Violência Contra a Mulher Negra no Rio de Janeiro: O Caso de Claudia Silva Ferreira e a Persistência do Genocídio Feminino Negro
Por equipe do Dicionário de Favelas Marielle Franco
Violência Contra a Mulher Negra no Rio de Janeiro: O Caso de Claudia Silva Ferreira e a Persistência do Genocídio Feminino Negro[editar | editar código-fonte]
1. Introdução
A violência contra a mulher negra no Brasil é parte de um processo histórico de desumanização, no qual o racismo e o sexismo se combinam para tornar esses corpos alvos preferenciais da violência do Estado. No Rio de Janeiro, onde a militarização da segurança pública e a desigualdade social se sobrepõem, mulheres negras são duplamente vulneráveis: sofrem com a violência doméstica e de gênero, mas também são alvos de uma política de segurança letal.
O caso de Claudia Silva Ferreira, morta em 2014, é um dos exemplos mais brutais dessa realidade. Arrastada por 250 metros por uma viatura da Polícia Militar após ser baleada em uma operação no Morro da Congonha, em Madureira, Claudia se tornou um símbolo da desumanização que atinge as mulheres negras e pobres no Brasil.
2. O Caso de Claudia Silva Ferreira
Claudia Silva Ferreira era auxiliar de serviços gerais, mãe de quatro filhos e moradora da favela do Congonha, em Madureira, zona norte do Rio de Janeiro. Em 16 de março de 2014, ao sair de casa para comprar pão, foi baleada durante uma operação policial. Policiais do 9º Batalhão da PM a colocaram no porta-malas da viatura para levá-la ao hospital, mas a porta traseira se abriu, e Claudia foi arrastada por 250 metros pelo asfalto, presa ao veículo por um pedaço de sua roupa.
Apesar de alertados por pedestres e motoristas, os PMs não pararam. Um cinegrafista amador que passava pelo local registrou a cena em um vídeo, evidenciando a brutalidade da ação e a completa negligência dos policiais com a vida de Claudia.
A cena causou comoção nacional e internacional, mas nenhum dos policiais envolvidos foi condenado. O caso de Claudia expõe como a letalidade policial no Rio de Janeiro tem um viés racial e de gênero, tratando corpos negros como descartáveis.
3. O Genocídio Feminino Negro no Rio de Janeiro
O assassinato de Claudia Silva Ferreira não foi um caso isolado, mas parte de um padrão histórico. Segundo o Dossiê Mulher 2023, publicado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), as mulheres negras representam mais de 50% das vítimas de feminicídio no Rio de Janeiro e Embora o estudo não especifique o percentual de mulheres negras vítimas de violência policial em favelas.
Os dados do Instituto Fogo Cruzado (2023) e Instituto Sou da Paz revelam que:
- 72% das mulheres assassinadas por armas de fogo no Brasil em 2023 eram negras. Além disso, 59% dessas vítimas tinham entre 20 e 39 anos.
- 53% das mortes de mulheres negras por armas de fogo no Rio ocorreram durante operações policiais.
- 27% dos homicídios de mulheres por armas de fogo ocorreram dentro de suas próprias residências.
Esses números mostram que, para mulheres negras, o perigo não está apenas dentro de casa (com a violência doméstica), mas também nas ruas e dentro das favelas, onde o Estado opera uma política de extermínio disfarçada de segurança pública.
4. O Racismo e o Machismo na Segurança Pública
Casos como o de Claudia Silva Ferreira, Kathlen Romeu (assassinada por um tiro de fuzil enquanto estava grávida, no Complexo do Lins, em 2021) e tantas outras evidenciam que a mulher negra é um alvo preferencial da letalidade policial no Rio de Janeiro. Enquanto homens negros jovens são as principais vítimas das operações, as mulheres negras são mortas como danos colaterais, mesmo quando não estão envolvidas em conflitos armados.
Além disso, há um padrão de desumanização no tratamento dos corpos das vítimas. Assim como Claudia foi arrastada pela viatura, o corpo de João Pedro (14 anos), morto pela polícia dentro de casa em São Gonçalo, em 2020, foi levado pela PM sem notificação à família, que só descobriu sua morte horas depois, no IML.
Essa lógica de necropolítica (MBEMBE, 2016) indica que determinados corpos são considerados descartáveis, e o Estado, em vez de protegê-los, reforça sua vulnerabilidade.
5. A Luta Contra a Impunidade e a Invisibilidade
Após a morte de Claudia, sua família buscou justiça, mas os policiais envolvidos foram soltos e continuam atuando na corporação. O caso é emblemático da impunidade sistemática quando as vítimas são mulheres negras.
Enquanto casos de feminicídio envolvendo mulheres brancas frequentemente geram comoção e pressão pública por punição, assassinatos de mulheres negras por agentes do Estado tendem a ser rapidamente esquecidos. O que significa ser mulher negra no Rio de Janeiro? Significa não apenas enfrentar a violência doméstica e de gênero, mas também saber que sua vida pode ser ceifada a qualquer momento pelo próprio Estado.
6. Conclusão
O caso de Claudia Silva Ferreira é um marco na luta contra a violência policial e a necropolítica no Rio de Janeiro, mas a realidade não mudou. O Brasil continua sendo o país que mais mata mulheres negras na América Latina, e o Rio de Janeiro segue liderando as estatísticas de feminicídio racializado e letalidade policial.
É fundamental que políticas públicas sejam implementadas para:
- Garantir o combate à letalidade policial, especialmente contra mulheres negras.
- Criar protocolos para atendimento e proteção de vítimas de violência de gênero em comunidades periféricas.
- Responsabilizar policiais envolvidos em assassinatos e brutalidade contra mulheres negras.
- Implementar políticas de reparação histórica para famílias de vítimas da violência do Estado.
A memória de Claudia Silva Ferreira deve servir como um lembrete de que vidas negras importam, mas só importarão de fato quando deixarem de ser estatísticas de mortes e se tornarem prioridade na formulação de políticas públicas.