar. Ela conta também como foi o processo de inserção nesse meio, questionava a sua capacidade e se ela realmente um dia poderia fazer parte daquilo, já que era um ambiente fechado e machista, diz que “se é difícil para homem imagina para mulher”.

Desde a infância Azzy já demonstrava seu talento e conexão com a cultura hip-hop. Quando criança, a artista já amava escrever poesias e chegou a fazer street dance, valsa e balé. Por volta dos seus 12 anos, a paixão de Azzy pela rimas só crescia e com isso a cantora foi a primeira mulher a participar das batalhas no Horto do Fonseca, em Niterói (RJ). Apesar de sofrer violência de gênero e muitos insultos machistas nas batalhas, a sua determinação a fez continuar, e foi em uma dessas disputas que Azzy conheceu seu produtor e foi apresentada para a ara a Pinapple Storm Records – gravadora do “Poesia Acústica”, projeto em que a cantora fez três participações e ficou ainda mais conhecida dentro da indústria musical.

Em uma de suas músicas, “São Gonçalo” – o seu lugar de origem, lançada em agosto de 2021 – Azzy retrata o machismo sofrido no meio musical “até entendo vocês odiarem uma mina rimar melhor do que vocês. Deve ser difícil ter que aceitar uma mina ganhar o mesmo que vocês”, mas também o sucesso que alcançou através da sua persistência e luta “de São Gonçalo para o mundo, você não queria, mas eu vinguei. Do poço eu vim lá o fundo”. Azzy é mais uma prova de que a arte salva e pode abrir portas. Hoje ela é uma das cantoras mais reconhecidas do Rap nacional, sustenta seus 2 filhos com o seu trabalho, participou de um dos projetos mais famosos da cena, Poesia Acústica e inspira diversas outras meninas com a sua voz feminina em um meio que ainda precisa de mais mulheres e representatividade.

O Rap e o Hip Hop são gêneros que tem influência direta na organização de manifestações sociais, culturais e políticas que se articulam entre os jovens negros e a população periférica, que se pronunciam contra o capitalismo, colonialismo e imperialismo, denunciando o racismo, a desigualdade e a segregação, contando a história na visão dos oprimidos. Essas manifestações emergem e se desenvolvem nas ruas, favelas e comunidades, onde os próprios moradores e todos aqueles que participam são considerados “classes perigosas” e uma ameaça à ordem social e moral. Por isso alguns eventos como a Batalha do Tanque, por exemplo, são relacionados a criminalidade, marginalidade e desorganização. Dessa forma a favela, os favelados e suas produções devem ser contidos e controlados, assim como o modo de vida dos moradores e trabalhadores.

A cultura urbana se torna alvo da opressão e violência policial frequentemente, pois tudo o que se desenvolve no meio da população pobre, preta e periférica precisa ser repreendido e atacado. Assim como ocorreu em Santa Catarina no bairro Guanabara, em Joinville com integrantes do “Rimas do Ghetto” que afirmam que dois participantes do evento foram agredidos pela Polícia Militar e vítimas de racismo. O mesmo ocorreu em maio desse ano em Cabo Frio – RJ, quando policiais militares que chegaram na batalha atirando, após denúncias e reclamações da vizinhança por conta do barulho, alegando o uso de drogas e brigas no local. Uma pessoa saiu ferida. O rapper L7 se pronunciou em suas redes repugnando a atitude dos policiais “Rap não é crime, batalha de rap não é um confronto com arma, nem pessoas instruindo as crianças a largarem a escola e entrar para boca, pelo contrário, muitas dessas crianças deixam de se envolver no crime para tentar viver da música, para tentar dar certo assim como eu e vários irmãos tem sido exemplo e referência para milhares de pessoas, mostrando que é possível seguir e fazer dinheiro de uma forma honesta e fazendo o que ama, isso tem que acabar (...)"

O rapper Orochi em sua música “Nova Colônia” que contou com a ajuda da sua professora de Português e Redação Mônica Rosa para escrever a letra, fez uma dura crítica à forma como o governo e a sociedade enxergam a cultura nas favelas. Conta que ao fazer um show na favela e postar nas suas redes sociais se tornou notícia na televisão como se estivesse fazendo “um show para o tráfico”. “Eu vi aquilo e fiquei pensando: então quer dizer que a gente não pode cantar na comunidade porque é show para o tráfico? Agora não tem morador na favela? Não tem “menorzada” que gosta de rap e quer ouvir? A mulherada que vai para o baile também, gente que não tem dinheiro para ir em boate de playboy? Era um evento de hip-hop e os caras vêm chamar de “show para o tráfico”. Aí não. Eu vim castigando na letra mesmo.” A imagem negativa e preconceituosa da favela se dá pela “grande mídia que tem mostrado: vandalismo e irregularidade. Já o Estado e seus agentes mostram destruição do patrimônio público, desacato à autoridade, incômodo à vizinhança e atividade ilegal”.

A Batalha do Tanque resistiu a repressão, à falta de reconhecimento do estado, de estrutura ou apoio do mercado. Devido a sua força, é a primeira vez em dez anos que recebe apoio do poder público, que promete oferecer estrutura e segurança para sua realização. É necessário perceber que somente agora, depois de tanto tempo o evento passa a ser reconhecido e legitimado pelo município, o interesse surge quando diversos artistas alcançam o sucesso através da batalha e crescem economicamente. Não se pode confirmar que o evento seja uma ação contra hegemonia de acordo com a definição de Gramsci sobre os aparelhos privados de hegemonia. Mas apesar disso pode assumir um caráter educacional e emancipatório por ser uma ferramenta de transformação social. Atualmente, a batalha acontece semanalmente, às quintas feiras e segue sob a organização do Felipe Gaspary.

Referências

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