Mapeamento da economia criativa enquanto tecnologia social (artigo)

Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
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A pesquisa de título original: "ECONOMIA CRIATIVA ENQUANTO TECNOLOGIA SOCIAL: UM ESTUDO DE CASO DA FAVELA DA MANGUEIRA, RIO DE JANEIRO" procura convergir a perspectiva da produção econômica aos aspectos culturais e simbólicos presentes na sociedade brasileira e que potencialmente promovem desenvolvimento econômico e social.

Autoria: Dalia Maimon, Cristine Carvalho e Rita Afonso[1], a partir de fontes oficiais.[2]

Sobre

O conceito de economia criativa no Brasil procura convergir a perspectiva da produção econômica e de investimentos no setor aos aspectos culturais e simbólicos presentes na sociedade brasileira e que potencialmente promovem desenvolvimento econômico e social. As literaturas inglesa e americana (Governo Inglês e autores americanos como Howkin e Florida) apontam como características das chamadas “classes criativas” e “cidades criativas” a presença de capital humano e físico para que se promovam atividades destes setor da economia. Tais aspectos, ao serem utilizados como referência no mapeamento de setores criativos em territórios de vulnerabilidade social provocam o alargamento das perspectivas sobre o tema da economia criativa no contexto brasileiro e especificamente de favelas. 

O potencial da capacidade empreendedora brasileira e o papel da cultura no desenvolvimento do país já fora debatido por Furtado na década de 80 e é base para se pensar a economia criativa no país no ano em que o governo estabelece a Secretaria de Economia Criativa no Ministério da Cultura (2012). O Plano (Brasil, 2012) desta Secretaria utiliza como referenciais tanto Furtado (1988) como os principais pensadores sobre o tema no Brasil (REIS, 2002, 2008), e faz referência também à relatórios de organismos internacionais, especificamente a UNCTAD - United Nations Conference on Trade and Development e a UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization e à literatura norte-americana e européia (Howkins, 2007, Florida, 2011).

No Plano (Brasil, 2012) são debatidos os conceitos e identificados os setores da economia criativa no Brasil, apontando aspectos da cadeia de produção e dos recursos utilizados pelos setores. A partir da decisão por sediar a Copa do Mundo (2014) no Brasil, investimentos foram realizados na infraestrutura urbana e em setores em potencial na cidade do Rio de Janeiro, local-sede de alguns jogos. O entorno dos estádios de futebol-sede, por exemplo, tenderiam a sofrer impactos positivos e negativos do grande evento. 

Observando o reduzido número de estudos sobre a dimensão do mercado criativo em favelas, muito devido às condições de informalidade a que se dão ou pela própria dificuldade de categorização de integrantes do setor e das atividades realizadas (IPEA, 2010), e aliando a perspectiva de desenvolvimento econômico e promoção de bem-estar social, o Laboratório de Responsabilidade Social e Sustentabilidade do Instituto de Economia desenvolveu a pesquisa "Territórios criativos e inclusão produtiva: um estudo de caso na Mangueira, Rio de Janeiro" (MinC/CNPq, 2014). O projeto identificou especificidades nas relações produtivas, desde a geração, difusão e uso de conhecimentos gerenciais em atividades da chamada economia criativa em empreendimentos formais e informais; individuais e coletivos; empresariais e sem fins lucrativos (Maimon et al, 2015). 

O trabalho desenvolvido levou a equipe a considerações sobre:

(1) o entendimento da economia criativa e seu processo produtivo em ambiente de favelas;

(2) o uso de atividades do setor criativo para promoção de cidadania e geração de trabalho e renda;

(3) empreendedorismo associado organizações não governamentais estruturadas de maior porte; e

(4) a ligação de atividades produtivo-criativas com a tradição cultural local.


Sobre tais questões se coloca a reflexão sobre o desenvolvimento da economia criativa enquanto tecnologia social em territórios populares.  Aspectos como o “envolvimento da comunidade na busca de soluções para o desenvolvimento local”, a “tomada de decisões conjuntas sobre as alternativas locais de desenvolvimento e crescimento”, a “geração de trabalho e emprego que possam garantir aos cidadãos renda e sobrevivência digna” e o “respeito aos recursos locais (humanos, materiais, financeiros, tecnológicos), e a utilização destes recursos de forma racional, renovável, sem desperdícios e/ou destruição que comprometam gerações futuras” (FARFUS et al., 2007) são aspectos presentes nas iniciativas criativas pesquisadas na Mangueira. 

O trabalho então se divide em quatro partes. Na primeira se analisa as principais abordagens nos campos da economia criativa e da inovação social. No que tange a este último faz-se se uma distinção entre a abordagem internacional que associa a Economia Criativa com tecnologia de ponta e a realidade brasileira onde o enfoque está no empreendedorismo social e na criação de renda. Por fim, na última seção são delineadas as considerações finais acerca do estudo, as limitações e as sugestões para pesquisas futuras.  

Conceito sobre economia criativa

Um novo setor dinâmico relacionando os setores artísticos, de serviços e industriais vem se configurando no comércio mundial. Estes setores utilizam recursos intangíveis como a criatividade, o capital intelectual e a cultura como insumos primários das atividades da EC – Economia Criativa, disseminando e impulsionando os mais diferentes setores da economia, capacitando-os para enfrentar os novos desafios do cotidiano. O conceito de economia criativa deriva do termo “indústrias criativas”, utilizado no discurso “Creative Nation” (Nação Criativa), proferido pelo Primeiro-Ministro da Austrália, em 1994,

onde defendia a importância de aproveitar as oportunidades geradas pela globalização e pelas mídias digitais como forma de informar e enriquecer a criatividade das pessoas e sua contribuição para o desenvolvimento do país.  A EC, segundo Reis (2008), se refere à conceitos já trabalhados na economia da experiência, quando reconhece o valor da originalidade, dos processos colaborativos e da prevalência de aspectos intangíveis na geração de valor, sobretudo na cultura. Da economia do conhecimento, toma a ênfase no trinômio “tecnologia, qualificação de trabalho e geração de direitos de propriedade intelectual”.

E, da economia da cultura, propõe a valorização da autenticidade e do intangível cultural único e inimitável.  A análise das tendências de mercado e as vantagens competitivas nacionais foram intencionalmente feitos de maneira pioneira pelo governo inglês em 1997, quando definiu os setores da economia pertencentes àquela indústria por utilizarem a criatividade, a habilidade e o talento individuais como insumos de produção, com destaque para a parceria públicoprivada e para a articulação entre os diferentes setores e pastas públicas nas áreas de cultura, desenvolvimento, turismo, educação e relações exteriores, entre outras. Neste sentido, identificaram-se 13 setores de maior potencial para a economia britânica, desde escritórios de propaganda, design e arquitetura ao mercado de arte e antiguidades, desenvolvimento de software e publicações bibliográficas, entre outros.  

A iniciativa inglesa é referência no fomento à EC porque valorizou os intangíveis, reposicionou o papel da cultura na estratégia socioeconômica e provocou uma revisão na própria estrutura econômica, incluindo novos modelos de negócios. E segundo Reis (2008), contextualizou o programa de indústrias criativas como resposta a um quadro socioeconômico global em transformação; (2) privilegiou os setores de maior vantagem competitiva para o país e reordena as prioridades públicas para fomentá-los – como a revisão do sistema educacional e o planejamento urbano e finalmente divulgou as estatísticas da participação significativa das indústrias criativas no Produto Interno Bruto (PIB) do país. 

Uma vez que a compreensão sobre essa nova dinâmica econômica em torno de recursos e classe de trabalhadores criativos foi observada formalmente por equipes do governo do Reino Unido, os conceitos e categorias lá criados foram a base para a discussão em âmbito internacional, em fóruns promovidos por organismos internacionais como a UNCTAD e a UNESCO, entre outros. A participação brasileira nos encontros internacionais e o levantamento de dados sobre os setores criativos brasileiros determinaram a elaboração do Plano Nacional de Economia Criativa (Brasil, 2012) onde define conceitualmente e desenha a atuação inter-setorial do governo.  

Segundo pesquisas do IBGE (2010), os setores criativos respondiam a 2,84% do PIB brasileiro, empregando formalmente 1,96% dos trabalhadores em atividades categorizadas como "nucleares", ou seja, onde o ativo criativo é essencial. No entanto, é o efeito multiplicador dos empregos gerados no núcleo dos setores criativos em outros segmentos econômicos da cadeia produtiva que chama atenção sobre seu poder de geração de renda, segundo o IPEA (2013). A pesquisa não considerou a informalidade, o trabalho voluntário ou não remunerado (ocupações que ainda não foram codificadas), além do fato de que muitos trabalhadores criativos exercem mais de uma ocupação (IPEA, 2013). Uma vez mapeado o número de empresas e trabalhadores formais de setores da economia criativa a nível nacional, determinadas regiões foram indicadas como potenciais pólos criativos ou cidades criativas pelo governo brasileiro, direcionando os investimentos para o setor.

A partir das referências utilizadas no Plano Nacional da Economia Criativa (2012) e de autores especialistas no tema (Reis, 2008; Florida, 2011; Howkins, 2007) as cidades criativas são caracterizadas por: (1) conexão local e o global; (2) mobilidade, acesso a espaços públicos, inclusão social e digital; (3) pesquisa e projetos de inovação em ciência, cultura e sociedade; (4) profissionais de setores variados; (5) registros de patentes, novos produtos e projetos tecnológicos; (6) tolerância e abertura à diversidade cultural, religião, uso de novas tecnologias, novas idéias e pessoas; (7) convergências de atuação, articulações e conexões intra e extra pólos; cadeias e redes de produção, circulação, fruição e troca de experiência; (8) concentração setorial de iniciativas – vocação produtiva que contribuam para uma identidade setorial no local; e (9) adensamento empresarial – empreendimentos presentes no Pólo Criativo e o potencial para o desenvolvimento local. 

Ainda que características territoriais sejam favoráveis ao desenvolvimento da EC e que tenham sido observadas como recorrentes em regiões e cidades, há outros aspectos que merecem destaque, segundo Reis (2008), relacionados à "necessidade de forjar modelos sustentáveis de inclusão econômica e resolver os problemas da violência urbana, ambientais e sociais que nos afligem”.

Do ponto de vista econômico, não existe relação direta entre a criatividade e o desenvolvimento socioeconômico, a não ser pela análise do ciclo de atividade criativa por meio da interação de quatro formas de capital – social, cultural, humano e estrutural ou institucional. Os efeitos acumulados desses determinantes são os resultados da criatividade. Conforme veremos adiante, estes aspectos irão servir de apoio à análise dos resultados da pesquisa realizada em território popular no Rio de Janeiro, onde foram identificadas iniciativas relacionadas à atividades criativas e caracterizadas seus aspectos produtivos e relacionais.  

Conceito sobre inovação social

O conceito de inovação é parte da teoria econômica e está presente na explicação da produtividade (Adam Smith) e no impacto sobre os salários e o nível de emprego (David Ricardo). Mas foi Schumpetter que deu visibilidade ao conceito quando tratou do entrepreneur que através de novas combinações (produtos, processos, organizações) introduziu a perspectiva de diferencial competitivo e de ciclo de ''destruição criativa''.  Toda inovação tecnológica tem uma componente social, quer à frente (o coletivo da natureza da invenção) ou depois (a difusão das invenções através de contactos ou spillovers).

No entanto, o conceito de '' inovação social '' pode estar separado da inovação tecnológica e ser olhado do ponto de vista dos atores sociais.  Segundo Murray et al (2010) a inovação social vai se distinguir da tecnológica no que tange ao seu produto, inter-relações e novas formas de colaboração e cooperação.  Segundo Bouchard (2012), podem-se identificar pelo menos duas grandes abordagens. A primeira está interessada em soluções para os principais problemas sociais, com base em iniciativas privadas de organizações com fim lucrativo (empresas) ou sem fim lucrativo (ONGs).

A segunda abordagem coloca maior ênfase na natureza coletiva dos processos e produtos de inovação social. Nesta perspectiva as inovações são degraus que levam à mudança da rede social, ou seja, a transformação das relações sociais que estão na origem do problema de coesão social problemas (Bouchard, 2007; Lé'vesque, 2007; Petitclerc, 2003; Zald, 2004).  Para subsidiar as políticas públicas, Murray, Caulier-Grice e Mulgan (2010) propõem alguns estágios no desenvolvimento das inovações sociais, conforme figura a seguir, fornecendo uma estrutura para a reflexão sobre os diferentes tipos de suporte que inovadores e inovações necessitam para crescer. Estes estágios consistem em: (1) Inspiração; (2) Propostas e idéias; (3) Protótipos e pilotos; (4) Sustentação; (5) Dimensionamento e difusão; (6) mudança sistêmica.

O que podemos aprender com a Mangueira?

Em "Desenvolvimento como liberdade", Sen (2002) afirma que o êxito das políticas de desenvolvimento em uma dada sociedade é verificada a partir da ampliação da capacidade individual em tomar suas próprias decisões de modo consciente, o que inclui o direito universal de acesso à educação, saúde, habitação e saneamento. Compreender o desenvolvimento como expansão das liberdades individuais recoloca o foco de atenção sobre os fins e não apenas os meios, o processo. Paes e Barros (2015) indica a "preocupação, entre os mais pobres, do grupo de jovens com baixíssima escolaridade e que, a despeito dos programas sociais, não conseguem vaga no mercado".

No contexto brasileiro, o empreendedorismo por necessidade, do tipo "virador", segundo o pesquisador Bezamat de Souza Neto (2008),é a resposta a necessidade de “se virar” em busca de sustento, diante da dificuldade em estar empregado formalmente.  Reis (2008) defende como um dos fatores de desenvolvimento de uma cidade criativa a experiência de uma crise econômica e social (motivada por violência, estagnação econômica, desesperança, baixa auto estima etc.).

A consciência dos problemas, aliada à determinação em superá-los e também à valorização dos traços distintivos de uma dada região, funcionam como uma mola propulsora de empreendedorismo e inovações.

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Ver também

Notas e referências

  1. DALIA MAIMON  UFRJ, Laboratório de Responsabilidade Social e Sustentabilidade – LARES/ Instituto de Economia, Brasil.  dalia@ie.ufrj.br   CRISTINE CARVALHO UFRJ - Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social – LTDS - Programa de Engenharia de Produção (COPPE/UFRJ), Brasil.  cristine.c.carvalho@gmail.com   RITA AFONSO  UFRJ / FACC - Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Brasil ritaafonso@globo.com
  2. Repositório Altec