Cesarão
O Conjunto Doutor Otacílio Câmara, mais conhecido como “Cesarão” foi criado em 1980 e foi considerado o maior Conjunto Habitacional da América Latina. Fica no bairro de Santa Cruz, município do Rio de Janeiro.
Foi construído pela Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro - CEHAB - e está localizado à margem da avenida Cesário de Melo. Entregue oficialmente em maio de 1981, sua obra durou 11 meses, e possui 3.964 casas populares, em 1 milhão e 500m², 5 áreas para escolas, 13 áreas para praças, 7 para comércio, 1 para centro social urbano , 2 para outros equipamentos sociais e um infra-estrutura capaz de atender 20 mil pessoas.
Autoria: Moanan Costa do Couto[1].
História
Política remocionista
A história da cidade do Rio de Janeiro é marcada pelo experimento das políticas habitacionais segregacionistas, que se intensificaram no período da Ditadura Militar (1964-1985). Ao longo de décadas, o regime ditatorial promoveu remanejamentos de favelas e remoções em massa de comunidades das regiões centrais da cidade. O destino dos remanejados e removidos acompanhava o traçado da linha férrea do último ramal da cidade: em direção à Estação Santa Cruz[2].
Essa população forçada à migração se depara com uma Santa Cruz rural, com uma Zona Oeste rural. Nos anos 1980, a cidade passava por mais uma fase de urbanização que ainda persistia na ideia higienista, mas sem, de fato, se comprometer com a dignidade ou garantir direitos às pessoas.
Nesse mesmo contexto, começou a construção do que se tornaria, durante algum tempo, o maior conjunto habitacional da América do Sul: o Cesarão, inaugurado em maio de 1981, ainda em plena Ditadura Militar.
Surgimento
Apelidado de “Cesarão” em alusão à Avenida Cesário de Melo e ao fato de ser um grande loteamento, o Conjunto Habitacional Otacílio Câmara, foi o primeiro conjunto habitacional construído em Santa Cruz, um bairro da extrema Zona Oeste que, até os dias atuais, segue como uma promessa de desenvolvimento. Foi também o maior da América do Sul, na época.
Antes de conjunto habitacional, a área onde seria construído o Cesarão foi por muito tempo uma grande plantação de laranja. Contudo, durante a construção das casas, o local já era rodeado pelas favelas do Aço, Rollas e Antares. Frutos das remoções ocorridas nas décadas de 1960 e 1970, as comunidades do Aço e Antares foram fundadas com o propósito de serem temporárias. Ou seja, elas serviriam de abrigo temporário para populações de outras favelas atingidas pelas chuvas ou por políticas de remoção. A favela do Rollas era um grande loteamento, que foi palco de diversas disputas territoriais violentas entre o antigo proprietário e os moradores que ocuparam o terreno para morar.
Portanto, é neste território que a construção do Cesarão foi planejada e executada pela Companhia Estadual de Habitação e Obras (CEHAB). As casas seriam destinadas a famílias de baixa renda, com remuneração entre um e cinco salários mínimos. Foram construídas cerca de 3.964 casas, com três tamanhos diferentes, para atender até 20.000 pessoas.
Conforme divulgado em jornais e em relatos do historiador Guaraci Rosa, um número considerável dessas construções foi comprado pela Telecomunicações do Rio de Janeiro S/A (Telerj) e alguns pela Companhia de Telefones do Rio de Janeiro (CETEL). O objetivo era incentivar a aquisição da casa própria pelos empregados das estatais.
Era compromisso deles construir áreas comuns, centros comunitários e espaços de lazer, como praças e parquinhos em todos os conjuntos habitacionais estabelecidos—o que, até hoje, não foi feito.
Outras casas foram destinadas a famílias que passaram por remoções na cidade e poderiam pagar um valor mínimo pelas moradias. As primeiras famílias foram chegando e o que parecia, à primeira vista, ser uma possibilidade de reconstruir suas histórias passou a ser para muitos, um movimento de luta e frustração contra a realidade imposta pelas autoridades da época. A política habitacional segregacionista negava direitos básicos à população—inclusive, à demarcação dos terrenos, que era feita precariamente pelo Estado, gerando diversos conflitos entre moradores.
Foi efetivada a retirada e o isolamento de pessoas negras e socioeconomicamente vulneráveis das regiões com maior acesso à cidade, com educação, oportunidades, lazer e transporte. Ao chegarem em Santa Cruz, os novos moradores depararam-se com a falta de infraestrutura e de políticas públicas indispensáveis para viverem com dignidade. Não havia, por exemplo, iluminação pública, escolas, segurança ou saneamento. Além disso, suas novas moradias ficavam frequentemente a mais de duas horas de seus postos de trabalho e as passagens de ônibus eram consideradas caras para a época. Com isso, muitos dos remanejados e removidos decidiram não permanecer no Cesarão.
Casas abandonadas
Diversas casas não foram ocupadas por seus donos. Foram deixadas para trás, vazias. Diversas famílias não aceitavam ir para Santa Cruz. Por outro lado, na vizinha Favela do Aço, com suas construções temporárias, os moradores esperavam, naquela época, já há mais ou menos 20 anos pela entrega de casas definitivas, prometidas pelos governos desde as enchentes dos anos 1960.
No entanto, a promessa de casas com melhores condições não foi cumprida. Hoje, já são 60 anos de moradias ‘temporárias’ na Favela do Aço. Abrigos que se tornaram casas permanentes, sem o devido cuidado do poder público.
Esse dilema gerou um questionamento: porque não destinar as casas do Cesarão para os moradores da Favela do Aço? Muitos deles se fizeram essa pergunta ao se verem contratados para limpar as casas do Cesarão, que seriam recebidas por moradores de outras favelas—que, por sua vez, tinham a impressão de terem sido sorteados para residir no “fim do mundo”.
Luciene Montes morou na Favela do Aço por 20 anos e reside no Cesarão há quase 40. Ela conta que foram as mudanças de governo e interesses políticos que motivaram o “esquecimento” da Favela do Aço.
“Era [proposto como] temporário. Só que vai mudando de governo em governo e é aquele lance, o ‘temporário’ de um governo já foi esquecido pelo próximo. O outro governo que chega, quer fazer o nome dele, não quer dar início a um novo governo e dar continuidade ao projeto do anterior… O governo que estava na época achou interessante construir para outro tipo de pessoa, não para os moradores do Aço. Aí, daria o nome dele para o conjunto e arrecadaria votos pra ele, já que ele teria possibilitado que essas pessoas tenham casa própria. E o Aço foi ficando esquecido. E aquela temporalidade, que não era pra demorar tantos anos, só está vindo a ser resolvida ou querendo ser resolvida agora [pois, atualmente, estão supostamente construindo novas habitações para os moradores].” — Luciene Montes
Vale destacar que a promessa de novas moradias nos processos de remanejamento e remoções são estratégias políticas que mexem diretamente com as expectativas de uma população constantemente pressionada pela especulação imobiliária e por valores incompatíveis de aluguéis. Em muitos casos, essa população precisa recorrer a ocupações e moradias precárias para ter o direito de morar.
A história do Cesarão é só mais uma entre dezenas de propostas que não foram executadas de forma efetiva para a população. Essa negligência do Estado com relação ao direito à moradia é histórica e afeta a vida de milhões de pessoas. É um processo agressivo de desenvolvimento da cidade, que ignora demandas sociais das favelas e periferias, favorece a exclusão dos cidadãos e viola o direito à cidade. O direito à moradia digna não se encerra na construção de casas, mas consiste em proporcionar e garantir uma estrutura social, política e econômica que seja capaz de promover a cidadania.
Um novo Cesarão
Autoria: Saulo Araújo[3].
Com suas sete mil casas, o Cesarão, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, já era o maior conjunto habitacional da América Latina em 2001. Ficou ainda maior quando integrantes do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) fincaram sua bandeira vermelha na área hoje denominada Nova Palestina, derrubando a mata na qual as crianças se reuniam para soltar pipa e os bandidos executavam suas vítimas. Naquele momento, os moradores do Cesarão a chamavam de Invasão.
Os vizinhos das Rua 64 estranharam quando inúmeros maltrapilhos desceram dos ônibus e caminhões e começaram a levantar acampamento. “Eles chegaram tranquilos, sem incomodar os moradores, tranquilos até demais para as as invasões que a gente vê dos Sem Teto”, conta Marcos Vinícius Lima, 30 anos, que mora do outro lado da rua do terreno que foi invadido. O estranhamento deu lugar à preocupação quando os invasores começaram a trocar as lonas pelos primeiros barracos de madeira. “O pessoal estava falando mal, temendo uma nova favela”, diz Luan Pereira Ramos,21 anos, morador da rua 63. Não conhecer os “invasores” incomodava os moradores do Cesarão, que não faziam ideia se poderiam herdar problemas junto com os novos vizinhos. “Ainda não sei de onde vieram”, ressalta Luan.
Uma das primeiras moradoras da Nova Palestina, Ana Cristina Andréia de Campos, de 48 anos, lembra do papel de seu Manel para a consolidaçãoda nova comunidade. “Ele convidou as pessoas do Santa Margarida (conjunto habitacional de Cosmos) e de Sepetiba”, lembra ela, que naocasião morava em uma invasão do outro lado do Cesarão, da qual participaram cerca de 10 famílias da própria localidade. Os novos moradores não foram rechaçados de maneira ostensiva, mas sofreram com o preconceito. “Quando eu disse que viria morar aqui, as pessoas me chamaram de maluca, achavam ruim, pensavam que era um monte de favelados”, diz a mesma Ana Cristina, que ainda não viu motivos para o comportamento dos antigos moradores do Cesarão. “Até agora não teve nenhum problema, adoro isso aqui, conheço todo mundo. ”
Nenhuma autoridade se interessou pela nova comunidade, nem as oficiais nem as do chamado poder paralelo. Mas para Ana Cristina essa passividade se deve muito mais às virtudes do movimento que liderou a invasão do que ao desleixo das autoridades. “Nunca tentaram tirar porque foi muito organizado”, conta a moradora. Os técnicos da Prefeitura só deram as caras quando os líderes da Nova Palestina solicitaram a sua visita, para darem entrada no processo de legalização das casas. “A maioria dos moradores tem o documento da CEHAB-RJ (Companhia Estadual de Habitação do Rio de Janeiro)”, conta Ana Cristina. A união do grupo também foi fundamental nos seguidos mutirões organizados pelo movimento. “Eram todos juntos pra fazer as casas e organizar tudo, agora só falta regularizar a água e a luz“, completa Ana Cristina.
Com o tempo, a nova comunidade foi assimilada pelos moradores do Cesarão. “Não me incomodam”, diz Marcus Vinícius. Luan foi um pouco mais além, fazendo inclusive amigos na nova área do conjunto habitacional. “Não tenho nada contra eles, até tenho amigos lá hoje em dia, já são parte do Cesarão “, conclui Luan. A boa convivência permite que Ana Cristina sonhe com dias ainda melhores para a Nova Palestina. “Estamos tentando fazer uma praça para as crianças”, conta ela, que acredita que a comunidade vai estar plenamente assimilada pelos vizinhos em no máximo cinco anos.
Ver também
- Vila Paciência / Favela do Aço
- Remoções de favelas no Rio de Janeiro
- Lista de Favelas do Município do Rio de Janeiro
Notas e referências
- ↑ Fonte: Rio On Watch.
- ↑ Fonte: Rio On Watch.
- ↑ Fonte: Matéria publicada no Rio On Watch.