Mapa da Desigualdade da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Mapa da Desigualdade é uma publicação de 2023 da Casa Fluminense que reúne um conjunto de indicadores socioeconômicos sobre os municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a partir da análise de bases governamentais e empresariais e da Geração Cidadã de Dados (GCD), organizados pelas justiças econômica, racial, de gênero e climática.
Apresentação
No marco de seus 10 anos, a Casa Fluminense lança a 4a edição do Mapa da Desigualdade. A publicação busca retratar em dados a realidade dos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Os mapas são o resultado de consultas a diferentes bases de dados públicas, pesquisas e do esforço da Casa Fluminense junto com organizações parceiras que colaboraram na Geração Cidadã de Dados. Nesta nova edição, além da tradicional publicação, a Casa traz como inovação a possibilidade de navegação pelos dados por meio da plataforma ArcGis Online, em que os usuários terão acesso aos dados absolutos, mapas interativos e tabelas disponíveis para download.
O Mapa da Desigualdade é uma ferramenta de monitoramento de indicadores e de incidência política que já inspirou a construção de Agendas Locais, formulação de políticas públicas e pautas nas mídias. A publicação vem se estabelecendo como um material de referência tanto para a sociedade civil quanto para os tomadores de decisão que estão preocupados com as desigualdades da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Apesar das inovações presentes, esta edição exigiu criatividade e esforço maiores para superar desafios de escassez e desatualização de dados que, embora antigos e presentes nas edições anteriores, se agravaram nos últimos anos. A dificuldade de obtenção de dados pelo Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (e-SIC), garantida pela Lei de Acesso à Informação (LAI), e, até mesmo, a inconfiabilidade de alguns dados oficiais. O cenário da transparência de dados públicos se tornou muito pior a partir de 2019, com a entrada de um governo federal com discursos anticiência, ações antidemocráticas e de ocultamento de informações públicas[1].
O Censo Demográfico, pesquisa mais importante do país que é realizada a cada 10 anos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi atrasado duas vezes pelo antigo governo. O censo é uma das mais importantes ferramentas orientadoras de políticas públicas que apresenta uma radiografia detalhada de todo o povo e território brasileiro. Sua realização só foi possível devido a uma determinação judicial do Supremo Tribunal Federal, obrigando a União a realizá-lo.
Com o início da pesquisa em 2022, após referida determinação, um novo desafio surgiu. Mesmo com o Decreto no 73.177, de 20 de novembro de 1973, que garante a obrigatoriedade de prestação de informações estatísticas ao IBGE e o sigilo às informações prestadas, uma significativa parcela da população se negou a receber os recenseadores e responder ao questionário devido a uma onda de fake news sobre o censo e de discursos que descredibilizam a ciência. O que acabou comprometendo a qualidade dos dados. Assim, com dois anos de atraso, um questionário mais enxuto e inúmeros desafios, somente agora, em 2023, que os primeiros resultados estão sendo publicados. Ainda há um longo caminho até que todos os dados sejam divulgados, o próprio IBGE comunicou que o prazo para a divulgação completa dos dados será até 2025.
Esse cenário trouxe sérios impactos para o país. Sem informações atualizadas, a elaboração de políticas públicas voltadas para a melhoria de vida da população fica defasada e o desenvolvimento científico do país também não avança.
Na escala estadual, outro importante órgão de pesquisa e estatística, o Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Ceperj), também sofreu com o desmonte de suas funções. O órgão — que tem como uma de suas funções “produzir conhecimento e informações estatísticas”3 e é responsável pela Infraestrutura de Dados Espaciais do Estado do Rio de Janeiro (Iderj), uma plataforma que abriga a maior infraestrutura de dados georreferenciado do estado — foi transformado em um grande cabide de emprego com indícios de fraudes, lavagem de dinheiro e funcionários fantasmas.
O desmonte de importantes órgãos de pesquisa como o IBGE e o Ceperj ocorreu em meio à pandemia da Covid-19 que assolou o mundo. No momento em que se ter informações precisas sobre a população era crucial para implementar medidas efetivas de controle e redução de danos causados pela doença. É nesse cenário marcado
pela desinformação e incertezas que vimos agravar uma lacuna que persiste desde as edições anteriores: a falta de informações específicas de populações historicamente vulnerabilizadas, tais como os povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e a população LGBTQIAPN+.
Não há dados sobre identidade de gênero e orientação sexual da população para a construção de indicadores que possam orientar políticas públicas mais efetivas, isso contribui para a invisibilização e fortalece a LGBTIfobia. Olhando para esse cenário, o Mapa da Desigualdade alinha sua análise, suas justiças e eixos aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Cabe destacar que, a Casa Fluminense contribui anualmente, como ponto focal do ODS 11,5 para a construção do Relatório Luz, documento elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030/GTSC A2030), que monitora a implementação dos ODS no Brasil.
É com esse olhar para o contexto das desigualdades estruturais e conjunturais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro que o Mapa da Desigualdade busca se apresentar como um relevante instrumento de monitoramento, capaz de ampliar o entendimento do público não especializado sobre indicadores oficiais e da Geração Cidadã de Dados, através de uma visualização simples e intuitiva em diferentes escalas, ampliando o debate sobre as políticas públicas e o enfrentamento à desigualdade.
Lista de indicadores
Justiça Econômica
Justiça Racial
Justiça de Gênero
Justiça Climática
Encaminhamentos
A construção de um instrumento de monitoramento como o Mapa da Desigualdade exige um exercício contínuo de levantamento e análise de dados para a produção de informações que fomentem a produção de diagnósticos territoriais. A partir desse esforço de pesquisa se evidencia, muitas vezes, a falta de dados atualizados nas escalas municipais e com recorte de diferentes marcadores sociais para a produção de políticas públicas no nosso país.
A falta de bases de dados que divulgam informações sobre identidade de gênero, os atrasos na realização do Censo Demográfico, as diversas respostas negativas em pedidos de informação via Lei de Acesso à Informação e a necessidade de bases atualizadas para acessar informações municipais de diferentes temas representaram apenas alguns dos desafios da construção desta publicação.
Com o foco em produzir análises interseccionais, sempre que possível foram apresentados mapas que cruzam informações de sexo e cor, o que evidenciou que, em geral, as mulheres negras constituem grande parte da população mais vulnerabilizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, pois são maioria nos domicílios improvisados, recebem cerca de R$ 2 mil a menos que homens brancos nos empregos formais, entre outros indicadores que expressam a grande desigualdade entre diferentes grupos populacionais numa mesma metrópole.
Trazendo um olhar mais detalhado para os quatro capítulos apresentados, é possível identificar alguns destaques importantes. Em Justiça Econômica, em comparação com o último Mapa da Desigualdade, identificou-se que mais da metade dos moradores do estado e região metropolitana está inadimplente, houve piora nos índices de coleta e tratamento de esgoto, um aumento no número de municípios com sobrecarga no atendimento de seus CRAS, além de uma paralisação de obras públicas na ordem de R$ 278 milhões no estado do Rio de Janeiro.
Em Justiça Racial se identificou que houve aumento percentual no número de pessoas negras assassinadas pelo estado em 10 municípios nos anos de 2019 e 2022. Foi visto também que a disparidade salarial nos empregos formais entre brancos e negros aumentou em 15 municípios, entre 2018 e 2021. A população negra da metrópole também constitui a maioria do público que vive em domicílios particulares improvisados.
No capítulo da Justiça de Gênero foram vistas mais desigualdades, principalmente após os cruzamentos de raça e sexo. Isso porque as mulheres negras são maioria tanto dos que vivem em pobreza e extrema pobreza e dos que vivem em domicílios improvisados. Contudo, ainda é um desafio pensar em diagnósticos territoriais na perspectiva da identidade de gênero, pois as bases de dados públicas não possuem essas informações. Nesse sentido surgem iniciativas de Geração Cidadã de Dados, como o dossiê da Antra, para mapeamento da violência de gênero no estado.
Os danos causados por eventos relacionados às chuvas são um dos destaques no capítulo de Justiça Climática. Mesmo com uma subnotificação, se identificou que mais de 2 milhões de pessoas foram afetadas diretamente no estado nos últimos dois anos. Foi visto que o racismo ambiental se faz presente na educação, pois existem pelo menos 76 escolas públicas na região metropolitana sem água, esgoto, energia elétrica e/ou alimentação para os alunos. Por fim, a falta de áreas verdes em alguns municípios da metrópole também chamou a atenção, principalmente na Baixada Fluminense.
As análises apresentadas no Mapa da Desigualdade dão visibilidade para a realidade desigual da população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. É a partir do monitoramento sistemático dos indicadores socioeconômicos, que é possível a criação e/ou a reformulação de políticas públicas capazes de reduzir as desigualdades aqui expostas.
A partir das quatro Justiças e dos 10 eixos temáticos que orientam a nova edição do Mapa e da Agenda Rio 2030, este documento oferece importantes indicadores para a elaboração de análises aprofundadas sobre o contexto das desigualdades e para construção de caminhos para sua superação, inspirando debates, pesquisas, projetos, ações e políticas públicas que busquem Justiça Econômica, Justiça Racial, Justiça de Gênero e Justiça Climática para a população da metrópole.
Mapeamento completo
- ↑ Para lidar com o apagão de dados, a Casa constrói com ciência cidadã, a metodologia participativa de Geração Cidadã de Dados, produzindo dados a partir das visões e vivências de moradores, coletivos e organizações territoriais. Um dos grandes marcos desse trabalho foi a criação da metodologia e plataforma do Cocôzap, produzido em parceria com o Data_Labe.