As Glorias e a segregação socioespacial em Uberlândia-MG
Localizado na zona sul de Uberlândia, o assentamento “Glória”, hoje batizado oficialmente de bairro Élisson Prieto, possui uma longa história de luta para a regularização dessa ocupação que se iniciou no ano de 2012, que apesar de atualmente encontrar-se em processo de regularização fundiária, os moradores desta área de 63 hectares ainda se encontram em drásticas condições de sobrevivência, pois a região ainda sofre com problemas de infraestrutura (tal como pavimentação das ruas, energia elétrica, acesso à água, tratamento de esgoto e etc). Já são 9 anos de lutas, embates judiciais e muita resistência, e infelizmente, os problemas vão para além das questões de infraestrutura. Visto isso, este texto pretende discutir as questões que permeiam um tema de muita importância na área da geografia e também das ciências sociais, tema este que se entrelaça nessas áreas do conhecimento: a desigualdade socioespacial. O grande terreno localizado às margens da BR-050 pertencia a Universidade Federal de Uberlândia - UFU e começou a ser ocupado por residências improvisadas e comércios informais no ano de 2012 por cerca de 50 famílias, e após diversos embates judiciais as famílias que lá ocupavam começaram a ser cadastradas e o processo fundiário se iniciou, e, em 2018, o terreno foi doado para o governo de Minas Gerais, atualmente o bairro abriga cerca de 2.023 famílias. Ainda hoje, a luta é incessante, os moradores do bairro Élisson Prieto permanecem sobrevivendo de forma precária e também sofrem para além dos problemas de infraestrutura, pois o estigma de marginalização pesa sobre esses indivíduos, os efeitos da desigualdade social e socioespacial são devastadores por diversos ângulos. Durante a reportagem do jornal “Manhã total”, a presidente da associação dos moradores do bairro, Minéia Nunes, relata as dificuldades dos moradores em conseguirem emprego, pois não possuem documentos que comprovem residência, e que quando estes indivíduos estão em uma entrevista de emprego afirmam serem moradores do Glória “a vaga de emprego que tinha já não tem mais [...]”, e por isso depositam todas suas esperanças de melhoria de vida e de dignidade na regularização completa do bairro. A desigualdade e segregação socioespacial é um problema que afeta não somente o Brasil em sua particularidade, mas sim todo o mundo, as drásticas diferenças se tornam óbvias quando observamos a paisagem urbana e sua divisão, quando notamos as grandes contradições ao compararmos áreas nobres e bairros pobres, as discrepâncias econômicas, sociais e culturais não escapam aos olhos. Toda essa contradição é resultado do sistema de produção que vivemos, no texto de Arlete Moysés é possível compreender perfeitamente quando a mesma afirma que “A desigualdade socioespacial é expressão do processo de urbanização capitalista, um produto da reprodução ampliada do capital que se perpetua como condição de permanência da desigualdade social.” (2007, p.74), e é ainda mais grave quando nos atentamos para o fato de que o Estado não cumpre com o seu papel, não atende as demandas que a população pobre necessita, este órgão é grandiosamente ausente, deixando inúmeras famílias à mercê de formas precárias de sobrevivência, porque não basta apenas discutir a forma conteúdo, mas a população carente precisa também de uma renda justa para que possam ter melhores condições de vida, renda, estrutura, equipamentos urbanos, e é neste sentido que apontamos a ausência do Estado:
“A presença diz respeito, entre outras dinâmicas, à definição do salário mínimo, à definição do salário mínimo, às normas jurídicas de apropriação e propriedade da terra, à legislação de uso da terra e edificações, à implantação de infra-estrutura e equipamentos de uso coletivo. O Estado parece ausente ao definir salários insuficientes para a reprodução da vida, não prover o acesso universal aos meios e equipamentos de uso e consumo coletivo.” (MOYSÉS, 2007, p.74).
Essas definições trazidas por Moysés, nos permite refletir as condições que vivem os moradores do “Glória”, que iniciaram a ocupação no local justamente por conta das péssimas condições de vida, por não possuírem seus direitos básicos garantidos e por sofrerem diretamente com esse modo precário de reprodução da vida. Todo este modo precário, a desigualdade socioespacial são frutos do modo de produção que vivenciamos, e como já citado acima, é uma condição de permanência da desigualdade social. Quando analisamos profundamente a vida dos indivíduos que residem no bairro Élisson Prieto, notamos que até mesmo para acessarem ao transporte público, postos de saúde, áreas de lazer e etc. estes precisam se deslocar até bairros vizinhos, e toda a demora que se observa para conseguirem a infraestrutura básica do bairro só agrava e dificulta ainda mais a vida destes. O sistema que vivenciamos é uma máquina sem freio, avançando e desmantelando tudo o que há na sua frente, principalmente a vida dos mais carentes, aprofundando as desigualdades sociais, enriquecendo poucos e empobrecendo milhões. O avanço do neoliberalismo é algo apontado por Arlete Moysés como fator que agudiza as desigualdades sociais, e também é possível compreender que não só o bairro Élisson Prieto, mas as ocupações são vistas como inimigas do Estado, tal como favelas e semelhantes também, porque essas moradias “representam, na ótica do capitalismo e do Estado capitalista, a ilegalidade urbanística e jurídica, ou seja, desobedecem às regras e normas de parcelamento do solo urbano e da propriedade da terra.“ (2007, p. 76) e “[...] mesmo quando obedecem à legalidade jurídica, não cumprem as normas da “legalidade urbanística” (2007, p. 77). A glória para muitos é ter a casa própria, acesso a água potável, esgoto tratado, saúde, creches, condições de trabalho salubres, dentre várias outras coisas básicas que são negligenciadas pelo Estado, pelo modo de produção que vivemos e que só tende a ser agravado pela permanência e pela hegemonia da ideologia neoliberal. Os moradores deste bairro que ficou conhecido como a maior ocupação urbana do Brasil talvez não sejam ainda gloriosos, pelo fato de que ainda têm “muito chão pela frente”, mas com certeza esses indivíduos são grandes batalhadores, que enfrentam durante anos inúmeros embates e processos judiciais, lutando pela regularização da área e pela conquista de direitos, que sobrevivem arduamente mesmo com as drásticas condições de infraestrutura e ainda sofrem com o preconceito e o estigma que os persegue. A luta ainda parece longe do fim, e sem dúvidas a desigualdade socioespacial é uma grave problemática que atinge milhões de famílias brasileiras. A segregação socioespacial é um conceito que investiga a relação entre as posições que os agrupamentos humanos ocupam no espaço social e sua localização no espaço físico das cidades. O conceito articula os estudos sobre desigualdades socioeconômicas e sua relação com a distribuição das pessoas no espaço urbano. A segregação é responsável por tentar determinar, partindo de fatores econômicos e sociais, os lugares que devem ser ocupados pelas pessoas em um determinado espaço físico. Neste sentido, fica mais visível a resistência dos cidadãos que ocupam e lutam em espaços que muitas vezes não são bem vindos.
Referências: INADIMPLÊNCIA DE CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA DE MORADORES DO BAIRRO ÉLISSON PRIETO EM UBERLÂNDIA É DISCUTIDA DURANTE REUNIÃO VIRTUAL. Inadimplência de contribuição financeira de moradores do Bairro Élisson Prieto em Uberlândia é discutida durante reunião virtual. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia/2021/01/04/inadimplencia-de-contribuicao-financeira-de-moradores-do-bairro-elisson-prieto-em-uberlandia-e-discutida-durante-reuniao-virtual.ghtml>. Acesso em: 5 nov. 2021. PARA DE GRAÇA. Glória: Maior ocupação urbana do Brasil - Para de GraçaYouTube, 21 dez. 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=mtAjWQ8FHkY>. Acesso em: 5 nov. 2021 Portal da Prefeitura de Uberlândia. Disponível em: <https://www.uberlandia.mg.gov.br/?ee_search_query=%7B%22s%22%3A%22elisson+prieto%22%7D&s=elisson+prieto>. Acesso em: 5 nov. 2021. PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO DO ASSENTAMENTO 'GLÓRIA' EM UBERLÂNDIA É TEMA DE REUNIÃO COM ENTIDADES DE GOVERNO, JUSTIÇA E MORADORES. Processo de regularização do assentamento “Glória” em Uberlândia é tema de reunião com entidades de governo, Justiça e moradores. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/noticia/2020/06/27/processo-de-regularizacao-do-assentamento-gloria-em-uberlandia-e-tema-de-reuniao-com-entidades-de-governo-justica-e-moradores.ghtml>. Acesso em: 5 nov. 2021. RODRIGUES. Arlete Moyses. A cidade como direito. Cidades. v 4, n - 6. (2007). Disponível em: <http://www.ub.edu/geocrit/9porto/arlete.htm>. Acesso em: 5 nov. 2021. TV PARANAÍBA. MANHÃ TOTAL - Regularização do assentamento GlóriaYouTube, 18 abr. 2018. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qzClyYdsCN4>. Acesso em: 5 nov. 2021