Conselhos Comunitários de Segurança (CCS-ISP)
O verbete situa e discute os Conselhos Comunitários de Segurança (CCS), no contexto do estado do Rio de Janeiro e, mais especificamente, na interação rotineira de encontros realizados na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Informações reproduzidas a partir da Tese de Doutorado da autora, "Casos de polícia e redes de política: uma análise das políticas de segurança pública a partir da Zona Sul do Rio de Janeiro", defendida em 2022.
Autoria: Clara Polycarpo[1]
Sobre[editar | editar código-fonte]
A Constituição Federal de 1988, promulgada em conjunto com a sociedade civil, criou conselhos nas áreas de saúde, educação e assistência social, como instâncias consultivas ou deliberativas, que estabeleceram canais permanentes de diálogo entre o poder público e a população, na formulação e no acompanhamento de políticas públicas, permitindo assim um entendimento mais aprofundado das demandas sociais e um controle social das atividades estatais, porém, não na área de segurança. Posteriormente, surgiram conselhos em outras áreas, por força de leis, e essas iniciativas alcançaram a área de Segurança Pública. A Constituição do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, promulgada em 1989, previu a criação de um Conselho Comunitário de Defesa Social, com a finalidade de assessorar os órgãos de segurança pública. Em 1999, portanto, a partir da Resolução SSP Nº 263, de 26/07/99, novas premissas passam a nortear as ações do governo estadual nessa área. As diversas iniciativas de modernização e reaparelhamento das forças policiais tiveram como base a intenção de uma repressão qualificada associada a uma preocupação com resultados. A mesma Resolução da SSP Nº 263 que cria as AISP também cria os Conselhos Comunitários de Segurança (CCS).
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (2012) , as políticas voltadas para a área de segurança pública no estado do Rio de Janeiro nas duas últimas décadas do século XX poderiam ser comparadas a um pêndulo que ora concentrava suas ações na repressão indiscriminada, ora enfatizava uma prevenção descompromissada com resultados objetivos (SOARES, 2000)[2]. Porém, na realidade, mais que um pêndulo (MISSE, 2019)[3], há uma coexistência de políticas de segurança repressivas e ostensivas – dependente, portanto, do território (e dos corpos) em que serão implementadas. Desde os anos 1980, o Brasil – e, de maneira mais macro, a América Latina, tem buscado reorientar suas Polícias em torno da ideia de participação comunitária. Alejandra Luneke, Lucia Dammert e Liza Zuñiga (2022)[4] apontam que os processos de reforma política ocorridos na América Latina respondem a três fatores histórico-políticos: 1) o processo de democratização ocorrido durante as décadas de 1980 e 1990; 2) o aumento acentuado dos delitos comuns (crimes comuns) vividos em quase todos os países latino-americanos; e 3) transformações do Estado centradas na limitação do tamanho do aparelho político, na privatização de empresas públicas, na descentralização de funções para governos locais e regionais . Neste sentido, considera-se o papel da racionalidade neoliberal como programa de governo deste novo projeto, alargando a ideia de participação para agentes públicos e privados na coprodução das políticas públicas. As diversas iniciativas de modernização e reaparelhamento das forças policiais, por exemplo, tiveram como base a intenção de uma repressão qualificada associada a uma preocupação com resultados.
A ideia central do novo modelo de gestão passa a ser a Área Integrada de Segurança Pública (AISP). Ela busca compatibilizar geograficamente as áreas de atuação das forças policias, permitindo assim delimitar mais claramente as responsabilidades e o desempenho dos gestores da segurança pública em cada área. Cada AISP corresponde à área de um batalhão de Polícia Militar e uma ou mais Delegacias Distritais. A mesma Resolução da SSP que cria as AISP também cria os Conselhos Comunitários de Segurança. A visão que a sociedade tem de segurança pública vem ultrapassando os limites de atuação das instituições policiais, sendo comum, em reuniões de Conselhos Comunitários de Segurança (CCS), demandas por melhoria de saneamento básico, da ocupação ordenada do espaço público, do cumprimento das posturas municipais, da prestação de serviços públicos de boa qualidade na saúde, na educação, na cultura, no esporte e no lazer da população, dentre outros temas.
Nesse contexto, os Conselhos Comunitários de Segurança propõem a integração das instituições policiais com a comunidade e desta com a polícia, buscando restituir a credibilidade e transmitindo confiança e sentimento de segurança, sendo responsáveis por identificar e analisar os problemas locais, sugerindo soluções e avaliando as respostas e/ou as soluções dos problemas demandados. A participação dos Conselhos nas questões da segurança pública tem caráter consultivo e por isso, as observações, críticas, sugestões e propostas são consideradas pelos representantes das polícias não como obrigação de fazer, mas como uma contribuição relevante sobre os anseios da sociedade com relação a determinados assuntos, que podem ajudá-los, por exemplo, na tomada de uma decisão estratégica. A depender das demandas e dos demandantes, porém, alguns assuntos são tomados como prioritários. Uma ampla bibliografia discute os limites de atuação dos Conselhos Comunitários que seriam causados, em parte, pelo voluntariado imposto aos seus dirigentes – agentes de segurança e representantes de associações de bairros, principalmente –, pela não capacitação de seus conselheiros, pelo baixo grau de participação social e de representatividade de movimentos sociais diversos, pela falta de transparência das informações em relação a seus membros e dirigentes coordenados verticalmente, e pelas concepções oportunistas de muitos de seus integrantes que veriam estes espaços como meios para realização de objetivos particulares (TATAGIBA, 2005[5]; MIRANDA, 2008[6]; MORAES, 2009[7]; AZEVEDO; CAMPOS; LIRA, 2020[8]).
De todo modo, o trabalho desenvolvido pelos Conselhos Comunitários de Segurança (CCS), integrados, em 2004, ao Instituto de Segurança Pública (ISP) no Rio de Janeiro, pode ser percebido e reconhecido através da adesão de novos membros efetivos: representações de associações de bairro, de clubes de serviço, de sindicatos, do comércio, da indústria, de bancos, de estabelecimentos de ensino, dentre outras entidades públicas e privadas, além dos cidadãos que residem, trabalham e/ou estudam na localidade atendida. A utilização e divulgação de estatísticas de criminalidade para a população é uma das estratégias das forças policiais de demonstrar a profissionalização das ações do estado na direção do combate à “guerra” urbana e, neste sentido, parece envolver novos atores. Ou seja, abrindo um canal direto da sociedade civil com as diferentes Polícias, o papel na implementação e avaliação de políticas na área de segurança pública passa a ser de grande importância para as camadas mais politizadas da população. E, dessa forma, a localidade é produzida e reproduzida através dos anseios de seus representantes de bairro.
A partir destes canais de diálogo abertos com os órgãos públicos – como as Polícias e as Secretarias municipais e estaduais, por exemplo –, a sociedade civil organizada pode ser melhor acompanhada através dos Conselhos Comunitários de Segurança. Nesta observação, é possível compreender e analisar as atualizações das representações coletivas, por denúncias e demandas, bem como avaliar as instituições envolvidas e seus papéis, a fim de entender melhor os interesses que circundam as políticas de segurança para as Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP). Nestes Conselhos, por conseguinte, é possível também observar o perfil dos cidadãos envolvidos em tal debate, além de seu posicionamento político frente a algumas questões pontuais e/ou tangenciais para além da área de segurança pública, especificamente. É nas arenas e no debate público que a política, de fato, se faz, e os reais interesses são, a partir dos papéis ali representados e da situação assim delimitada, colhidos.
Aqui, mais uma vez, a estrutura social é demonstrada por meio dos papéis de representação colocados em debate: como membros e/ou participantes ativos dos Conselhos Comunitários de Segurança estão os representantes das camadas médias dos bairros em que há atuação, que, por meio de capital político, social e cultural, se sentem contemplados por tal organização a ponto de se pronunciarem conclamando demandas. As camadas médias, portanto, mesmo que classificadas de forma heterogênea, são identificadas e reconhecidas quando em disputa pela estabilidade de seus interesses – como a necessidade de permanecer em conforto e sensação de segurança frente à gramática da violência urbana. Neste aspecto, está mais que clara a necessidade de participação, pois os problemas são assim sentidos de forma particular e emocional, justamente por estarem tão “close to home” (ELIASOPH, 1997)[9].
Reunidos uma vez a cada mês, os Conselhos Comunitários possuem uma formalidade de organização característica dos órgãos públicos burocratizados: encontros após o horário comercial (buscando maior atendimento e participação da população); dentro de instituições ou órgãos públicos; uma mesa composta por representantes destas instituições e órgãos públicos, como coronéis e comandantes da Polícia Militar, delegados da Polícia Civil, inspetores da Guarda Municipal, coronéis do Corpo de Bombeiros, superintendentes da Região Administrativa, secretários e subsecretários das seções de Ordem Pública e Ambiental e da Secretaria de Assistência Social, comandantes das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) das proximidades, convidados, entre outros, variando a partir de suas agendas; e um quórum de em média trinta representantes das Associações de Moradores e da sociedade civil, moradores(as) dos bairros e das regiões do entorno. Sendo assim, ritualisticamente, a mesa, na pessoa do seu presidente, faz a abertura do Conselho, apresentando a agenda de atividades já realizadas ou ainda por vir, apresentando os representantes presentes e abrindo a pauta do dia para, em seguida, a reunião ser aberta para inscrição e direcionamento de demandas. Dada a centralidade da questão da violência urbana no Rio de Janeiro nos últimos anos e as formas a partir das quais a sociedade pensa essa violência e as suas possibilidades de resolução, esses espaços apresentam-se, no mais das vezes, como locais de reforço das margens e das demandas por sua civilização, tutela ou evitação (DA CUNHA, 2012)[10].
Espaços institucionalizados, como os Conselhos Comunitários de Segurança (CCS-ISP), nos servem para acompanhar a forma por meio da qual burocratas da linha de frente e representantes de diferentes órgãos influenciam os resultados e o desempenho das políticas públicas, em diálogo – e/ou em conflito – com setores da sociedade civil que participam com ou sem representação. Na interação rotineira desses encontros, os moradores e moradoras dos bairros de Copacabana e Leme se apresentam como usuários dos serviços de segurança pública que, diante da importância histórica relegada ao território, devem ser implementados com a devida atenção. As tomadas de decisão, portanto, envolvem estes demandantes, suas redes pessoais, e os agentes que atuam nas ruas de maneira a também serem monitorados quanto ao atendimento das principais demandas, não se bastando apenas à coordenação dos projetos, mas à rotina de patrulhamento das ruas e o convívio com os moradores(as) do bairro. Nestes casos, os “guichês” de atendimento se tornam as próprias patrulhas, e, mais recentemente, o WhatsApp, em modernização das técnicas e dispositivos de atuação das políticas públicas e sua dinâmica nos bairros em questão.
Referências bibliográficas[editar | editar código-fonte]
Péres, Clara Gomes Polycarpo, e polycarpoclara@gmail.com. Casos De Polícia E Redes De Política: Uma Análise Das Políticas De Segurança Pública a Partir Da Zona Sul Do Rio De Janeiro. 2022. Disponível em Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD)
Ver também[editar | editar código-fonte]
- ↑ Informações retiradas da Tese de Doutorado da autora, "Casos de polícia e redes de política: uma análise das políticas de segurança pública a partir da Zona Sul do Rio de Janeiro", defendida em 2022 no Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ).
- ↑ SOARES, Luiz Eduardo. Notas sobre a problemática da segurança pública. Políticas Sociais: Acompanhamento e Análise. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/politicas_sociais/ensaio3_notas_2.pdf, p. 121-129, 2000.
- ↑ MISSE, Daniel Ganem. A pacificação das favelas cariocas e o movimento pendular na segurança pública. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, vol. Especial, núm. Esp.3, 2019, pp. 29-52.
- ↑ LUNEKE; Alejandra; DAMMERT, Lucia; ZUÑIGA, Liza. From Social Assistance to Control in Urban Margins: Ambivalent Police Practices in Neoliberal Chile. DILEMAS: Rev. Estud. Conflito Controle Soc. – Rio de Janeiro – Vol. 15 – no 1 – JAN-ABR 2022 – pp. 1-26.
- ↑ TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores de políticas públicas e democracia participativa: aprofundando o debate. Revista de Sociologia e Política, no 25, pp. 209-213, 2005.
- ↑ MIRANDA, Ana Paula. A construção de um sistema de monitoramento dos Conselhos Comunitários de Segurança. Trabalho apresentado na 26a Reunião Brasileira de Antropologia: Desigualdade na diversidade, 2008.
- ↑ MORAES, Luciane Patrício Braga de. Participação social na área da segurança pública: Relexões e análise a partir da Pesquisa Nacional dos Conselhos de Segurança Pública do Brasil. Trabalho apresentado na Conferência Nacional de Segurança Pública – Conseg, Brasília, 2009. Disponível (on-line) em: www.conseg.sp.gov.br.
- ↑ AZEVEDO; Nilo Lima de; CAMPOS, Mauro Macedo; LIRA, Rodrigo Anido. Por que os conselhos não funcionam? Entraves federativos para a participação popular no Brasil, DILEMAS: Rev. Estud. Conflito Controle Soc.– Rio de Janeiro – Vol. 13–no 2–MAI-AGO 2020–pp. 439-461.
- ↑ ELIASOPH, Nina. “Close do Home”: The Work of Avoiding Politics. Theory and Society, v. 26, n. 5, Oct. 1997, pp. 605-647.
- ↑ DA CUNHA, Christina Vital. A cidade para os civilizados: Significados da ordem pública em contextos de violência urbana. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, Rio de Janeiro, vol. 5, no 2, ABR/MAI/JUN 2012 - pp. 211-232.